Mundo de ficçãoIniciar sessãoHelena seguiu a senhora Quinn para dentro da mansão enquanto Henry continuava a brincar no gramado. A porta de vidro se fechou atrás delas com um clique suave, e o silêncio organizado da casa tomou conta do ambiente, como se ela tivesse cruzado para outra realidade.
— Vamos mostrar seu quarto e ajustar a rotina — disse a governanta, caminhando com passos firmes. Helena manteve as mãos entrelaçadas, tentando absorver tudo. O corredor era iluminado por painéis de luz natural, e quadros antigos decoravam as paredes. Um deles chamou sua atenção: um menino loiro, olhos escuros, expressão séria demais para a idade. Algo dentro dela se contraiu… mas Quinn já virava a esquina. — Aqui é a ala dos funcionários — explicou. — Mantemos tudo organizado para funcionar sem atrapalhar a família. Ela abriu uma porta branca. — Este será seu quarto. Helena entrou devagar. O quarto era simples e acolhedor: cama impecável, escrivaninha com luminária, armário claro e uma janela com vista para o jardim lateral. O banheiro privativo ao lado estava impecavelmente limpo. — Eu não esperava tanto — murmurou. Quinn sorriu de leve. — Você vai precisar de um lugar tranquilo para estudar. A casa exige muito, mas também oferece estrutura. Helena respirou fundo. Era estranho sentir alívio ali dentro, mas sentiu. Pela primeira vez em anos, teria um espaço só dela. — Sobre a rotina — retomou Quinn — você cuidará do Henry das oito às cinco. Ele tem reforço duas vezes por semana e terapia de linguagem às sextas. Helena assentiu, memorizando cada detalhe. — À noite, pode ir à faculdade, desde que volte até as dez. Clara, a babá noturna, dorme perto do quarto dele. Nos fins de semana alternados, você cuida das manhãs. Simples. Claro. Finalmente possível. Quinn fechou a porta atrás delas. O corredor seguinte era diferente: mais amplo, silencioso, com portas fechadas e poucos quadros. A atmosfera parecia mudar. — Há regras importantes — disse ela, o tom levemente mais sério. — O segundo andar é privado. Suíte do senhor Hartman, ala dos hóspedes e quartos da família. Não entre sem permissão. — Entendido. — O escritório principal também é restrito. O senhor Hartman é muito reservado quanto aos assuntos da empresa. Helena apenas assentiu. Nada ali parecia exagerado… até Quinn abrir a porta externa, levando-a de volta ao jardim. O ar fresco entrou como um convite. O cheiro úmido da grama, o som suave das folhas… mas o olhar de Helena foi puxado para o fundo do jardim, para um corredor estreito coberto de trepadeiras antigas. — Vamos terminar por aqui — disse Quinn. Elas caminharam pelo pátio até o corredor. Ao final, quase escondida entre sombras verdes, havia uma pequena construção de madeira — um chalé discreto, janelas fechadas, porta escura, trepadeiras agarradas às paredes como raízes do passado. Helena parou sem perceber. Algo nela reconheceu aquele lugar. Um reconhecimento estranho, profundo, inquietante. — Essa parte do jardim é privada — disse Quinn, baixando o tom. — A construção é do senhor Hartman. Ele a mantém trancada. Não deve ser acessada. — Por quê? — escapou antes que ela conseguisse conter. Quinn hesitou um segundo — e esse segundo disse mais que qualquer resposta. — Memórias — respondeu. — E algumas… questões pessoais. Apenas respeite esse limite. Helena engoliu seco, incapaz de desviar o olhar da porta escura. O ar ali parecia diferente. Mais denso. Como se guardasse algo dela também. Passos suaves na grama a fizeram virar. Ethan. Ele se aproximava em silêncio, postura impecável. Seus olhos passaram pelo chalé antes de encontrarem os dela. E, nesse instante, algo em sua expressão endureceu. Quinn inclinou a cabeça. — Estávamos revisando as regras, senhor. Ele apenas assentiu, mas não tirou os olhos de Helena. Observação demais. Alerta demais. Silêncio demais. — Essa área — disse ele, a voz baixa e firme — não deve ser aberta por ninguém além de mim. A simplicidade da frase fez a pele de Helena arrepiar. Não pelo tom. Mas pelo estranho puxão no peito — como se aquela porta tivesse significado algo muito antes daquele instante. — Entendi — disse ela. Ethan sustentou o olhar por um segundo longo, significativo, antes de se virar e deixar o jardim. Assim que ele desapareceu, Quinn retomou o tom prático. — Agora que você já conhece o básico da casa, vamos organizar sua chegada. O senhor Hartman gostaria que você começasse o quanto antes. Helena se virou rapidamente. — Amanhã? Quinn balançou a cabeça. — Hoje, se puder. Henry se conectou a você de um jeito raro para ele. Quanto antes voltar, melhor. O coração de Helena acelerou. — Eu posso. Só preciso pegar minhas coisas. — Ótimo. — Quinn sorriu, satisfeita. — Você tem o resto da manhã livre para buscar roupas, materiais da faculdade e o essencial. Nada além disso. Se precisar de algo, podemos providenciar. Helena tentou organizar o turbilhão de pensamentos. — E começo quando voltar? — Sim. Clara cobrirá parte da tarde para que você chegue com calma. Quando retornar, ajudarei você a se instalar no quarto e começaremos sua adaptação com Henry. Ele não lida bem com mudanças bruscas. Helena assentiu, aliviada. — Obrigada, senhora Quinn. De verdade. — Apenas Quinn — corrigiu ela com um sorriso pequeno. — E lembre-se: qualquer dúvida, venha a mim. A governanta lançou um último olhar para o chalé. — Aqui dentro… todos precisam saber exatamente onde pisam. A frase ficou ecoando enquanto Helena olhava novamente para a estrutura tomada por heras. Algo naquela sombra parecia chamá-la. Ou reconhecê-la. Ela tentou ignorar. Mas sabia, no fundo, que não era possível. Quando voltasse para aquela mansão no fim da tarde, sua vida não estaria apenas começando de novo… …ela estaria entrando em algo que, de forma inexplicavelmente profunda, já tinha pertencido a ela.






