- Vai se foder, porra! – Matt reclamava com Thomas. – O que ele espera de mim? Eu venho fazendo tudo o que ele quer desde que nasci e nunca sou bom o suficiente.
Amanda tinha os dois braços ao redor da cintura de Thomas e descansava seu queixo no ombro do rapaz. Quem olhasse de longe, realmente acreditaria que existia uma relação entre eles. Ela me repreendeu com o olhar, o que me fez dar um passo na direção de Matt. O que ainda me colocava a dois passos de distância dele, pelo menos.
- Relaxa! - Thomas passou a ele um copo de algo que parecia ser whisky, e depois me serviu um também. – Você sabe que nada disso é sério, aquela empresa não teria sobrevivido à pandemia se não fosse por você.
- E que reconhecimento eu ganho por isso? Porra nenhuma!
- Bebe isso! – Thomas aponta para o copo na mão do primo. – E me dá quinze minutos, eu já volto! – Ele sai puxando Amanda em direção a algumas outras pessoas.
- Isso não vai ser o suficiente... – Matt passa para a parte de trás do bar e pega a garrafa inteira de whisky. Depois de beber a sua dose, ele se serve de uma nova. – E você... Problemas com a família?
- Alguns... – admito, enquanto me sento no banquinho defronte ao bar.
- É claro que tem, garotas como você sempre tem.
Garotas como eu. Tenho vontade de fazê-lo engolir todo aquele seu ar de superioridade, mas me mantenho calada. Se ele reclamasse talvez me pagassem menos, ou nem me pagassem e eu precisava daquele dinheiro. Eu precisava muito daquele dinheiro.
- Problemas com o papai? Com o namoradinho? Ou você só quer uma bolsa nova mesmo?
- Meu pai é um filho da puta que abandonou nossa família quando eu tinha dez anos, eu não tenho um namoradinho a tanto tempo que acho que já desaprendi a beijar na boca e a única utilidade que eu teria para uma bolsa agora seria enfiar ela no seu...
Sinto meu celular vibrando bem a tempo de me calar. Ou talvez não tão a tempo, visto que Matt não teve a menor dúvida do que eu faria com a bolsa. Seu rosto se contraiu em um sorriso discreto. Tirei o celular da bolsa e observei o display. Meus olhos foram rapidamente do celular para Matt e de volta para o celular.
- Se precisa atender, vai em frente.
Rapidamente me viro de costas para Matt e atendo o telefone.
- O que aconteceu? – Vou logo perguntando e aguardo a resposta. – Então dê o remédio para ela... – Respondo e aguardo novamente. – Eu sei, mãe! Eu disse que vou comprar mais, não disse? Não se preocupa. – Aguardo novamente. – Hoje, eu levo hoje se você me deixar trabalha, ok? Dê o remédio para ela. – Desligo o celular e volto a me virar para Matt. – Desculpa.
- Aconteceu alguma coisa grave? – Ele me olha com as sobrancelhas erguidas, como se realmente se importasse com a resposta.
- Nada, é só... – dou de ombros. – Problemas familiares.
- Bom, você acabou de presenciar os meus problemas familiares... Nada mais justo do que compartilhar os seus.
- E por que você iria querer saber?
- Porque essa “festa” – ele faz aspas com os dedos – é um saco e eu não poderia estar mais entediado.
Finalmente pegou o meu copo de whisky em cima do balcão e viro de uma só vez. Deslizo o copo vazio em direção a Matt, insinuando que também vou precisar de mais, caso vá falar sobre minha família. Ele enche.
- Minha sobrinha, de sete anos, tem um problema cardíaco e vai morrer se não fizer uma cirurgia extremamente cara. – Eu viro o copo e coloco novamente sobre a mesa. Ele enche. – Sua vez.
- Meu pai acha que nunca vou ser bom o suficiente para substituí-lo na empresa. Meu irmão era, eu não. Não importa o que eu faça. – Ele bebe. – É por isso que está fazendo isso? Pela sua sobrinha?
- Exatamente. Vinte caras. Dezenove, agora... – reviro os olhos. – Mais dezenove e posso pagar pela cirurgia. – Eu bebo. – O que aconteceu com seu irmão?
- Indonésia? Austrália? Bali? Quem sabe... algum lugar pelo mundo. Certo dia ele simplesmente decidiu que não queria mais seguir os negócios da família e sumiu no mundo. Meu pai o deserdou e tudo caiu nas minhas costas. – Ele bebe. – Os pais da garota, da sua sobrinha, não é obrigação deles mais do que sua?
- Minha irmã está morta. Morreu quando a Sophia mal tinha um ano. O pai... Indonésia? Austrália? Bali? Quem sabe... Provavelmente caído drogado em algum lugar. – Mal consigo virar a bebida dessa vez, me sentindo consideravelmente mais tonta. Ainda assim, bebo. – Por que não faz como o seu irmão? Sumir no mundo...
- Talvez eu não seja tão desapagado materialmente quanto ele. Ou... talvez eu me importe um pouco com o legado da empresa. Acho que os dois. – Ele bebe. – Sinto muito, Alice. Pela sua história.
