Na audiência

Danielle

Cheguei ao local onde aconteceria a audiência de conciliação com antecedência de meia hora, mas não encontrei a Talita em lugar algum, como havíamos combinado na noite anterior.

Ela havia me mandado algumas mensagens, pedindo algumas orientações sobre como deveria vestir-se para a ocasião, como se portar e até mesmo o que dizer. Eu disse que ela deveria falar apenas a verdade e que nada além disso se fazia necessário, pois era suficiente dizer tudo o que realmente aconteceu.

Eu conferi o horário novamente e quando já haviam se passado mais de quinze minutos, resolvi ligar para a minha amiga, pois jamais havia me atrasado para uma audiência e não gostaria nenhum pouco, caso aquilo acontecesse hoje e ainda mais em se tratando de uma pessoa das minhas relações pessoais.

Quando insisti novamente e ainda assim  a Talita não me atendeu, mesmo após várias tentativas, eu fiquei realmente muito contrariada e a minha amiga precisaria ter uma boa desculpa para o seu comportamento.

— Algum problema, doutora Rocha? — Uma voz carregada de malícia perguntou.

Olhei com visível desagrado para a pessoa que havia feito a pergunta, ao constatar que se tratava do advogado da outra parte interessada, mas acabei por sorrir de maneira educada, fingindo uma simpatia que eu não tinha para oferecer.

Mesmo que Eduardo Dornelles fosse do mesmo meio profissional que eu, ainda assim era alguém que eu não conhecia verdadeiramente, portanto, não poderia afirmar nada sobre a sua integridade moral e preferi manter uma atitude neutra.

— Nenhum problema por aqui, Dornelles. 

Eduardo Dornelles sorriu em resposta as minhas palavras e acrescentou, agora parecendo menos idiota, apesar da pergunta:

— Vejo que a sua cliente ainda não chegou. — Comentou, mas seu tom não transparecia crítica. — Acredita que ela virá?

— Digo com certeza que ela virá sim. — Afirmei com segurança. 

Olhei em torno da sala de espera para as audiências da vara de família e, constatei que Miguel Pontes também não estava no local.

— O seu cliente também não está aqui. — Usei o mesmo tom tranquilo do outro advogado, para apontar sobre o fato.

— Está enganada, Danielle Rocha. — A voz grossa e, para meu desprazer, roucamente modulada, falou ao se aproximar de nós, vindo por trás de onde eu estava. — É preciso salientar que eu não estou atrasado. 

Apesar da vontade de virar as costas para acompanhar a sua aproximação, eu me mantive firme e aguardei que ele fiDanie a minha frente, e quando ele assim o fez, eu o encarei com imparcialidade, apesar da vontade de admirar, de maneira mais demorada, a sua figura elegantemente vestida.

Miguel estava usando um terno de três peças que era claramente de alta costura, na cor azul-marinho, que eu diria modestamente que tinha um caimento perfeito em seu corpo. Ele usava também uma camisa de um azul mais claro por dentro do colete e toda essa beleza estava acompanhada por uma gravata cor de vinho e sapatos de um marrom bem escuro.

Para evitar admirar abertamente toda a beleza masculina do homem que era o protótipo de tudo aquilo que eu abominava no sexo masculino, olhei para a minha saia-lápis preta, bem menos atrativa, porém bastante confiável, bem diferente de Miguel Pontes e passei a mão na peça de roupa, não em Miguel, fingindo retirar uma sujeira inexistente e aproveitando para me recompor da visão magnifica.

— De fato, ainda faltam cinco minutos para as nove horas. — Ele concluiu, ao se postar ao lado do seu advogado, que conforme Talita me contou, também era seu melhor amigo.

— Acredito que seremos chamados no horário previsto, visto que a audiência anterior não começou com atrasos.

— E como o senhor pode afirmar isso, se acaba de chegar, senhor Dornelles ? — Eu perguntei em tom ácido, irritada apenas por estar na presença do cafajeste do ex-marido da minha cliente.

— Na verdade, nós chegamos há quase uma hora, mas tínhamos ido tomar um café, na lanchonete aqui ao lado. — O Pontes explicou, parecendo sentir prazer em passar isso na minha cara.

Ou seja, apenas a Talita parecia não se importar em chegar em cima da hora, ou até mesmo não chegar, e aquilo não me agradou de forma alguma. 

Peguei novamente o aparelho celular que havia jogado de qualquer jeito dentro da minha bolsa de mão e decidi insistir mais uma vez na ligação para a minha “cliente”.

