Mundo de ficçãoIniciar sessãoA quarta-feira começou pesada.
Não pesada de sono — pesada de presença.
A presença dele.Eu tinha acabado de entrar no pátio quando senti.
Aquela sensação irritante e quente… a de ser observada.Virei o rosto devagar, como quem não quer admitir que está procurando alguma coisa.
E lá estava ele.
Noah.
Encostado na parede próxima à quadra, braços cruzados, cabelo bagunçado como se tivesse acordado do jeito errado — ou lutado com algum demônio interno.
Olhos fixos. Direto em mim.Ele não desviou.
Não piscou.
Não fingiu.
Simplesmente me olhou.
E aquilo me travou num misto de raiva e… outra coisa que eu não queria nomear.
Val apareceu ao meu lado com um sorriso maldoso.
— Ele tá te devorando com os olhos — ela comentou.
— Cala a boca. — murmurei.
Bianca olhou rápido na direção dele e disse, quase sussurrando:
— Isso não é olhar, Éris. Isso é ameaça sexual.
Lia arregalou os olhos.
— Desejo reprimido. Perigo vermelho. Hormônios assassinos.
— Deus — murmurei, passando a mão no rosto. — Vocês três não têm paz?
Val segurou meu braço.
— Amor, olha pra mim.
Eu olhei. — Aquele garoto te observa como se tivesse… intenção.Aquilo fez um calor subir pelo meu pescoço.
E obviamente foi nesse exato momento que Noah começou a andar na nossa direção.
As três abriram caminho como soldadas fugindo de um tanque.
Eu fiquei. Óbvio. Congelada. Óbvio.
Ele parou a menos de um metro.
— Você precisa aprender a não parar no meio do caminho. — ele disse, voz baixa, irritada e bonita demais pro próprio bem.
Eu ergui a sobrancelha.
— Eu não parei no meio do caminho.
Ele deu um sorriso curto, torto. Um sorriso perigoso.
— Então por que eu bato em você toda vez?
— Porque você anda feito um rinoceronte com pressa. — rebati.
As amigas explodiram em gargalhadas atrás de mim.
Noah olhou de relance pra elas com um ar de “cala essa boca antes que eu mande vocês pra Marte”. Mas quando voltou o olhar pra mim… algo diferente queimava lá dentro.Não era raiva.
Ou não só raiva.
Era… eletricidade.
Desejo travado.
Mal-amarrado. Mal resolvido.— Você gosta de provocar, né? — ele murmurou, dando meio passo pra frente.
Eu deveria ter recuado.
Não recuei.
— Só respondo na mesma intensidade. — respondi.
O canto da boca dele levantou.
— Intensidade é algo que você não sabe medir.
Aquilo bateu no meu peito como uma faísca em gasolina.
— E você sabe?
Ele segurou meu olhar por longos três segundos.
Três segundos que duraram uma eternidade.— Eu sei controlar. — ele disse.
Eu ri, baixa e debochada.
— Pareceu muito controlado quando você quase socou o Mateo no estacionamento.
Ele parou.
O maxilar dele tensionou.— Não se mete nisso. — disse seco.
— Você que apareceu na minha frente. — respondi, cruzando os braços.Os olhos dele desceram para meus braços cruzados.
Lentos. Profundos. Quentes.Por um segundo assustador, pareceu que ele ia dizer alguma coisa… pessoal.
Algo que estava preso ali na garganta, empurrando a parede da raiva.Mas antes que pudesse continuar, Val chamou:
— Éris, a gente vai entrar! Você vem?
Ele não tirou os olhos de mim.
Eu dei meio passo pra trás.
E esse único passo foi suficiente para Noah deixar o corpo relaxar — como se eu tivesse puxado a corda errada.
— Vai. — ele disse, num tom que parecia… desapontado?
Não. Impossível.Eu me virei e fui atrás das meninas.
Mas enquanto andava, senti.
Senti ele me olhando.Queimando minhas costas com aquele olhar cheio de algo que ele se recusava a admitir.
A aula de literatura parecia interminável.
Não conseguia focar em nada.
Nem no texto, nem na professora, nem na conversa das meninas.O diário pesava na minha mochila, chamando meu nome.
