Capítulo 4

Foi uma madrugada agoniante, daquelas em que o travesseiro vira juiz e os lençóis, testemunhas do crime.

Minha mente, uma tela em branco para cenários com Leon — e em nenhum deles eu saía ilesa. Algumas versões envolviam t***s, outras gritos, e a maioria... toques. Inferno. Quando finalmente consegui pregar os olhos, o despertador tocou como se risse da minha cara. E lá vamos nós — me levantei pronta pra ser derrotada com um mínimo de dignidade.

Arrastei meu corpo até o banheiro como quem caminha para o paredão. O espelho, esse filho da puta imparcial, devolveu meu reflexo com olheiras de guerra e a expressão emocionalmente em coma.

— Vamos montar a armadura, minha filha — murmurei, virando o rosto para escolher a maquiagem do dia.

O look do dia foi uma armadura social: saia midi preta, blusa vinho de seda com decote suficiente pra dizer "sou sexy", mas não tanto a ponto de dizer "sou sua". Cabelos presos em um coque que dizia eficiência e controle — a mentira perfeita. A maquiagem, claro, impecável. Rímel para disfarçar a noite em claro. Batom escuro pra lembrar quem manda.

“O que não me mata me deixa gostosa.”

— Nietzsche, versão Stella.

No caminho pro trabalho, repassei mentalmente o encontro da outra noite como se fosse um roteiro falho de série B. Tudo ali me incomodava: o beijo, o toque, o arrepio que ele me arrancou. A forma como ele me olhou como se me conhecesse — como se tivesse me estudado.

Não era só uma noite. Era manipulação. E eu odeio perder. Principalmente quando o prêmio sou eu.

Cheguei na agência com a pontualidade de quem não tem nem o luxo de atrasar e fui recebida por uma calmaria que beirava o sarcasmo do destino. Louis acenou de longe, jogou um energético na minha direção como se fosse bênção. Tudo parecia normal. Normal demais.

E o dia no escritório foi, sem dúvidas, o mais tranquilo até agora, mesmo sendo apenas meu segundo dia aqui. Eu quase consegui respirar entre uma tarefa e outra, até achei graça de um meme idiota que mandaram no grupo da criação.

Mas como felicidade de pobre dura pouco, faltando uma hora para encerrar o expediente, sobe uma notificação de e-mail.

Assunto: Reunião Criativa – Sala do CEO

Participantes: Stella.

Ótimo. Comemorei cedo demais.

Pra completar, a reunião era somente comigo. E eu nem era diretora de criação. Nem braço direito. Nem estagiária estratégica.

Desativei o e-mail com o mesmo desdém com que encaro homem que acha que “sou diferente dos outros” é elogio. Me levantei com calma, como quem anda no corredor da morte com batom matte. Caminhei pelos corredores até o elevador, ciente dos olhares — e não era paranoia. Leon era o centro das fofocas da agência, e eu? Eu era a pimentinha nova que chegou derrubando um vaso, uma moral e, aparentemente, a calcinha.

Na frente da porta do CEO, respirei fundo. Toquei duas vezes.

— Pode entrar.

A voz dele, claro. A porcaria da voz dele.

Abri a porta, pronta para o embate. Ele estava em pé, de costas, observando a cidade pela janela. Camisa branca justa nas costas largas, mangas dobradas, cabelo impecável como sempre. Filho da mãe.

— Stella — ele disse, virando-se devagar, os olhos escuros indo direto aos meus como se buscassem rachaduras.

— Senhor CEO — respondi, seca. Um meio sorriso cínico no canto da boca. Se ele ia jogar, eu ia dançar.

— Obrigado por vir.

— Como se fosse uma opção.

Ele não respondeu. Apenas me ofereceu uma cadeira com um gesto suave. Sentei com uma postura impecável, pernas cruzadas com precisão cirúrgica. Ele sentou à minha frente, mas perto demais para o conforto e longe demais pra parecer que queria distância. Exato. O teatro começou.

— Queria conversar sobre seu desempenho — disse, com aquele tom morno de quem está prestes a mexer o tabuleiro.

— Vai usar a mesma abordagem da outra noite ou dessa vez vai manter a calça no lugar?

O silêncio entre nós foi um segundo longo demais. Ele não sorriu, mas os olhos sim.

Droga.

— Você é afiada. Sempre foi — respondeu.

— Só não esperava que a lâmina fosse virar contra mim.

