Estevão NarrandoQuando recebi aquela mensagem do Anthony, o coração quase saiu pela boca. “Tira a vó da Ana do hospital agora. A coisa vai azedar”. Não era o tipo de recado que ele mandava sem motivo. E quando o Anthony ficava tenso… é porque o inferno já tava se abrindo.Foram segundos. Liguei direto pros seguranças que tavam de plantão perto do hospital. “Peguem a idosa. Sigam o plano de evacuação. Mandem localização em tempo real.” Assim que os vídeos começaram a chegar no meu celular, vi os homens do meu pai invadindo o hospital como se fosse uma operação militar. Zero erro. Rápidos, precisos. Uma parte entrou, outra cercou a saída. E quando vi que a vó da Ana tava segura dentro do carro blindado, respirei. Por cinco segundos, só cinco.Chegando no lugar seguro, uma das nossas casas de apoio na zona norte, encontrei a avó no sofá, pálida, claramente abalada com tudo. O rosto dela transparecia o cansaço de uma vida inteira, mas a preocupação com a idosa deixava tudo mais intenso.
Anthony Narrando Depois que meu pai saiu da sala, o silêncio tomou conta como se o ar tivesse ficado mais denso. Ana Kelly ainda tava ali, parada perto da janela, braços cruzados, o olhar perdido em algum ponto do horizonte. A luz do fim da tarde batia no rosto dela de um jeito quase poético. Mas não havia nada de leve naquela sala. Tudo era tensão, desconfiança, ferida exposta.Me aproximei devagar, como quem sabe que tá pisando em território sensível. E tava.— Você sabe que ele... ele não quis te machucar — comecei, a voz rouca, arranhada de tanta coisa que segurei por anos.Ela virou o rosto devagar, os olhos marejados, mas firmes.— Ele quis, sim. E você sabe disso, Anthony. Ele quis me testar. E doeu.— Eu sei... — suspirei fundo, enfiando as mãos nos bolsos, nervoso. — Mas ele é assim. Sempre foi. Ele confia em poucos e mesmo assim vive com um pé atrás. E agora, com tudo que tá rolando, ele não vai aliviar pra ninguém.— Nem pra mim, que nunca fiz nada — ela rebateu.— Justame
Ana Kelly Narrando Quinze dias se passaram desde aquele caos. E apesar de tudo ainda parecer um campo minado, aos poucos as coisas vão se ajeitando. Minha avó, graças a Deus, se recuperou da surra covarde que levou lá em São Paulo. Agora tá aos cuidados da Josefa, num dos casarões da família Carter. Um lugar tranquilo, com jardim grande, rede na varanda e cheiro de bolo saindo da cozinha.Karen ainda insiste em trabalhar no café. Estevão já tentou de tudo pra tirar ela de lá: convite pra trabalhar na empresa, proposta de largar tudo e deixar ele bancar, até sugestão pra montar o próprio negócio com ele por trás. Mas eu conheço minha amiga. Karen é pior que eu — já avisei pra ele. Vai ter que ir com jeitinho, senão ela morde.Quanto a mim... hoje foi o meu primeiro dia oficial como secretária particular do Anthony. Cargo importante, título pesado. Mas diferente de tudo que eu imaginei um dia pra minha vida. E sabe o que é mais maluco? Tô feliz. Pela primeira vez em muito tempo, tô fel
Anthony narrandoA manhã começou com um silêncio confortável, do tipo que só se sente quando a alma tá em paz. Ana Kelly tava ao meu lado, arrumando uns papéis enquanto eu assinava outros. Desde que ela entrou oficialmente como minha secretária particular — e minha mulher — as coisas pareciam mais organizadas, mais leves, apesar do caos em volta. Não era só presença física. Era a mente dela, o olhar atento, a maneira como ela já entendia o ritmo das coisas como se tivesse nascido pra isso.Bárbara entrou sem bater, como de costume. Estava com o telefone na mão, o salto batendo forte no chão de mármore.— O carro tá pronto. Quer que mande te buscar na reunião, Anthony? — perguntou ela, o olhar carregado de veneno.Não respondi. Apenas me levantei, dei a volta na mesa e estendi a mão pra Ana Kelly.— Vamos. A reunião é importante e você vai comigo — falei, abraçando ela pela cintura.Passei pela Bárbara sem dar explicação e ainda virei pro restante da equipe que tava pelo corredor e anu
