O sol da manhã parecia pessoalmente ofendido com a minha existência. Cada raio de luz invadia minha retina como se dissesse: “Você fez escolhas, agora lide com elas.” E eu, de ressaca, mal dormida e emocionalmente desidratada, só conseguia pensar: “Café. Preciso de café. E de um buraco no tempo para me esconder por uns três dias.”
Mas não. Em vez disso, vesti meu blazer mais competente e meu batom mais disfarçador-de-cara-de-cansaço. Tentei parecer alguém que definitivamente não passou a noite com um estranho cujo nome eu ainda não sabia — e que, por algum pacto de silêncio não verbal, nunca mais veria na vida.
Spoiler: o universo discorda.
Atravessei a recepção da empresa com passos que tentavam soar confiantes, mesmo que minha cabeça latejasse em sincronia com meus batimentos cardíacos. Alguns olhares curiosos me seguiram pelos corredores. Talvez por ser nova. Talvez porque minha cara entregava que minha alma tinha saído do corpo e voltado com um atraso considerável.
Fui recebida por uma analista de RH chamada Beatriz — sorriso forçado, blazer bege, cabelo impecável. Ela me passou um crachá temporário e um roteiro impresso da integração, como se aquilo fosse me ajudar a fingir normalidade.
— Bem-vinda, Stella! Esperamos que se sinta parte da equipe desde o primeiro dia! — disse ela, num entusiasmo que parecia movido a cinco expressos e zero alma.
— Ah, com certeza. Estou animadíssima. — respondi, enquanto lutava contra o impulso de encostar a testa na parede mais próxima.
A manhã passou arrastada, entre apresentações formais, senhas de sistemas e uma palestra sobre cultura empresarial que soava mais como lavagem cerebral do bem. Tentei manter o foco e não vomitar. Em alguns momentos, quase consegui.
Por volta das quatro da tarde, quando eu já contava os minutos para sair correndo e enterrar minha dignidade num travesseiro, um novo e-mail apareceu na minha caixa de entrada.
Assunto: Reunião com o CEO – Sala 301.
Pausa dramática.
Revisitei cada célula do meu corpo, tentando lembrar se isso era algo normal para estagiários no primeiro dia. Spoiler número dois: não era.
Com as mãos levemente trêmulas — culpa do café ou do nervoso, ainda não sei —, caminhei até a tal sala 301. A porta se abriu suave demais, quase teatral, revelando um ambiente minimalista, com tons neutros e móveis caros. E então, lá estava ele.
Ele.
O homem da noite anterior. A boca que eu ainda conseguia sentir. O olhar que desarmava minhas sinapses. O completo estranho com quem eu decidi ter o pior timing da história.
Ele me olhou por cima da tela do notebook e ergueu uma sobrancelha — a mesma que ontem tinha levantado segundos antes de me beijar no elevador.
— Srta. Stella, por favor, entre. — disse ele, com uma voz controladamente neutra, mas carregada daquilo que só eu sabia que existia.
Congelada por um microssegundo, entrei. A ressaca pareceu recuar um centímetro, só pra abrir espaço ao pânico.
Ele estendeu um envelope em minha direção como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— Aqui estão suas atribuições e diretrizes para sua posição. Seja bem-vinda à equipe.
Peguei o envelope com dedos quase inúteis. Minha mente alternava entre “ele é o CEO?” e “isso está realmente acontecendo?”
— Obrigada, Sr. Cavalli. — respondi, com uma formalidade que não sabia mais usar, enquanto meu cérebro gritava “ELE. É. O. CEO.”
Ele assentiu, impassível, mas havia uma fagulha nos olhos dele. Não era provocação. Era algo mais perigoso: conhecimento compartilhado.
— Tive a oportunidade de revisar seu trabalho e sua abordagem... na noite passada. — disse ele, como quem j**a uma bomba com voz de veludo.
Minha espinha gelou. Uma parte de mim queria que a terra abrisse. A outra... bem, a outra queria entender por que aquilo me deixava mais viva do que qualquer plano de carreira.
— Eu... eu não sabia que o senhor... — comecei, mas ele ergueu a mão, interrompendo suavemente.
— Aqui usamos nomes próprios. Sou Leon. — disse ele, com um meio sorriso que, ontem à noite, teria me custado o juízo (spoiler três: custou).
— Entendido, Leon. — murmurei, sem saber se ria, desmaiava ou pedia demissão.
Ele inclinou a cabeça com aprovação.
— Vi potencial em você. Não só na ousadia de ontem, mas na forma como você se apresenta. Estamos buscando inovação e coragem. E você... parece ter os dois.
A mistura de alívio e confusão me atingiu como uma taça de vinho às três da tarde. Eu esperava julgamento, demissão sumária ou, no mínimo, uma bronca. Mas ele estava... admirado?
— Obrigada. Estou... disposta a contribuir com tudo que puder. — respondi, com mais sinceridade do que pretendia.
Jun-ho sorriu, um pouco mais agora. Mas ainda assim, o tipo de sorriso que guarda segredos.
— Ótimo. As expectativas são altas. Mas tenho certeza de que você estará à altura. E quanto à noite passada... Às vezes, as melhores conexões começam com uma pequena dose de caos.
Aquilo. Aquilo foi o golpe final. O tom de voz dele, a escolha das palavras, a memória do beijo — tudo comprimido numa frase que soava como um convite disfarçado de conselho.
Assenti, mesmo sem saber exatamente para o quê.
Quando saí da sala 301, o mundo parecia ter mudado de tom. Não era mais só o primeiro dia de um estágio. Era o começo de algo absurdamente imprevisível.
E eu, por mais que tentasse negar... estava louca para ver até onde isso ia dar.