— Que pena — retruquei. — Achei que você gostasse de se cortar.

Ele se inclinou um pouco mais na mesa. O ar pareceu mais denso. O clima entre nós era uma corda tensionada demais — prestes a arrebentar ou dar um nó.

— E o que você quer, Stella?

Me inclinei também. Olhos nos olhos.

— Que você se arrependa. E que seja lento.

A resposta pairou no ar por um segundo longo demais. E então... a corda arrebentou.

Não houve mais palavras. Só o som abafado da cadeira sendo empurrada para trás e meus passos contornando a mesa. Ele continuou sentado, olhando para mim como se quisesse dissecar cada camada do que eu era — ou do que restou de mim.

Minha mão foi a primeira a tocar sua gravata, puxando-a devagar, como quem desafia uma fera adormecida. Leon não reagiu. Só quando me inclinei ainda mais, meu rosto a centímetros do dele, foi que ele ergueu os olhos. E então veio o estalo. A faísca que já queimava silenciosa desde o dia anterior, agora incendiava tudo.

Ele se levantou com um só movimento e, antes que eu pudesse pensar em fugir da minha própria decisão, sua mão agarrou minha cintura e me puxou para si. Nossos corpos colidiram com força contida — o tipo de impulso que vem de dias de controle. Minha respiração bateu no rosto dele quando o encarei de perto. O cheiro do perfume amadeirado misturado com café e alguma coisa que era só dele. E então, nos beijamos.

Não era bonito. Não era gentil. Era urgente. Um choque de raiva e desejo que se entendiam melhor do que qualquer conversa que já tivemos. Ele me ergueu para sentar na borda da mesa, papéis deslizando ao chão como se soubessem que não eram prioridade. Suas mãos pressionavam meus quadris e a minha percorria sua nuca com dedos ansiosos. Não sabíamos mais onde começava o ódio e terminava o querer.

E por alguns minutos, foi só isso. A trégua silenciosa entre dois adultos exaustos de fingir que não se desejavam.

Ao fechar a porta da sala do CEO atrás de mim, percebi que o ar ainda estava impregnado com o cheiro do que acabara de acontecer — não só o perfume dele ou o meu, mas algo mais denso. Intangível. Quente. Um cheiro misturado de desejo, café, tensão e uma espécie de pecado elegante.

Olhei por cima do ombro, num gesto automático, e lá estavam: minha meia-calça largada perto da cadeira, a gravata dele caída como uma serpente domesticada no tapete, um botão solto da minha blusa brilhando solitário no chão de madeira escura. Havia também marcas leves na mesa — dedos, talvez. Ou urgência.

Tudo ali gritava que algo proibido tinha acontecido. E eu odiava o quanto aquilo me excitava.

Talvez fosse o silêncio da sala depois do caos. Ou o fato de que, mesmo vestida de novo, eu ainda sentia as mãos dele na minha pele, o gosto dele nos meus lábios, e a voz — aquela maldita voz grave e provocadora — ainda ecoando no meu ouvido como uma promessa torta.

A verdade é que a sala do CEO, tão impecável e intimidadora pela manhã, agora parecia um segredo compartilhado. Uma confissão sussurrada entre móveis de luxo. E aquilo me incomodava mais do que eu gostaria de admitir.

Passei os dedos pelos cabelos, tentando desmanchar os nós visíveis e os invisíveis também. Um suspiro escapou antes que eu pudesse conter. Que merda eu estava fazendo?

Mas, mesmo com o arrependimento tentando crescer em mim, havia outra coisa pulsando mais alto: o fato de que, por alguns minutos, eu tinha o controle. Ele cedeu. Ele me quis tanto quanto eu o queria. E isso... isso era perigoso.

Fechei a bolsa com um estalo. Recolhi os destroços — menos um botão, que deixei ali de propósito. Um lembrete. Ou um aviso.

Então, com um último olhar para o campo de batalha recém-silenciado, deixei a sala do CEO. O corredor estava vazio, o prédio em silêncio absoluto. A cidade seguia viva do lado de fora, mas ali dentro... tudo parecia suspenso no tempo. Como se o universo tivesse prendido a respiração.

E eu também.

Porque o problema de acender uma faísca com alguém como Leon... é saber que ela nunca se apaga sozinha. Ela vira incêndio. E eu? Eu estava me aproximando da borda com gasolina nas mãos.

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