Quando o sinal tocou, fui direto para o banheiro vazio do segundo andar.
Tranquei a porta, sentei no chão frio e tirei o diário com as mãos tremendo.Abri na página onde eu tinha parado.
E li.
*“Eu queria empurrá-la contra a parede hoje.
Não porque estou com raiva.
Mas porque não consegui parar de olhar a boca dela.”*
Meu coração disparou tão forte que doeu.
Virei a página.
*“Ela não faz ideia do que causa.
Eu tento não olhar.
Eu juro que tento.
Mas quando ela passa…
… eu imagino coisas que não deveria.”*
Minhas mãos esquentaram.
Respirei fundo, tentando tirar o ar do pulmão — sem conseguir.
Virei mais uma página, mesmo sabendo que não devia.
*“Quase toquei nela hoje.
Quase.
Minha mão chegou perto da cintura.
Seria fácil puxar.
Seria fácil sentir.”*
Meus dedos ficaram frios.
A boca secou.
E antes que eu pudesse virar a próxima página — porque eu ia virar, eu sei que ia — alguém bateu forte na porta.
Três vezes.
Secas.
Impacientes. Irritadas.Meu coração parou.
— ERIS? — a voz dele.
Noah.Não acreditava.
— Por que você trancou essa porta? — ele perguntou, mais irritado do que deveria.
Eu tranquei o diário com tanta pressa que quase rasguei a página.
Guardei na mochila. Respirei fundo.— Estou ocupada! — respondi.
Silêncio.
Depois, a voz dele — mais baixa, quase preocupada.
— Você tá chorando?
— NÃO! — respondi, rápido demais.
Ele soltou aquele tipo de risada curta, sem humor.
— Então abre.
— Não.
— Abre a porta, Éris.— Vai embora, Noah.
Silêncio.
Depois, um sussurro carregado.
— Eu não vou.
Meu corpo inteiro tremeu.
— O que você quer? — perguntei, ainda sem abrir.
Ele demorou dois segundos para responder.
— Eu… — silêncio longo demais — … vi você sair correndo da aula.
Meu coração desabou.
— E daí? — perguntei, tentando soar firme.
— Você parecia que ia desmaiar. — a voz dele endureceu. — Me avisa se você passar mal, caralho.
Adrenalina.
Raiva. Preocupação. Tudo misturado.Abri a porta.
Devagar.
Ele estava ali — ombros tensos, cabelo caindo no rosto, os olhos queimando.
E quando me viu, o olhar dele percorreu meu rosto inteiro.
— Você tá vermelha. — disse baixo. — O que aconteceu?
Eu engoli a verdade inteira.
— Nada.
Ele deu um passo pra dentro do banheiro.
Fechei a porta reflexivamente. Errei.Agora estávamos a poucos centímetros.
Ele respirou fundo, perto demais.
— Você mente mal. — ele murmurou.
Eu senti o calor do corpo dele invadindo o meu.
— E você invade espaços que não são seus. — sussurrei, sem força nenhuma.
Os olhos dele escureceram.
— Talvez eu queira testar os limites. — respondeu, voz grave.
Minha respiração falhou.
Ele chegou tão perto que eu podia sentir o cheiro dele — quente, forte, limpo, irritante.
O dedo dele roçou de leve meu pulso.
De leve. Mas queimou.— Noah… — minha voz saiu fraca.
Ele inclinou o rosto, sem me tocar.
— É só você dizer pra eu parar. — ele sussurrou.
E eu… eu não disse.
Eu não consegui.
O ar entre nós era tão tenso que parecia prestes a quebrar.
Então alguém bateu na porta do banheiro.
— Tem gente aí?
Nós dois congelamos.
Noah deu um passo atrás — rápido, firme, como quem esconde um pecado.
— A gente se fala depois. — ele disse, saindo pela porta ao lado como se nada tivesse acontecido.
E eu fiquei ali.
Sozinha.
Com o coração fora do ritmo.
Com o corpo queimando. Com o diário latejando na mochila.E com uma certeza:
Isso não ia parar. Ia piorar. Muito.







