Quando finalmente pisei em casa, a sensação de alívio foi quase tangível. O apartamento tinha o cheiro reconfortante de café fresco e o leve toque de incenso que Aya adorava acender ao fim do dia. Apesar de ter sido um dia marcado por momentos de pura insanidade, a casa tinha uma calmaria que me fazia sentir que, talvez, as coisas ainda podiam dar certo. Ou pelo menos eu podia tentar me enganar por mais alguns minutos.
Coloquei minha bolsa no sofá e me arrastei até a cozinha, sem forças para qualquer tipo de esforço adicional. Aya estava sentada à mesa, com os fones de ouvido e o olhar concentrado no computador. Ela nem percebeu minha entrada, o que era normal — ela estava sempre perdida no mundo dela, seja assistindo a algum documentário de moda ou tentando entender como o algoritmo de alguma rede social funcionava. Foi só quando a brisa do ar condicionado me atingiu com força, trazendo a sensação de uma tarde abafada de verão, que ela levantou os olhos para mim. Os fones caíram do pescoço e a expressão dela foi imediatamente de surpresa, quase como se me visse pela primeira vez naquele dia. — Como foi o primeiro dia, Stella? — Ela perguntou, seu tom casual tentando disfarçar a curiosidade, mas a forma como ela me observava, como se estivesse esperando uma grande revelação, deixou claro que ela já tinha um palpite de que algo acontecera. Respirei fundo e fui até a geladeira. Precisava de mais algo gelado, talvez até mais café, mas não tinha forças para lutar com os próprios sentimentos. Olhei para ela, tentando encontrar as palavras. — Aya, você não vai acreditar. — minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, como se o simples ato de verbalizar aquilo fosse deixar o caos da minha vida ainda mais real. Ela deu um sorriso, já sabendo que algo grande estava por vir, mas não imaginava o quê. Se ela soubesse a história que eu estava prestes a contar, talvez tivesse evitado o café e optado por um whisky. Sentei-me na cadeira ao lado dela, sem sequer pensar em me trocar ou fazer qualquer coisa que sugerisse que a realidade estava sendo encarada de forma adulta. Eu ainda estava desconectada. — Eu... encontrei o CEO. — Eu disse, tentando parecer que tinha controle sobre a situação, mas no fundo, estava completamente perdida. Aya franziu a testa. — Como assim? Eu forcei uma risada, mas não consegui esconder a frustração que ainda estava martelando na minha cabeça. — O homem da noite passada. — falei com um tom mais grave do que imaginava. A reação dela foi imediata. Aya parou tudo o que estava fazendo, jogou os fones de lado e me encarou com os olhos arregalados, como se eu tivesse acabado de contar a ela que tinha sido abduzida por alienígenas. — Não... não é possível! Você está me dizendo que o cara com quem você... você sabe o que, é o CEO da empresa? — Ela colocou a mão no peito, como se precisasse de um momento para respirar. Eu não sabia nem o que dizer, então só balancei a cabeça. — Sim. Ele é... Leon. O CEO da empresa. O homem com quem passei a noite e que, aparentemente, também tem o poder de transformar meu primeiro dia de trabalho em um completo desastre. Aya se levantou de um salto e começou a andar pelo apartamento. Eu podia ver as peças se encaixando na mente dela, como se tivesse uma visão mais clara da situação do que eu. — Mas espera, você está me dizendo que você passou a noite com o CEO da empresa e não sabia quem ele era? Você não perguntou? Não reconheceu? Ele não é famoso? Eu passei a mão pelos cabelos e me joguei no sofá, sentindo o peso da confusão me consumir. — Não, Aya. Não sei o que aconteceu, mas eu... não perguntei. Na verdade, acho que nem me dei ao trabalho de perguntar. Eu estava meio que… distraída, sabe? — Dei uma risada nervosa. — E o pior: agora ele está agindo como se estivesse... impressionado comigo. Dizendo que gostou do meu trabalho e que viu potencial em mim. Aya parou na minha frente e ficou me observando, como se estivesse tentando entender se aquilo tudo era uma grande piada. — Você está dizendo que ele… gostou de você? Não, não pode ser. — Ela parecia processar isso em voz alta. — Espera, então o que ele te disse exatamente? Parei por um momento, tentando lembrar. As palavras de Leon ecoaram na minha mente, ainda tão vívidas, quase inacreditáveis. — Ele disse que me viu como alguém com coragem e inovação. Que meu comportamento, mesmo… inesperado, mostrou que eu poderia trazer algo novo para a empresa. Como se ele tivesse gostado da... imprevisibilidade. — Falei, ainda incrédula. Aya olhou para mim, completamente desorientada. — Isso... é uma maluquice. Mas, ao mesmo tempo... eu não posso dizer que não faz sentido. Você sempre foi de agir sem pensar nas consequências, Stella. Acho que, no fim, isso pode ser um bom sinal. Quem sabe você não acaba se saindo melhor do que esperava? Eu a encarei, sentindo a mistura de pânico e euforia se instalando no meu peito. No fundo, eu sabia que aquele não era o melhor jeito de começar minha carreira. Mas, por alguma razão, a estranheza da situação me empolgava. A ideia de que tudo isso poderia, de algum modo, me levar a algo maior. — Acho que é um bom sinal. — murmurei, mais para mim mesma do que para ela. Aya riu, sentando-se ao meu lado. — Você vai dar conta, amiga. Você sempre dá. Mas antes de tomar qualquer decisão, vai precisar de mais do que café. Vai precisar de uma boa noite de sono. Eu ri, mas minha mente estava longe, ainda processando a ideia de que Leon, o CEO, o homem com quem eu quase perdi a sanidade na noite anterior, poderia ser a chave para uma nova oportunidade. O que poderia ser o começo de algo maior, ou um completo desastre? Acho que só o tempo diria.