Mundo ficciónIniciar sesiónCap- A forja dos sobreviventes - Parte 2
Agora, ali, era apenas uma criança de dez anos, obrigada a carregar um peso maior do que ela mesma. O príncipe tinha sido reduzido a nada. E diante das acusações contra seu sangue, só lhe restava engolir a dor. Não podia se revelar, não podia se defender. No vazio, ficaram apenas o sofrimento… e a semente da vingança, crescendo junto com ele. — Mas será que o rei estava mesmo envolvido com o Submundo? — a única pergunta que Darius poderia fazer sem parecer suspeito. — Como você não sabe? Você morava no mesmo reino — retrucou Lior. — Nunca vimos o rei e nem a família real. Não havia peixes, o vento estava fraco, a água parada e a terra enfraquecida. — A voz falhou, sufocada pela emoção— meu irmão era guarda real antes de me resgatar da minha casa, em chamas ele me disse que a culpa era da família real, e que o príncipe era falso e... — Não conseguiu terminar o resto as lagrimas inundaram sua face. — Eu estou meio confuso ainda... é isso — justificou Darius. Mas a verdade era que cada palavra na tenda equilíbrio quebrado, rei traidor, Oryn a secar era um martelo que batia na sua cabeça. As palavras se embolavam na cabeça dele, uma martelada constante que fazia sua visão pulsar. O ar ficou pesado, quente, e ele sentiu a própria garganta se fechar. Ele não aguentava mais ouvir. Precisava de ar. Precisava sair dali antes que explodisse. Sem pensar, colocou-se de pé e correu para fora da tenda, para longe das vozes e das acusações. Ele não parou de correr até que o ar salgado do mar encheu os seus pulmões. Parou na borda de uma falésia, o vento chicoteando os seus cabelos e secando as lágrimas teimosas no seu rosto. À sua frente, o Reino de Vórtex estendia-se, vibrante e cheio de vida. O ar parecia pulsar com Oryn, e a grama verde dançava sob um vento que parecia cantar. Ao longe, erguendo-se sobre a costa, o enorme palácio real brilhava, as suas torres de pedra branca a refletirem a luz do sol como um farol de poder. Era um contraste cruel com as águas paradas e o silêncio de morte da sua Nerevia. Cada cachoeira cristalina, cada ponte de pedra, era como uma faca remexendo na ferida do que ele tinha perdido. Eles destruíram o meu lar para proteger isto? Pensou, a raiva se misturava com uma dor profunda. — Moleque, se você ficar aí a olhar para o abismo, vai acabar por cair lá para dentro — chamou uma voz rouca e marcante. — “Porque quando você olha muito para o abismo, o abismo olha de volta para você”. E agora, é hora de comer. A voz assustou-o. Virou-se e viu um homem com um tapa-olho e uma cicatriz que lhe rasgava o rosto. Tinha o ar de um pirata saído de um dos seus livros de histórias. — Você tem a maior cara de tacho, moleque — disse o homem, com um sorriso provocador que Darius não esperava. Pela primeira vez em horas, Darius sentiu algo diferente de dor. Uma risada seca e curta escapou-lhe. Olhou para trás para responder, mas o homem já não estava lá, como se o próprio vento o tivesse levado. No meio das tendas, havia uma grande onde cozinheiros serviam refeições simples, mas nutritivas. Darius se sentou afastado, absorvendo cada sabor, um conforto inesperado. Logo, a lembrança da irmãzinha voltou — ela adorava comer — e uma lágrima escapou de seus lábios. Seguiu o conselho de César e assumiu a identidade de Darius Kaelen. Passava os dias contemplando o mar na falésia, com o vento bagunçando os cabelos, pensando no que havia perdido e no dia em que se vingaria. Ainda era fraco, mas treinava pacientemente, esperando pelos pronunciamentos dos reinos. Certo