— Peço licença aos senhores, mas preciso fazer uma ligação. - Falei para os dois homens, já fazendo menção de me virar para sair.

— Se a ligação for para a sua cliente, não precisa mais. — O desagradável Miguel Pontes falou. — A Talita está vindo.

Olhei na direção para a qual ele apontou e suspirei de alívio. 

Eu ficaria bastante decepcionada com a Talita se ela faltasse aquela audiência de conciliação e aquilo poderia até mesmo atrapalhar o processo. 

Antes mesmo que a Talita chegasse até nós, uma mulher abriu a porta da sala de conciliação e anunciou os nomes da minha cliente e de seu ex-marido, assim como os de seus respectivos advogados.

Diante da precisão de horário, eu compreendi que por pouco ela realmente não me deixou em uma situação da qual eu não gostaria nenhum pouco de estar, ainda mais perante Miguel Pontes e seu advogado.

— Bem na hora, hein, Talita? — Dornelles alfinetou, logo que Talita se aproximou o suficiente de nós.

Eu já estava prestes a rebater a sua atitude, pois não era uma atitude profissional de sua parte, mas antes que eu dissesse qualquer coisa, a Talita já estava com um sorriso em seu rosto perfeitamente maquiado e demonstrando uma atitude bastante amigável para o advogado e eu franzi a testa em descrença, ao relembrar sobre as coisas que ela me contou sobre ele, ontem mesmo, quando eu contei que Miguel e o advogado estavam jantando juntos.

O fato é que Talita havia falado muito mal de Eduardo Dornelles, não como profissional, pois eu saberia a verdade facilmente sobre aquilo, dado sermos do mesmo meio, mas sim sobre a sua amizade com Miguel, do qual era companhia constante em suas aventuras sexuais, sendo então conivente com as atitudes do outro, mesmo sabendo o quanto aquilo era errado.

E ela me confundiu bastante naquele momento, ao se aproximar do Dornelles, sorrindo ainda, e beijar a face do homem de maneira demorada, como se eles fossem dois bons amigos e até mesmo antes de me cumprimentar.

— Tudo bem com você, querido? — Talita perguntou em tom baixo, mas como estávamos todos muito próximos, eu consegui ouvir de forma clara.

Olhei para o Eduardo e sua expressão indicava que ele estava tão surpreso com a atitude da Talita quanto eu mesma me sentia e deduzi que aquela sua conduta não condiz com o seu comportamento normal no que dizia respeito ao homem e me perguntei o motivo daquela cena.

— Sim, sim. - Ele respondeu, abrindo então um sorriso extremamente cínico, quando ela por fim se afastou dele.

— Você vai ficar parado aí ou pretende me representar nessa audiência, Eduardo ? - Miguel perguntou ao advogado, nitidamente chateado com a interação do mesmo com a sua ex-mulher e me questionei se o motivo seria ciúmes.

Dornelles respondeu com um arquear de sobrancelhas, pegando uma maleta que estava em cima de uma das cadeiras da sala de espera em que estávamos e seguiu para dentro da sala, seguido por Miguel e os dois trocaram algumas palavras em tom baixo, que me deixou bastante curiosa.

Olhei para Talita e fiz um gesto para que me acompanhasse e caminhei para a sala de audiências. Depois a questionaria sobre o que havia acontecido, pois, também fiquei sem entender.

Ela sorriu e quando estávamos próximas o suficiente, eu ainda chamei a sua atenção sobre o horário, pois eu não estaria bem o suficiente até dizer aquilo que desejava.

— Por que demorou tanto, Talita? — Perguntei baixinho, assim que estávamos as duas sentadas lado a lado, na ampla sala e o Miguel e seu advogado sentavam à nossa frente, também parecendo estar cochichando.

— A minha maquiadora se atrasou e acabei ficando um pouco fora do horário. — Ela explicou e eu fiquei literalmente de queixo caído diante da sua explicação tão fútil. — Você ver, como as pessoas são tão pouco profissionais?

A Talita entendeu a minha reação de uma maneira completamente errada e eu não pude explicar a ela que o motivo real do meu espanto, visto que o juiz chamou a nossa atenção para o início da audiência.

O que me surpreendeu, na verdade, não foi a maquiadora se atrasar para atender a sua cliente e sim, a minha cliente considerar necessário fazer uma maquiagem profissional para ir a sua audiência de divórcio.

Aquilo não saiu da minha cabeça e fiquei me questionando se a minha amiga tinha mudado a esse ponto, em tão pouco tempo e se a sua mudança se devia ao fato de ter se casado com um empresário bilionário, tal qual Miguel Pontes.

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