NARRAÇÃO DE SARA...
Meu coração parecia que ia sair pela boca a cada passo pela mansão, enquanto eu procurava em cada cômodo. Cheguei à cozinha com lágrimas nos olhos. Evelyn ajudava sua mãe, Marie, a preparar o almoço. Esfreguei as mãos, tentando conter o choro, querendo pedir ajuda, mas a voz estava presa na garganta. Era como um pesadelo, desses em que tentamos gritar, mas nada sai. Evelyn parou de experimentar o molho vermelho e logo percebeu minha angústia. — Julie sumiu... Me ajuda — chorei, sentindo um medo sufocante de que ela tivesse saído da mansão sem que ninguém notasse. — Ela saiu do quarto?! — Evelyn perguntou, chocada. Confirmei com a cabeça, sentindo meu rosto adormecer. Paralisei. — Evelyn, ajude-a! — Dona Marie exclamou, completamente nervosa. Ela assentiu e arrancou o avental. Corremos para o quintal, e a cada grito chamando pelo nome da minha filha, era como se minha alma fosse rasgada. O medo era ainda maior porque, na área externa, há um açude perto da mansão. Senti um nó nas entranhas. Faltava-me o ar. Toquei a região do estômago — era um ataque de pânico. Mas Evelyn me sacudiu, tentando me trazer de volta à realidade. — Ela só pode estar dentro da mansão, Sara! Ela não conseguiria descer aquelas enormes escadas. Consegui respirar ao ouvi-la. Corremos de volta para dentro e subimos as escadas às pressas. No final do longo corredor, apenas uma porta estava aberta: o escritório de Brady Dawson. Senti tontura. Não... lá não. Ela não pode... não, não, não! Corri desesperada, e a cena diante de mim me fez perder o ar. Julie estava sentada no chão, brincando com alguns cavalinhos de brinquedo. E, estranhamente, o Sr. Dawson estava sentado à frente dela, observando. Não pensei em mais nada. Corri até minha filha e, após o susto, a repreendi com irritação. O que me desequilibrou de vez foi quando o Sr. Dawson tentou intervir na minha bronca. Naquele instante, me esqueci completamente de que ele era o meu patrão... Mas depois que me acalmei, pedi desculpas. A razão voltou. Quando ele pediu para Evelyn levar minha filha, senti o sangue congelar. Estava certa de que, dessa vez, eu seria demitida. Levei minha filha sem permissão, fui rude ao responder... Mas, para minha surpresa, eu estava errada. Enquanto ele trabalhava, fez breves perguntas sobre minha vida. Foi aí que algo nele me chamou atenção. O Sr. Dawson tenta parecer alguém que não é. Ele finge ser indiferente, mas se mostrou disposto a me levar ao hospital. Ainda me deu um dia de folga. Não surtou por eu ter levado minha filha... Fui completamente pega de surpresa. Observei discretamente quando ele pegou o casaco e passou por mim. — Eu vou te levar ao hospital — disse ele. O cheiro da roupa dele ainda me confunde. Cheiro de guardado. Um homem tão bonito, alto, forte... mas abandonado. Abandonado não só pelos outros, mas por ele mesmo. Dá pra notar pela barba por fazer, pelos cabelos crescidos, pela aparência negligenciada... Se ele ao menos me permitisse lavar suas roupas... Talvez, um dia, eu consiga essa liberdade. Mas parece que ele construiu um muro ao redor de si. E não deixa ninguém se aproximar. Antes de sairmos, peguei Julie no colo e o segui. Na varanda, outra surpresa: ele pegou um guarda-chuva e o abriu sobre nossas cabeças para nos proteger da chuva. Me olhou brevemente. — Ela é muito pequena pra se molhar na chuva — disse ele. Assenti, escondendo o rosto da Julie em meu ombro. Fiquei surpresa. Ele se preocupa com crianças... Corremos até o carro. Entrei no banco de trás com Julie. Estava frio. Abracei minha filha, tentando nos aquecer. Ele nos olhou pelo retrovisor. Vi seus dedos apertarem o volante antes de dar a partida. Estava nervoso. — Está tudo bem? — Silêncio — ele ordenou, fechando os olhos como se tentasse se concentrar. Então me lembrei dos boatos... dizem que ele não sai da mansão há meses. Talvez essa seja sua primeira vez fora desde então. Olhei ao redor, sem saber o que fazer. Mas a ordem era clara: Silêncio. Após alguns minutos, ele deu a partida. Parecia irritado. Preferi me calar. Durante o trajeto, Julie me olhou entre resmungos. — Estou com fome... Afaguei seus cabelos, tentando acalmá-la. — Já, já estaremos em casa — sussurrei o mais baixo que pude, com medo que ele ouvisse. Não posso gastar nada. O dinheiro que tenho está contado até o meu primeiro salário. Mas seus olhos negros me fitaram pelo retrovisor mais uma vez. Baixei o olhar para o chão do carro, desejando chegar logo ao hospital. — Ela não almoçou? Inspirei fundo, olhei pela janela, umedeci os lábios tentando disfarçar a vergonha. Neguei com um leve movimento de cabeça. — Vou parar num restaurante. — Não há necessidade! — falei, nervosa. Ele ignorou por completo. Estacionou em frente a um restaurante próximo ao hospital. — Eu também estou com fome — grunhiu, saindo do carro. Fechei os olhos por um momento e soltei o ar com força. Inspirei fundo, abri os olhos e sorri, pois Julie me observava com curiosidade. — Você tá brava? Forcei outro sorriso e neguei. Do lado de fora, vi o Sr. Dawson perto da entrada do restaurante, nos aguardando enquanto fumava. Um frio me percorreu o estômago. Olhei minha roupa de empregada. A última coisa que eu queria era entrar num restaurante chique. Não era lugar para mim. Parei de enrolar antes que ele perdesse a paciência. Saí do carro segurando a mão da Julie. Ao menos a chuva havia parado. Mas Julie soltou minha mão e correu até ele, me deixando nervosa. E, para minha surpresa, segurou a mão dele, incentivando-o a entrar. — Eu gosto de franguinho! — disse ela, animada, praticamente o arrastando. Pela primeira vez, vi o Sr. Dawson sorrir. Ele jogou fora o cigarro, deixando-se ser conduzido por uma menina de quase quatro anos. Fiquei ali, parada, sozinha. O sorriso dele é encantador. Surgiram até covinhas em suas bochechas. Inspirei fundo, ajeitei a bolsa no ombro... e me preparei para entrar.