Jonathan afunda mais um copo de whisky na garganta enquanto a mansão se fecha no silêncio ensurdecedor da ausência de Marta. Os olhos dele, vermelhos de bebida e raiva contida, vagam perdidos pela sala. Tudo ali tem cheiro dela, traços dela. E ele, como um furacão desgovernado, destruiu o que mais amava.Pega o celular, com os dedos trêmulos, e liga para o seu piloto pessoal.— Prepare o jato. Agora. — a voz arrastada não deixa espaço para argumentações.— Destino, senhor?— Campos do Jordão.Sem esperar resposta, ele desliga. Ele precisa sumir. Precisa fugir dele mesmo.Enquanto isso, Marta, ainda trêmula, se fecha no antigo quarto. O quarto que usava quando ainda não dividia a cama e a vida com Jonathan. O peito arde, o pescoço marcado lateja, e o silêncio da casa pesa como mil toneladas. Ela passou a noite acordada, olhos abertos, coração despedaçado. Deitada na beira da cama, com a mala aberta no chão, decide que é hora de ir. Hora de fechar o ciclo, ainda que ele a rasgue por den
Campos do Jordão…A noite cai espessa sobre as montanhas, como se o mundo inteiro decidisse vestir luto.Dentro do chalé, a lareira ainda crepita, mas seu calor é inútil, um fingimento de conforto num lugar onde tudo já morreu. Jonathan está ali. A sombra do homem que costumava ser.Do lado de fora, a neblina densa envolve as montanhas como um abraço sufocante. O clima perfeito para quem quer desaparecer. Para quem quer esquecer que acabou de destruir tudo.Ele passou o dia trancado ali. Nenhuma ligação. Nenhuma mensagem. Nada. Só ele, o silêncio e os fantasmas que agora fazem morada dentro de si.Na cabeça, a imagem dela. Marta. O jeito como ela puxava a coberta quando sentia frio. O sorriso torto ao se levantar ainda sonolenta. A forma como dizia "bom dia" como se o mundo todo coubesse em duas palavras ditas com amor.Sentado numa poltrona larga de couro, as pernas abertas, os cotovelos apoiados nos joelhos, ele segura um copo vazio como se fosse um escudo contra o inferno que queim
Jonathan desce do jato com os olhos fundos, cavados pelo cansaço e pela dor. O rosto pálido como cera reflete um homem que não dorme, não pensa com clareza, não sente mais fome. Apenas sofre. O vento cortante de São Paulo açoita seu rosto com a mesma violência que seus próprios pensamentos o flagelam, mas ele não reage. Não sente. O verdadeiro frio vem de dentro, gélido, denso, permanente. E congela tudo.O motorista abre a porta da SUV com um aceno mudo. Jonathan não ergue os olhos.— Mansão. Agora. — diz, a voz rouca, seca, como se qualquer emoção fosse um luxo que ele já não pode se permitir.O carro avança pela cidade, mas Jonathan sente que está parado no tempo. As ruas passam, os semáforos se apagam, mas ele continua suspenso, imóvel, como se estivesse preso em uma bolha onde só o passado ecoa. A lembrança de Marta, de tudo que ela foi, tudo que representou, tudo que ele destruiu, o atravessa como vidro quebrado.Aquela risada que fazia seus ombros relaxarem depois de um dia inf
O salto de Islanne ecoa pelo hall do Grupo Schneider como um alerta, ela voltou. Com os cabelos presos em um coque elegante e os olhos por trás dos óculos escuros afiados como lâminas, a vice presidente cumprimenta os funcionários com um leve aceno de cabeça, mantendo a postura ereta e determinada.— Bom dia, Mônica. Jonathan e Marta já chegaram? — pergunta, sem perder o passo.— Ainda não, Islanne. Nenhum dos dois. — Mônica responde, consultando a agenda.— Assim que Marta chegar, peça para vir direto à minha sala. — E, sem esperar resposta, segue pelo corredor imponente até seu escritório.A rotina começa a retomar forma, mas Islanne sente algo fora do lugar. Algo... errado.Liga seu computador, conecta-se ao sistema interno e começa a checar os relatórios financeiros da última semana. Quando os olhos batem em uma movimentação vultosa na conta pessoal de Marta, ela franze o cenho.— Uma transferência dessa magnitude... por que isso não foi registrado nos canais formais?Confere nova