- Ella – digo. – Antonella, mas todos me chamam de Ella. Eu não devia ter dito isso, mas...
- Ella... – ele repete, como se testando meu nome em seus lábios. – Sinto muito pelo que está tendo que fazer, Ella.
- Eu dou conta... – digo, como se não fosse nada, e dou de ombros. – Sinto muito pelo seu relacionamento com seu pai.
- Eu dou conta – ele me parafraseia.
- Acho que preciso ir ao banheiro... E comer alguma coisa... a bebida tá subindo.
- Tem uma toalete na área da piscina coberta, acho que é o mais próximo, eu te acompanho até lá.
Não sei se era a bebida, a conversa, ou o fato de estar diante do homem mais bonito que eu já tinha visto na minha vida, mas quando Matt voltou a colocar a mão na base da minha cintura para me guiar pelo local, um arrepio subiu diretamente pela minha coluna, terminando no pescoço. Tentando ignorar o sentimento, me deixo levar.
Eu poderia morar naquele banheiro e provavelmente ainda me perderia ali dentro, de tão grande que o cômodo era. Começava por um corredor todo espelhado, que levava a uma sala com algumas penteadeiras, e somente no terceiro ambiente ficavam as toaletes. Porém, enquanto ainda seguia pelo correndor, consegui distinguir a voz da mãe de Matt conversando com outra mulher. Tive um breve vislumbre da loira alta e magra de pernas longas, antes de recuar e voltar para me esconder na parte do corredor.
- ... uma vadiazinha que provavelmente só tá interessada no dinheiro de Matt, você não tem com o que se preocupar, querida.
- Mas ele parece apaixonado? – A voz da loira soou interessada.
- E como ele poderia se interessar por alguém tão diferente dele? A garota nunca nem saiu do Brasil, acredita? Nunca pisou em um iate! Matt adora velejar!
- Ela não me pareceu ser muito elegante também...
- Mal sabe se portar! Você acredita que...
Não esperei para ouvir qual próxima ofensa se dirigiria a mim. Ainda desnorteada – tanto pelas palavras quanto pela bebida – recuei pelo corredor e sai porta a fora. Minha vontade de chorar era tão grande que mal olhei a minha volta. Tudo bem, eu não era a namorada de Matt de verdade, eu nem deveria me importar. Mas eu estava abalada com como alguém podia ser tão maldoso com outra pessoa só porque ela não era da sua classe social.
- Ella!
Ouvi a voz de Matt me gritando pouco antes de pisar em falso e cair na piscina. A água gelada me atingido como se diversas adagas perfurassem o meu corpo ao mesmo tempo.
- Merda!
- Ella! O que f...? – Matt se interrompeu no meio da frase quando viu sua mãe e a loira saindo do banheiro.- Oh, meu Deus, querida, você está bem? Você não caiu por estar bêbada, caiu?Então, o barulho de outra coisa pesada caindo na água atraiu todos os olhares. Ainda completamente vestido e enxarcado, Matt nadava em minha direção.- Ah, nós estamos bêbados, mamãe – ele respondeu, me agarrando pela cintura e encarando a mulher. – E se eu fosse você sairia daqui agora pois não me responsabilizo pelo trauma que as próximas cenas podem lhe causar. Ah, oi Yasmin. Sinto muito, mas você também não está convidada dessa vez.- Vamos, vamos... – a mãe de Matt vai tocando Yasmim para fora da área da piscina, fingindo não estar extremamente constrangida. – É amor jovem, deixe que se divirtam.A loira dá uma boa olhada em mim antes de se permitir ser levada e eu consigo ver o ódio flamejando em seus olhos claros.- O que elas fizeram? – Matt logo me pergunta, assim que as mulheres passam pela p
Como muitas das coisas que eu estava experimentando pela primeira vez naquele dia, aquele jantar tinha sido uma das coisas mais maravilhosas que já comi na vida. O único erro tinha sido deixar Matt combinar cada um dos pratos – entrada, principal e sobremesa – com o seu vinho preferido. O banho gelado de piscina, seguido do banho quente de chuveiro, tinham ajudado a amenizar o efeito do whisky em meu organismo. Mas as taças de vinho logo me deixaram alcoolizada além da conta novamente.- Acho que a última vez que eu bebi tanto, foi na faculdade... – Tento me levantar, mas o mundo está rodando ao meu redor. – Opa... – me atrapalho com as próprias pernas e me apoio na mesa.- Onde você acha que vai assim? – Matt permanece sentado, uma boa escolha, visto que ele também bebeu bastante.- Casa? – Digo. – Amanda... Angie... Ela já deve estar quase acabando.- Mandei uma mensagem para sua amiga... – ele exibiu o celular. – Disse para que não se preocupe porque eu vou te deixar em casa.- Não
