Mundo ficciónIniciar sesiónO primeiro raio de sol foi uma lâmina dourada cortando a névoa prateada do amanhecer. Jackson despertou lentamente, seu corpo dorido e marcado. Seu braço esticou para o lado e encontrou espaço vazio.
O movimento ao seu lado o fez abrir os olhos. Ela já estava de pé, vestindo-se com pressia quase frenética. Movido por um impulso, Jackson se levantou e se aproximou. Seus dedos encontraram as costas dela onde o sutiã permanecia aberto. — Deixa eu te ajudar — sua voz era uma raspagem áspera. Ela parou, mas não se afastou. Ele abotoou o fecho, seus dedos roçando a pele quente. Enquanto vestia sua própria camisa, a esperança brotou em seu peito. — Pensei que poderíamos tomar um café... — ele disse, a sugestão saindo em um tom baixo e esperançoso. Ela se virou. Seus olhos, agora sem o fogo noturno, encontraram os dele. Havia uma sombra de pesar sufocada pela urgência. Ela pegou a camisa dele e a estendeu, ajudando-o. — Seria ótimo — ela admitiu, a voz suave mas firme. — Mas eu não posso. Sinto muito. — Ela abotoou o primeiro botão de sua camisa. — Mas você me leva? Preciso voltar para onde meu carro está. — Claro — ele respondeu derrotado. — Te levo. Ele fez que sim com a cabeça, um aceno mudo. Foi então que ela fechou a distância. Pegou seu rosto entre as mãos e o puxou para um último beijo. Era intenso, concentrado, uma pontuação final selvagem. E então, um pequeno e audaz mordiscão em seu lábio inferior. A picada foi rápida, um misto de dor minúscula e prazer avassalador. Antes que ele pudesse processar, ela se afastou, seus olhos brilhando por um último segundo com a fera noturna antes de se apagarem. Ela virou-se e caminhou para a porta do passageiro. A viagem de volta até o bar foi envolta em um silêncio espesso. Mal ele começou a reduzir a velocidade no estacionamento, ela já pulou para fora, descalça, segurando suas botas, os cabelos negros voando. Ele a viu alcançar um jipe antigo, pular dentro e dar partida com um rugido. O coração de Jackson acelerou. Ele lutou contra o impulso primitivo de persegui-la. A realidade o atingiu: ele nem sabia o nome dela. A fúria impotente explodiu dentro dele. — EI, ESPERE! QUAL SEU NOME? — ele gritou pela janela, sua voz rouca carregando toda a sua frustração. Mas já era tarde. O jipe já desaparecia numa nuvem de poeira dourada. Jackson ficou parado, a poeira assentando lentamente ao redor de sua picape, a manhã silenciosa de domingo uma zombaria cruel da tempestade que havia passado por sua vida e partido, deixando-o apenas com marcas na pele, o gosto de sangue e desejo em seus lábios, e uma pergunta ardente sem resposta. A luz do amanhecer entrou pelo para-brisa da picape como um intruso cruel e implacável. Cada raio de sol lembrava-lhe que o tempo avançava, levando-o inexoravelmente ao altar. O cheiro dela ainda impregnava sua pele, um fantasma doce e terroso que se misturava ao aroma do campo que persistia no veículo. No banco do passageiro, um fio negro quase invisível e uma mancha discreta de terra eram as únicas provas físicas de que a noite passada não fora um sonho febril. Jackson dirigia devagar, os músculos pesando com uma fadiga que ia muito além do físico. Cada movimento lembrava-lhe de cada toque, cada mordida, cada linha de prazer e dor marcada em sua pele. Levou os dedos ao lábio, sentindo o pequeno corte que ela deixara, e um sorriso triste surgiu, seguido por uma pontada de angústia tão intensa que lhe faltou o ar. Onde você esteve a minha vida toda? — o pensamento ecoou como maldição. O caminho até a fazenda Grimwood parecia interminável. A picape, impregnada de terra e suor, era agora uma cápsula de silêncio, um sarcófago que o levava para seu destino final. Cada curva de terra aumentava o nó no estômago, cada estalo do veículo parecia amplificar sua resignação. Quando as elegantes pilastras de pedra da entrada da