Depois de dias de trabalho intenso, eu já deveria ter aprendido que Enzo Bellini não fazia convites. Fazia imposições. Na tarde de quinta-feira, quando o expediente já se arrastava em pilhas de contratos, meu celular vibrou. “Convite beneficente do Instituto Bellini. Hoje à noite. Vista-se para ser notada. Estarei te esperando às 20h.”
Não havia ponto de interrogação. Só ponto final.
Suspirei, passando as mãos no rosto. Era como se ele estivesse criando situações para me puxar cada vez mais para a órbita dele. E pior: esse jantar não era apenas social. Vanessa confirmou em segundos: investidores, políticos e grandes empresários estariam lá. Perder essa chance poderia significar atrasar todo o crescimento da nossa startup.
E, sinceramente, eu não podia me dar esse luxo.
Fui para casa mais cedo e quando entrei no closet, meu coração estava acelerado. Lá no fundo eu já sabia que não era só a ansiedade de me expor a tanta gente poderosa. Era por estar sozinha novamente com ele. A ideia de compartilhar o mesmo espaço com Enzo, fora do ambiente de trabalho, era sufocante.
Escolhi um vestido de seda preto longo, simples mas elegante, com alças finas e um decote discreto. O suficiente para parecer segura, não provocativa. Até porque não era o que eu queria. Coloquei brincos de pérola e prendi o cabelo em um coque baixo. Eu precisava parecer inabalável, mesmo quando estava um caos por dentro.
Às 20h em ponto, uma mensagem piscou:
“Estou no carro. Desça.”Olhei no espelho mais uma vez. Apesar de reconhecer a importância dele para o meu negócio, eu não entendia em que momento ele pensou que poderia falar assim comigo. Respirei fundo. Santino estava com Camila, feliz com pizza e desenhos. Minha vida dupla seguia intacta, por enquanto.
Enzo estava encostado no carro preto quando saí do prédio. Com gravata preta, camisa branca e blazer sofisticado, a postura estava completamente dominante. Quando me viu, não sorriu. Apenas abriu a porta para mim.
— Achei que fosse me deixar esperando — disse, quando me acomodei no banco.
— Não costumo aceitar convites de última hora. — Minha voz saiu firme, ainda que por dentro eu estivesse calculando cada respiração.
— Então vamos chamar de destino — ele rebateu, e o silêncio que nos seguiu até chegarmos no local.
O jantar acontecia em um hotel luxuoso, salão iluminado por lustres de cristal. Mulheres em vestidos longos, homens em ternos impecáveis. O tipo de ambiente em que todos se observam, calculam e analisam cada detalhe.
Enzo colocou a mão em minhas costas ao me conduzir até nossa mesa. Não foi um toque casual. Foi possessivo, como quem marca território. Um arrepio percorreu minha espinha, e eu odiei como cada célula reagiu.
— Relaxe — ele murmurou próximo ao meu ouvido, baixo o suficiente para que ninguém mais ouvisse, enquanto deslizava seus dedos pelo meu braço. — Estamos apenas jantando.
Mas não era apenas jantar. Eu sabia.
As conversas ao redor giravam em torno de negócios, filantropia e números milionários. Eu sorria, cumprimentava, respondia com educação. Mas Enzo… ele não me deixava escapar.
— Você já esteve em Veneza? — perguntou de repente, entre um brinde e outro.
Meu coração falhou. Engoli o vinho com calma.
— Não. Porque a pergunta? — Respondi rápido demais.Ele arqueou a sobrancelha, como se saboreasse minha resposta.
— Estranho. — Disse devagar, mexendo o líquido na taça. — Eu poderia jurar que já vi você andando por aquela cidade.Fiquei em silêncio. Porque qualquer palavra poderia me entregar.
O garçom trouxe um novo prato, e quando coloquei a mão na taça, os dedos dele encostaram nos meus. Por mais tempo do que seria aceitável. Não foi acidente. Ele me olhou fixamente, esperando que eu fosse a primeira a recuar.
Não recuei.
Mas meu corpo queimava por dentro. A lembrança daquela noite voltou inteira: o peso dele sobre mim, a força, o gosto. Fechei os olhos por um segundo, tentando afastar meus pensamentos. A intensidade daquele homem me desestabilizava.
— Está nervosa, Luna? — ele perguntou, com um meio sorriso.
— Só cautelosa. — Respondi, fingindo o sorriso.
— Cautela é boa para os negócios. — Ele inclinou-se para a frente, diminuindo ainda mais a distância. — Mas pode ser fatal em certas oportunidades.
A conversa seguiu entre risos falsos e discursos políticos. Mas Enzo não desistia. Cada pergunta dele parecia um teste calculado.
— Mora sozinha?
— Sim. E você?— Também. Nunca pensou em sair de São Paulo?— Minha vida está aqui.— Família grande?— Pequena. — Apertei os lábios.Ele me observava como se cada resposta fosse uma peça de um quebra-cabeça e parecia ignorar minhas perguntas de volta. Eu sabia que ele chegaria lá, cedo ou tarde.
Quando me levantei para ir ao banheiro, ele também se levantou. Um gesto antigo, quase antiquado, mas que me deixou desconfortável. Na volta, quando passei ao lado dele, sua mão roçou minha cintura. Leve. Calculada. Senti algo quente molhar minha calcinha.
Uma nuvem atravessou meus pensamentos: Chiara. A noiva dele. Estranho que, em toda a noite, Enzo não a tivesse mencionado sequer uma vez. Nenhuma referência, nenhum comentário, como se aquela mulher de sobrenome bilionário, exibida nas revistas ao lado dele, simplesmente não existisse.
Quando o jantar terminou, ele não me deixou sumir pela multidão. Caminhou ao meu lado até a porta do salão, cumprimentando conhecidos com a outra mão, mas mantendo a posse da minha cintura o tempo todo. O gesto era íntimo demais para um homem prometido a outra. Intenso demais para ser ignorado.
Já na calçada, um vento frio cortava a noite. Olhei para o carro, ansiosa para fugir dali. Mas antes que eu desse o primeiro passo, ele segurou minha mão. Firme, quente, irredutível.
O mundo ao redor desapareceu.
Ele se inclinou, aproximando o rosto do meu, a voz baixa o bastante para que só eu ouvisse:
— Por que você mentiu para mim naquela noite?
Senti o chão desaparecer sob os meus pés.