Helena seguiu a senhora Quinn pelo corredor lateral até a porta de vidro que dava para o jardim. A luz atravessava as folhas e desenhava manchas douradas no chão. O ar tinha cheiro de grama molhada, flores… e algo estranhamente familiar, embora ela não soubesse dizer por quê.
— Henry está ali — disse a governanta, apontando para uma pequena sombra perto das árvores. — Ele prefere lugares quietos. Não se surpreenda se não falar muito.
Helena assentiu.
Quinn ficou alguns passos atrás, dando espaço, mas claramente atenta a cada detalhe.
Helena caminhou devagar pelo gramado até o menino.
Ele estava sentado com as pernas cruzadas, segurando um carrinho de madeira com as duas mãos. A cabeça inclinada, o corpo encurvado, como se esperasse o mundo se aproximar — devagar, sem pressa, sem sustos.
Quando Helena chegou perto, pôde ver melhor os detalhes do menino.
Henry era pequeno para a idade, com o corpo magrinho e postura retraída, como se o mundo fosse grande demais para ele. Os cabelos castanhos — lisos e sempre um pouco bagunçados nas pontas — caíam sobre a testa, quase encobrindo os olhos enormes e escuros que pareciam observar tudo em silêncio.
A pele clarinha, quase transparente, dava a impressão de fragilidade, mas havia firmeza nos dedos miúdos que seguravam o carrinho.
As bochechas eram levemente redondas — um resto de infância que ainda não tinha ido embora — e os lábios pequenos, sempre fechados demais.
Era uma criança linda, mas carregando um tipo de tristeza que não deveria existir em alguém tão pequeno.
— Oi, Henry… — disse ela, suave, agachando-se para ficar na altura dele. — Eu sou a Helena.
Ele levantou apenas os olhos.
Grandes. Escuros. Profundos.
Olhos que carregavam silêncio demais para quatro anos de vida.
Ele não respondeu.
Helena não insistiu.
Pegou uma pequena pétala branca caída no chão e colocou ao lado do carrinho dele.
— Acho que alguém perdeu uma flor — murmurou, como quem confidencia algo importante.
Henry observou a flor. Depois observou ela.
Então empurrou o carrinho alguns centímetros em sua direção.
Tão pouco.
Mas tanto.
Helena sorriu.
— Posso brincar um pouco com você?
Ele hesitou… depois assentiu com um gesto quase imperceptível, mas muito claro para quem estivesse prestando atenção.
Atrás delas, a senhora Quinn soltou um suspiro discreto.
— Ele nunca faz isso com ninguém que acabou de conhecer — murmurou, surpresa carregada de alívio.
Antes que Helena pudesse perguntar mais, passos atrás delas a fizeram virar.
Ethan se aproximava.
A gravata ajustada, o paletó agora vestido, mas havia algo diferente — como se o ar ao redor dele tivesse mudado depois de vê-la com o filho.
Ele parou a poucos metros, mas o primeiro olhar não foi para ela.
Foi para Henry.
E quando viu o menino tranquilo, entregando um carrinho para Helena, algo em seus ombros cedeu. Sutilmente. Quase invisível.
Mas Helena viu.
— Ele deixou você chegar perto — disse Ethan, a voz baixa, como se temesse estragar aquele momento raro.
Helena virou-se para ele, ainda na altura do menino.
— Ele é muito doce — disse. — Só precisa que falem com ele no tempo dele.
Henry olhou para o pai. Depois para ela.
Era como se verificasse se ambos pertenciam àquele mesmo quadro.
Ethan respirou fundo.
Simples gesto.
Mas carregado.
— Ele costuma… — começou, mas parou no meio da frase. — Ele costuma demorar para confiar.
O que restou sem ser dito ecoou entre eles:
“Mas com você é diferente.”
Helena olhou para o menino.
Ele empurrou o carrinho até encostar na ponta da sandália dela.
Ela riu baixinho.
— Vou entender isso como um “sim”.
Ethan observava tudo com a intensidade de quem tenta decifrar o próprio coração. Ele era um homem lógico, disciplinado, moldado para nunca fraquejar.
Mas aquela cena…
Helena ali…
Henry se abrindo…
…tocava um lugar nele que ele evitava há anos.
A senhora Quinn aproximou-se mais um passo.
— Senhor Hartman — disse com um sorriso discreto, quase orgulhoso — acho que encontramos alguém com quem Henry se sente seguro.
Ethan não tirou os olhos de Helena.
— Concordo.
A palavra atravessou Helena com força inesperada.
Não pelo elogio.
Mas pela forma como ele disse.
Com verdade.
Com algo íntimo demais para um primeiro encontro.
Com algo que ela não sabia nomear… mas que acendeu algo fundo no peito.
Henry puxou de leve a barra da blusa dela.
Helena se voltou para ele.
— Quer me mostrar mais brinquedos?
Ele assentiu, simples e direto.
Helena se levantou devagar e o seguiu até a sombra das árvores, onde uma pequena caixa de brinquedos estava escondida.
E, pela primeira vez desde que entrara na mansão Hartman, ela sentiu uma coisa inesperada:
pertencimento.
Como se, por algum motivo inexplicável, aquele lugar… aquela criança… aquele homem… fizessem sentido.
Helena se afastou com Henry, rindo baixinho quando ele mostrou um dinossauro sem braço.
Ethan permaneceu parado, observando.
E algo nele — algo que ele acreditava morto, esquecido, enterrado — se mexeu sob a pele.
Um reconhecimento sem lógica.
Uma memória sem rosto.
Um sentimento que ele não sabia nomear.
Ele não sabia quem ela era.
Mas seu corpo sabia.
Como algo que respira…
…depois de muito tempo adormecido.