Grimwood surgiram, seu estômago se contraiu. A propriedade fervilhava de atividade: funcionários, familiares e organizadores cruzavam o gramado carregando vasos de flores e arranjos elaborados, cada passo e gesto parecendo coreografado. Cada risada, cada instrução sobre guirlandas, cada detalhe perfeito e previsível era um insulto à memória do caos sublime da noite anterior — ao cheiro de terra, suor e flor de sabugueiro que ainda grudava em sua pele. Ele estacionou afastado dos outros carros, sentindo o colarinho da camisa roçar os arranhões no pescoço, cada toque lembrando-o da entrega selvagem que houvera, do prazer e da dor que agora eram segredos pulsantes sob um traje imaculado. Cada passo em direção à movimentação organizada era uma traição à própria alma. Ele não era mais apenas um noivo relutante; era um homem dividido entre dois mundos irreconciliáveis: a perfeição ordenada da Grimwood e o paraíso selvagem que carregava consigo, marcado na pele e na memória. Dentro de casa, a movimentação já começara. Sua mãe, vestindo um roupão de seda e com os cabelos presos em rolos, passou por ele no corredor, carregando o paletó impecavelmente engomado de seu fraque. Seu rosto, um misto de preocupação e alívio, iluminou-se ao vê-lo. — Jackson! Graças a Deus. — A voz dela era um sussurro tenso, carregado da pressão do dia. — Onde você esteve? Seu pai foi até o bar ontem à noite e você não estava lá. Todos estavam perguntando. — Seus olhos percorreram rapidamente o rosto cansado, a roupa amassada e suja de terra. A expressão materna, inicialmente aliviada, endureceu num piscar de olhos quando sua visão se fixou no pescoço dele. — Meu Deus do céu, filho. O que é isso? Ela largou o paletó em cima de uma cadeira e se aproximou, os dedos finos tocando levemente as linhas vermelhas e cruas que Serena deixara em sua pele. O toque fez Jackson estremecer, não de dor, mas de vergonha. — Nada, mãe — a mentira saiu automaticamente, fraca e rouca. — Me arranhei na cerca, consertando a cerca nova perto do riacho. O mato estava fechado. A expressão da mãe se fechou. Ela não era tola. Seus olhos, estreitos e desapontados, desceram rapidamente, percebendo que ele mantinha as mangas da camisa puxadas para baixo, tentando esconder os vestígios mais reveladores nos antebraços. — A cerca nova... — ela repetiu, a voz gélida. — É um milagre você não ter caído no riacho e se afogado, então. — Ela fez uma pausa dramática, seu olhar perfurante. — Ou será que as cercas da Fazenda Grimwood também estão precisando de seus... consertos urgentes, na calada da noite? O subtexto era claro e cortante. Ela sabia que aquelas não eram marcas de cerca. Ela sabia que ele estivera com alguém. Ela suspirou profundamente, como se carregasse o peso do mundo nos ombros. — Jackson, hoje não. Hoje não. — A voz dela saiu cansada, quase suplicante. — Você fez uma promessa. Para esta família. Para o seu pai. Para a memória do seu irmão. — Ela pegou o paletó novamente e o empurrou contra o peito dele. — E lembre-se, a família Blackwolf já está a caminho. Você vai conhecer sua noiva daqui a poucas horas. O casamento... será em breve. — Seus olhos indicaram o caminho do banheiro com firmeza. — Agora, vai tomar um banho. Um bom banho. E vista uma camisa de colarinho mais alto. A branca, de linho, do fundo do armário. Ninguém precisa... ver seus acidentes com cercas. Ele assentiu, incapaz de sustentar o olhar dela. O rosto queimava de uma vergonha que não era exatamente arrependimento, mas a exposição crua de seu conflito interior e do profundo desapontamento que via nos olhos da mãe. Ele pegou o paletó e subiu as escadas, sentindo o peso do julgamento silencioso dela em suas costas, mais pesado do que qualquer fraque. Algumas horas depois, tudo já estava pronto. Jackson se viu no espelho, melancólico. Como o universo era cruel... depois de anos de monotonia, dar-lhe