Sophia narrando
Cheguei em casa exausta. O ônibus estava lotado, como sempre no fim da tarde, e parecia que todo mundo respirava o mesmo ar pesado, abafado, misturado com cheiro de suor e pressa. Eu me segurei como pude, espremida entre pessoas que também voltavam do trabalho ou de algum compromisso, tentando encontrar um canto para respirar. O corpo doía, os pés reclamavam dentro dos sapatos já gastos, e tudo o que eu queria era chegar em casa, fechar a porta e finalmente sentir que o dia tinha acabado.
Quando o ponto final apareceu, senti quase um alívio. Desci devagar, ajeitando a bolsa no ombro, e caminhei até minha rua. Cada passo parecia mais pesado que o outro, mas também mais próximo daquilo que eu chamava de paz. A minha casa era simples, mas era o meu refúgio. O lugar onde eu podia ser apenas eu, sem máscaras, sem ninguém me julgando ou me cobrando.
Abri a porta devagar, larguei a bolsa no sofá e tirei os sapatos, sentindo o chão frio sob os pés. Respirei fundo, como se o ar da minha própria sala tivesse um peso diferente, mais leve. A primeira coisa que pensei foi no banho. Precisava tirar de mim não só o cansaço do dia, mas também aquela sensação de poeira grudada no corpo, como se cada olhar que recebi no ônibus ainda estivesse colado na pele.
Fui direto para o banheiro. O barulho da água enchendo o box trouxe uma sensação quase imediata de conforto. O vapor subiu rápido, formando uma névoa suave que envolveu o espelho e começou a me abraçar. Entrei debaixo da água morna e deixei que escorresse pelo meu rosto, pelos ombros, levando embora o peso acumulado. Por alguns minutos, fechei os olhos e simplesmente fiquei ali, sem pressa, ouvindo apenas o som constante da água.
Mas, mesmo no silêncio do banho, minha mente insistia em voltar para a entrevista. As perguntas do Sr. Moretto ainda ecoavam como se ele estivesse na minha frente novamente. Seu olhar sério, firme, sem revelar nada além de profissionalismo, parecia atravessar qualquer defesa que eu tentasse erguer. Não era como os outros entrevistadores que, com um simples levantar de sobrancelha, me faziam sentir pequena, insuficiente. Ele me olhou como se estivesse pesando cada palavra que eu dizia, medindo se eu realmente era capaz.
E eu me senti desafiada. Pela primeira vez, não quis apenas convencer alguém para conseguir um emprego. Quis convencer a mim mesma de que eu era capaz de estar ali, naquele lugar que parecia tão distante da minha realidade. Será que tinha conseguido? Será que aquele homem de expressão impenetrável tinha enxergado em mim mais do que apenas uma mulher simples, tentando uma chance em uma empresa gigante?
Balancei a cabeça, como quem tenta espantar um pensamento teimoso. Não podia criar expectativas. Esperar demais sempre doía depois. Melhor me preparar para o silêncio, para a rejeição, para mais uma porta fechada.
Saí do banho e vesti uma roupa confortável, uma daquelas que já estavam gastas de tanto uso, mas que traziam um aconchego imediato. Fui até a cozinha e decidi fazer uma sopinha simples o cheiro tomou conta do ambiente. Piquei cenoura, batata, botei arroz e um pouco de frango desfiado. Nada sofisticado, mas ficou gostoso.
Servi um prato e me sentei à mesa. O silêncio era quase absoluto, quebrado apenas pelo barulho do relógio na parede e pelos ruídos da rua lá fora. Comi devagar, tentando me concentrar no sabor da comida e afastar a ansiedade que me corroía por dentro.
Quando terminei, lavei a louça, sequei, guardei no armário e, sem pensar muito, passei um pano rápido no chão da cozinha. Era quase um reflexo: deixar a casa em ordem me fazia sentir que, apesar de tudo, eu ainda tinha algum controle.
Enfim, me joguei no sofá. O corpo afundou nas almofadas Liguei a TV só para ouvir algum som além do silêncio, mas minha atenção não se fixou em nada. Os pensamentos voltavam sempre para o mesmo lugar: a entrevista, as chances, as incertezas.
Foi então que o telefone tocou.
Meu coração disparou no mesmo instante. Quase nunca recebia ligações. Corri até o aparelho, com as mãos suadas, e atendi.
Sophia: Alô?
Secretaria: Boa tarde, é da Moretto Corp. Falo com a senhorita Sophia Torres?
A voz feminina do outro lado parecia tão firme que fez minhas pernas tremerem. Segurei o fôlego.
Sophia: Sim, sou eu.
Secretaria: Estou ligando para informá-la que foi selecionada para a vaga de assistente administrativa. Seu primeiro dia será na segunda-feira, às oito da manhã. Parabéns.
Por alguns segundos, o mundo ficou em silêncio. Meu peito se apertou, os olhos se encheram de lágrimas, e só então consegui falar, com a voz trêmula:
Sophia: Muito obrigada… muito obrigada mesmo. Não vão se arrepender.
A moça passou algumas instruções rápidas, eu anotei em um papel que quase escorregava da minha mão trêmula, agradeci de novo e desliguei.
Fiquei parada no meio da sala, olhando para o nada. E então a alegria explodiu de dentro de mim.
Sophia: CONSEGUI! - gritei, rindo sozinha, como se minha voz pudesse encher a casa inteira de esperança.
Corri para o celular. A primeira pessoa que precisava saber era minha tia, ela torce por mim, e estava em uma viagem com os patrões dela.
Sophia: Alô, tia? - falei assim que ela atendeu.
Sophia: Consegui o emprego!
Do outro lado, ouvi um suspiro emocionado.
Samira: Eu sabia, Sophia! Eu sabia que você ia conseguir! Estou tão orgulhosa de você, minha menina!
As lágrimas escorreram de novo, ouvindo as palavras que eu sempre precisei ouvir. Palavras que me abraçaram mais do que qualquer gesto poderia. Conversamos alguns minutos, até ela dizer que amanhã chegaria para comemorar comigo.
Quando desliguei, Olhei ao redor da minha casa simples, mas limpa e organizada, e sussurrei baixinho, quase como uma promessa:
Sophia: Esse é só o começo.
E pela primeira vez em muito tempo, adormeci naquela noite com o coração leve, acreditando que talvez, só talvez, a vida começasse a sorrir para mim.