Sr. Carter Narrando Nunca gostei de ser interrompido no meio da leitura dos relatórios do trimestre, mas quando minha secretária particular me avisou que Bárbara estava no hall, insisti que ela fosse recebida. A maneira como ela entrou na minha sala já dizia tudo — passos duros, postura ereta e o olhar que, se pudesse, incendiava o mundo. Conheço aquele olhar desde que ela entrou na Carter como estagiária. Ambiciosa. Disciplinada. Mas sempre impulsiva demais.— Senhor Carter, preciso conversar com o senhor. — Ela mal esperou a porta se fechar.Fechei a pasta devagar, tirei os óculos e ergui o olhar, mantendo a calma.— Então fale, Bárbara.— Eu trabalho nessa empresa há quase dez anos. Me dediquei como poucas pessoas aqui dentro. Segui regras, cumpri metas, fui leal… e o que recebo em troca? Desprezo. Fui rebaixada, humilhada e trocada por uma qualquer!Ergui uma sobrancelha.— Ana Kelly não é uma qualquer. E você sabe disso. — Rebati sabendo de quem ela tava falando, coisas boatos n
Sr. Carter NarrandoA raiva ainda fervia no meu sangue enquanto pegava o telefone celular e discava direto para o número do Anthony. Era fim de tarde, e eu sabia que ele devia estar com a Ana Kelly, mas isso não podia esperar.— Filho — falei assim que ele atendeu —, preciso que você venha pra casa hoje. Temos que conversar com calma... sobre o Vinícius.— Aconteceu alguma coisa?— Estão tentando soltar ele. Pablo me avisou. Quero você aqui ainda hoje. E traga a Ana Kelly com você. Vamos jantar. É noite de guerra, mas também de estratégia.— Tô indo, pai. Chego em no máximo uma hora.Desliguei e encostei a cabeça no encosto de couro da poltrona do carro. O motorista já tomava o caminho para a casa da família Carter, e durante o trajeto, respirei fundo. Pensar com a cabeça quente nunca foi minha maneira de agir, e hoje não seria diferente.Peguei o interfone do carro e liguei direto para Luísa, minha esposa.— Amor, prepara a casa. O Anthony vem jantar hoje com a Ana Kelly.— Que ótimo
Brenda Narrando Quinze dias. Quinze dias desde que o mundo desabou. Desde que Vinícius caiu. Desde que eu vi tudo escorrer pelos dedos como areia fina. Agora, o que resta é o silêncio denso da vingança pairando no ar… e a certeza de que a guerra tá longe de acabar. A casa dos Duarte, em São Paulo, parecia um campo minado. Ninguém falava alto. Ninguém sorria. Só os olhos gritavam. Olhos vermelhos, pesados, carregando a fúria de quem teve tudo arrancado à força. O velho Duarte, com aquele olhar gelado que sempre teve, andava de um lado pro outro da sala, e cada passo dele parecia ecoar um plano. Um acerto de contas. — Brenda... — a voz dele cortou o silêncio como faca. — Você ainda é capaz de se infiltrar naquele círculo? Levantei a cabeça, mantendo firme o olhar. Eu não era qualquer uma naquela sala. Eu era quem eles precisavam. — Posso tentar. Vai ser mais difícil. A Ana Kelly agora é "esposa do Anthony", circula do lado dele e tá ganhando respeito de gente grande. Mas eu
Brenda Narrando Dois dias depois, desci do ônibus no terminal de Porto Alegre com uma mala simples, uma mochila e minha mente carregada de estratégia. O céu estava nublado, e o vento frio batia no rosto como se já me alertasse que eu estava pisando num território onde precisava ser mais que esperta. Precisava ser invisível.Peguei um táxi até uma pensão discreta, a duas quadras do café onde a Karen, melhor amiga da Ana Kelly, trabalha. O lugar era pequeno, cheirava a lavanda velha misturada com desinfetante barato, mas tinha cama, chuveiro quente e silêncio. O suficiente.Fechei a porta do quarto, joguei a mochila na cama e fui direto pro espelho. Me encarei. O cabelo agora estava num tom borgonha intenso, preso num coque elegante. As sobrancelhas arqueadas mudavam completamente meu olhar, deixando pra trás o rosto que Ana Kelly conhecia. A Brenda que ela lembrava não existe mais.Liguei o notebook. Me conectei ao Wi-Fi fraco da pensão e entrei direto nas redes sociais. Comecei com o