uma única noite com uma mulher incrível — uma noite apenas... Será que conseguiria viver com apenas uma noite nas lembranças? O smoking caía perfeitamente sobre sua pele dourada pelo sol de dias de trabalho na fazenda. Os cabelos loiros estavam impecavelmente penteados com gel, refletindo a luz suave da manhã que entrava pela janela. A mãe entrou no quarto silenciosamente, seu olhar carregado de cuidado e cansaço. Aproximou-se de Jackson, que tentava, inutilmente, ajustar a gravata de frente para o espelho. Ela sorriu suavemente. — Deixe-me ajudá-lo com isso, querido — disse Eleanor, mais baixa que o filho, mas firme em seu gesto. Com mãos delicadas, mas seguras, ela ajeitou o nó da gravata, passando os dedos pelo tecido com precisão. — Pronto. Está perfeito — murmurou, conferindo cada detalhe, antes de um toque carinhoso ao ajustar o paletó sobre os ombros dele. — Vamos, então. Entrarei com você — acrescentou, oferecendo-lhe o braço. Jackson apenas assentiu, resignado, como um prisioneiro que aceitara sua sentença, sentindo que cada passo que daria dali a pouco o aproximaria de um destino que não escolhera. A luz suave do final da tarde envolvia o ambiente, transformando o local em um cenário mágico e sereno. O caminho que levava ao altar, feito de madeira polida, estava emoldurado por uma profusão de flores brancas, cujas pétalas delicadas reluziam com a luz dourada do crepúsculo. À medida que os convidados se acomodavam, os bancos de madeira com assentos acolchoados criavam uma linha de visão perfeita para o momento que estava prestes a acontecer. Acima deles, pequenas luzes pendiam de fios discretos, cintilando suavemente como estrelas prestes a cair. O tronco robusto da árvore ancestral, imponente e acolhedor, formava o cenário do altar, envolto por uma coroa de verdes e flores brancas, trazendo harmonia à simplicidade elegante do local. Ao fundo, o rio refletia a luz dourada do céu, criando um ambiente de paz e intimidade, enquanto o vento movia as folhas, sussurrando como se a própria natureza abençoasse o casal. Jackson parou um instante antes de dar o primeiro passo, sentindo o peso da obrigação e a lembrança ardente da noite anterior. Como poderia guardar uma lembrança tão intensa em meio a tanta perfeição? Uma única noite, uma entrega completa... e agora, aqui, diante de todos... O coração batia rápido, misturando saudade, desejo e a melancolia de um homem que sabia que jamais repetiria aquela paixão. Ele respirou fundo e começou a caminhar pelo corredor de madeira, cada passo ecoando levemente sob o som suave da natureza e os sussurros contidos dos convidados. O olhar de Jackson se fixou no altar, onde o padre da igreja da cidade já aguardava, sereno, com as mãos cruzadas sobre o livro sagrado. Enquanto avançava, cada rosto presente parecia dissolver-se em uma névoa tênue, tornando visível apenas o cenário, o peso da promessa e o vazio de seu próprio coração. A respiração dele se tornou medida, quase mecânica, enquanto tentava controlar a tempestade que fervilhava dentro de si. Ele sabia que cada passo que dava o aproximava de um destino que escolhera cumprir, mas não desejar. O rio refletia o céu dourado, as luzes cintilavam, as flores perfumavam o ar. Tudo estava perfeito. Tudo estava pronto. E Jackson, envolto na melancolia e na resignação, caminhava em direção ao altar, carregando consigo a lembrança de uma noite que jamais poderia apagar — e o peso da vida que agora o chamava sob o olhar atento de todos. O pai de Jackson estava ao lado do altar, imponente e sereno, observando cada detalhe com olhos atentos. Ele permaneceu em silêncio, mas sua presença era firme, quase como um lembrete silencioso do peso das tradições familiares que Jackson agora carregava. Então, a música começou. Um sussurro suave que se espalhou pelo gramado, envolvendo os convidados e marcando o início do