dia, soldados de Vórtex anunciaram: — Haverá uma reunião. Explicaremos onde vocês estão e decidir o futuro de cada um. Preparem-se. Numa manhã nublada, a hora havia chegado. O salão da academia de Vórtex encheu-se de murmúrios nervosos. Pequenos magos de 5 a 12 anos, ainda marcados pela guerra, sentavam-se em círculo, ansiosos e assustados. O Mestre Zambo, um dos Dez Grão-Mestres, caminhava lentamente, e cada passo seu parecia ecoar pelo salão, como se o próprio ar reconhecesse sua autoridade. Os sussurros cessaram, e até as paredes pareciam esperar suas palavras. — Hoje, vocês vão aprender definitivamente o que é o Oryn. — Sua voz grave, porém calma, encheu o espaço. — Todo ser vivo nasce com o Oryn, a essência vital que flui dentro de vocês e conecta corpo, mente e elementos da natureza. As crianças permaneceram tensas em seus lugares, o corpo rígido, não por curiosidade, mas porque não tinham escolha. — O Oryn é duplo. Possui Yin e Yang. O Yin representa estabilidade, defesa, receptividade; o Yang, movimento, intensidade, ataque. Normalmente, cada pessoa tende mais a um lado. Mas quem alcança equilíbrio entre Yin e Yang atinge o Estado Harmônico, capaz de controlar seu Oryn interno e o absorver também ao redor do mundo. Zambo ergueu a mão, e os elementos dançaram com facilidade na palma dele: uma chama se formou, transformou-se em água, endureceu em pedra e se dispersou como vento. Para ele, aquilo era simples. — Cada reino desenvolveu métodos diferentes para canalizar o Oryn, conforme suas tradições e ambiente natural: 🌊 Nerevia domina a água: fluidez, cura, adaptação. 🪨 Stoneval domina a terra: força, resistência, fertilidade. 🌬 Vórtex domina o vento: velocidade, mudança, liberdade. 🔥 Ignel domina o fogo: paixão, energia, destruição. — As lições que vocês tiveram no passado não importam mais — a sua voz grave cortou o ar. — O mundo mudou. O que eu quero saber é o que restou dentro de vocês. Mostrem-me o seu Oryn. Agora. O desafio pairou no ar, frio e absoluto. As crianças entreolharam-se, mas a autoridade dele era inquestionável. Marsalla fechou os olhos; pequenas gotas de água ergueram-se trémulas do chão e caíram. Lior criou uma névoa fina que logo se dissipou. Leonar, com um grunhido, abriu uma pequena fissura no piso de pedra. E Darius. Ele não sentia nada. Tentou puxar a calma do Yin, mas só encontrou um vazio frio. Tentou chamar a força do Yang, mas só encontrou a brasa da sua raiva. O seu peito disparou, o suor a escorrer pela testa. Enquanto os outros conseguiam o mínimo, ele permanecia impotente. Como posso sequer pensar em vingança se sou tão inútil? — E você, rapaz? — a voz de Zambo fixou-se nele. — De onde você vem? — De... Nerevia. O reino caído — a voz dele tremeu. Zambo franziu o cenho. — Então a sua afinidade é com a água. Acalme a sua raiva, consigo senti-la ela é bem intensa. O ódio bloqueia o fluxo. Encontre o seu centro e tente de novo. Darius fechou os olhos. A dor ainda estava lá: a perda, a raiva, a solidão. Mas por um instante, lembrou-se do vento na falésia, o único momento em que se sentiu livre. Ele respirou fundo. Uma rajada de vento cortou o salão. Não foi uma brisa. Foi um pulso de poder bruto, forte o suficiente para fazer o cabelo de todos se avoaçarem e apagar metade das tochas nas paredes. As crianças encolheram-se, assustadas. Zambo não se moveu, mas franziu o cenho. Vento? Mas ele é de Nerevia. E que poder é este... vindo de um simples plebeu? — Interessante, o que você fez é raro, Darius. A sua maior fraqueza pode ser a sua maior arma. Talvez você seja um Nexus. Cuide desse poder. .....