Marta acorda com o corpo moído, como se tivesse apanhado da vida por dentro e por fora. Cada músculo dói, mas nada se compara ao que arde por dentro, a alma em frangalhos, em pedaços tão pequenos que ela sequer sabe por onde começar a juntar.O quarto do hotel é simples, limpo, sem luxo algum, mas com dignidade. O travesseiro ainda tem o cheiro do sabão barato dos lençóis, e isso de alguma forma a acolhe. Um cheiro que não pertence a ninguém além dela mesma. Pela primeira vez em muito tempo, está sozinha, completamente sozinha e, paradoxalmente, isso a fere e a liberta.Ela se senta na beira da cama. Encarar o chão já exige esforço. Encarar o dia, então, parece um desafio imenso. No canto do quarto, a mala ainda meio aberta guarda as roupas. Uma parte dela quer deitar de novo, fechar os olhos e sumir do mundo. Dormir por dias, semanas, meses. Desaparecer até não sentir mais nada.Mas ela não vai.Ela respira fundo. Fecha os olhos. Uma. Duas. Três vezes.Não dessa vez.Com lentidão, le
Enfrentar para recomeçar, esse é o lema!O espelho do pequeno hotel já não reflete dor, pelo menos não a visível. Marta encara seu reflexo com firmeza, puxando a gola da blusa de leve, só para confirmar o que o tempo cuidou de apagar. As marcas sumiram. Mas as cicatrizes internas… essas ainda ardem.Ela respira fundo, pega o celular novo e vê a notificação do banco. Outra transferência robusta entrou direto da conta do grupo Schneider. Um valor que poderia sustentar ela por um bom tempo. Seus olhos se apertam em desconfiança, mas ela não questiona. Contrato de confidencialidade, talvez? Uma tentativa patética de compensar? Tanto faz. Ela não responde. Não agradece. Não confronta. Simplesmente ignora.Marta pega sua bolsa, ajeita a mala no banco de trás da RAM preta e dá partida. O ronco do motor é firme, forte… diferente dela, que ainda sente o peito afundar toda vez que lembra do olhar de Jonathan, da dor, da raiva, do descontrole.As horas passam devagar. A estrada é longa e solitár
Marta atravessa a rua com uma mão na barriga, protegendo as vidas que carrega. O suor escorre pela sua nuca, a vertigem ameaça dobrar os seus joelhos, mas ela inspira fundo. Falta pouco. Falta muito pouco.E então, tudo acontece.O som de pneus cantando invade o ar como um grito. Um carro desgovernado surge do nada, avançando na direção dela como um predador. O impacto é brutal. Marta é lançada para o asfalto, seu corpo se choca contra o asfalto quente, e a dor vem antes mesmo que a consciência se apague. Seu último pensamento é uma súplica silenciosa: "Por favor… meus bebês…"— Meu Deus! — exclama uma senhora de cabelos grisalhos, que assistiu a tudo da calçada. Sem hesitar, ela faz um gesto rápido para um homem ao seu lado. — Ajude-a! Ligue para a emergência agora!A mulher se ajoelha ao lado de Marta, segurando a sua mão fria, seus olhos percorrendo o rosto pálido da jovem e sua barriga grande.— Aguente firme, querida… — sussurra, apertando os lábios. — Você não pode desistir ag
Diante de todas as adversidades, Marta não desiste. A fome a acompanha como uma sombra cruel dos últimos meses. O frio corta sua pele, os pés latejam, mas a necessidade de seguir em frente é maior do que o desespero.O dia inteiro foi assim, batendo de porta em porta, insistindo até o limite. Quando o cheiro de café quente invade suas narinas, Marta percebe o quanto está fraca. Seus bolsos vazios são a prova de que o pouco que tinha se esvaiu em uma passagem de ônibus, comprada com a esperança de um trabalho, onde a promessa de uma vaga de atendente evaporou assim que ela cruzou a porta e ouviu o gerente dizer:— Desculpe, a vaga já foi preenchida.Agora, ela vaga por ruas desconhecidas, sentindo o peso da cidade grande esmagá-la a cada "não" que recebe.— Só mais uma… só mais uma tentativa. — murmura para si mesma, tentando ignorar a dor latejante nos pés e a sensação de que está cada vez mais distante da vida que sonhou.Marta aperta o casaco surrado contra o corpo, mas o tecido fin