momento decisivo. O coração de Jackson apertou no peito enquanto todos olhavam para o caminho de madeira que levava ao altar. E ela apareceu. O véu cobrindo a cabeça, caminhando com passos delicados, mas seguros. Ao seu lado, o imponente William Blackwolf acompanhava a filha, cada passo calculado, cada gesto transmitindo autoridade e orgulho. A silhueta dela, elegante e graciosa, parecia iluminar o caminho. Jackson, mesmo tentando se manter firme, sentiu cada batida do coração acelerar. Cada passo dela era um desafio, um lembrete de tudo o que ele havia perdido e tudo o que poderia nunca mais ter. Quando William Blackwolf finalmente entregou a filha a Jackson, não disse as frases tradicionais de advertência ou concessão. Ele apenas fez um aceno breve com a cabeça, carregado de solenidade. Então se virou para a filha e removeu o véu com um gesto simples, quase ritualístico. E naquele instante, Jackson Grimwood não conseguiu controlar a respiração. Sua noiva... era a selvagem e encantadora garota do bar. Serena. O impacto o deixou momentaneamente sem palavras, o coração martelando em seu peito, a mente tentando processar o surreal daquela realidade. Cada detalhe dela — o sorriso, os cabelos negros, o brilho dos olhos — o transportava de volta àquela noite, àquele sabor, àquele caos sublime. William Blackwolf percebeu o deslumbre de Jackson e falou com a voz grave, carregada de autoridade: — Essa é Serena. — Sua voz ecoou pelo espaço, firme e segura. — Muito bela, não é? Minhas lobinhas são todas lindas... mas cuidado, Jackson. Elas são tão belas quanto perigosas. — Ele sorriu, um sorriso levemente diabólico, como se conhecesse segredos que Jackson jamais ousaria imaginar. — Mas não se preocupe, foram ensinadas e treinadas para não machucar humanos. Serena sorriu para ele, um sorriso deslumbrante, dentes brancos e perfeitos, maquiagem impecável, postura de princesa. Ela parecia flutuar, tornando o mundo inteiro secundário diante de sua presença. Jackson sentiu-se no paraíso, uma mistura de êxtase e incredulidade, como se estivesse vivendo um sonho que não poderia durar. Então, com um movimento leve, quase provocativo, ela estendeu a mão e segurou a dele. O toque foi firme, seguro, mas ao mesmo tempo delicado, trazendo-o de volta à realidade. — Que sorte a nossa, não é? — disse ela, sorrindo para ele com um brilho nos olhos que o deixou sem fôlego. Jackson apenas assentiu, incapaz de formar qualquer palavra que não fosse um juramento de rendição absoluta. O mundo inteiro não havia diminuído; ele tinha explodido em milhões de fragmentos e se recomposto num instante, de forma perfeita e impossível, focando inteiramente nela. A mulher do bar. A fera do morro. Sua noiva. Serena. A mão dela estava entrelaçada na sua, e o toque não era mais o de uma estranha, mas a reconexão eletrizante com a mulher que já havia marcado sua pele e sua alma. A cerimônia começava, as palavras do juiz de paz ecoando como um murmuro distante sob o zumbido ensurdecedor em sua mente. Dentro dele, o caos daquela noite selvagem não apenas pulsava mais forte do que a expectativa de futuro; ele era o futuro. Cada arranhão sob seu colarinho alto latejava em uníssono com seu coração, não como lembranças de uma traição, mas como profecias de um destino que ele, cego, não soubera ler. O futuro não era uma incógnita sombria. Era ela. Era aquele sorriso que prometia tanto perigo quanto paraíso, aqueles olhos que haviam brilhado com o fogo de uma fera e agora o fitavam com a intensidade de quem havia conquistado sua presa da maneira mais ardilosa possível. Ele não estava se sacrificando por uma promessa. Ele era o premiado. E o medo que sentira naquela manhã deu lugar a uma euforia tão avassaladora que ele mal conseguia permanecer de pé, ancorado apenas pela mão firme daquela lobinha perigosa e linda que, milagrosamente, era agora sua.