- Duzentos e cinquenta mil, porra! Você só pode ter uma boceta de mel! - Shiiiu! – Eu levo o dedo aos lábios, pedindo que Amanda mantenha o tom de voz baixo. Corro até a porta do meu quarto e a fecho, com medo de que meus pais possam ouvir. - Ele tinha algum tipo de fetiche estranho? – A voz de Amanda está bem mais baixa agora. – Alguma coisa nojenta? – Faz uma careta. - Eu já disse que não transei com ele! - Meu amor, fica difícil de acreditar quando o cara te mandou um bônus de duzentos de cinquenta mil. - Ele realmente fez isso? Eu me lembro do nosso acordo, é claro. Mas depois de que saí daquele clube e o álcool foi progressivamente deixando o meu corpo, me pareceu extremamente improvável que Matt estivesse falando sério. Ainda mais que ele disse que faria o pagamento em duas partes, o que significava que... caceta! - Sim, já está na sua conta, você não viu? - Meu celular estragou, lembra? - É verdade, talvez isso justifique o presente... Ela remexe em sua bolsa Prada, qu
Minha família tinha um comércio que funcionava no andar de baixo da nossa casa. Começou como uma pequena mercearia, vendendo produtos alimentícios de primeira necessidade. Apenas uma vendinha de bairro mesmo, mas que sempre nos ajudou a manter as contas em dia. Depois de um tempo, Miguel, meu padrasto, expandiu o espaço e colocou algumas mesinhas. Passamos a vender também bebidas e petiscos rápidos. Tinha sido uma boa ideia, visto que sempre tinham alguns homens conversando aleatoriedades e bebendo, ainda que fosse segunda-feira de manhã. Mas também tinha sido uma má ideia, visto que sempre tinham alguns homens conversando aleatoriedade e bebendo, ainda que fosse segunda-feira de manhã.Nossa venda não estava nem perto de ser um sucesso empresarial, ou mesmo de ser suficiente para sustentar uma família de oito pessoas. Mas como eu e meus dois irmãos estávamos desempregados, conseguíamos nos revezar para cuidar do estabelecimento. As manhãs eram minhas.Por isso, quando Matt me mandou
“- Eu mando o motorista, Ella” – desdenhei, enquanto contava a história toda para Amanda.Obviamente eu tinha ligado correndo para a minha amiga. Eu não tinha a menor intensão de aparecer no escritório de Matt usando calça jeans e camiseta do Harry Potter. Mas, dito isso, eu não fazia ideia do que usar. Não era exatamente como se eu tivesse muitas opções.- Ele é fofo – respondeu ela, mexendo no meu armário.- Ah, claro. Vai ser muito fofo também quando o Bruno ou outra pessoa me ver entrando em um carro de luxo.- Mete o foda-se, Ella! Você não está fazendo nada de errado.- Eu sei! Mas você sabe que as pessoas não pensam assim...- Você deveria se importar menos com o que as pessoas pensam! – Ela briga. – Ninguém tá pagando suas contas! Aliás, o Matt tá.- Você sabe que eu não consigo ser como você!Amanda revira os olhos e volta a se concentrar nas minhas roupas.- Posso te emprestar algo, se quiser.- Não posso ficar te pedindo roupas emprestadas toda vez que for sair com ele, Man
- Ele te deu o cartão dele e disse pra você usar à vontade? Amanda ainda não acreditava que eu tinha pagado nosso almoço em um dos restaurantes que sempre quisemos ir – e nunca pudemos pagar – do shopping mais chique da cidade. E que agora estávamos indo até uma loja super renomada pedir para que “renovassem o meu guarda-roupas”. - Dá para acreditar? E o cartão é feito de ouro! - Deixa eu ver! Cadê? - Dentro do meu sutiã! – Digo, como se fosse óbvio. – Eu não vou correr o risco de perder ou de alguém me roubar. Tá seguro. - Super seguro. Até porque ninguém coloca a mão aí a muito tempo, né amiga? - Cala a boca! – Respondo, mas estou rindo. Entrelaço meu braço no de Amanda enquanto caminhamos olhando as vitrines chiques. Se eu já tinha vindo nesse shopping antes uma vez, era muito. Não era um lugar para mim. Não tinha lojas de departamento. Se eu olhasse para a direita tinha uma Chanel, se eu olhasse para a esquerda tinha uma Prada e se eu olhasse para frente tinha uma Lennox. Na
- Eu nunca mais volto naquela loja! – Lilly dizia revoltada. – Elas foram tão preconceituosas! – Ela baixa a voz para quase um sussurro. – Nunca passei por isso.Nós estávamos sentados em uma cafeteria no shopping. Por mais que Amanda e eu não tivéssemos almoçado há muito tempo – e tivéssemos pedido sobremesa, minha amiga fez questão de pedir três tipos de doces diferentes. Eu pedi apenas um chocolate quente. Estava nervosa e chocolate quente era uma bebida de conforto. Mas preciso admitir que me arrependi um pouco. Se aquele era o melhor chocolate quente que já provei na vida, imagina o resto do menu!- Eu estava com o cartão de crédito de outra pessoa, então...- Não a defenda! – Matt me cortou. – Não tem defesa.- Não tem mesmo! – Amanda concorda. – Ela foi uma idiota.- Não se preocupe, Ella, vou te levar em uma outra loja aqui perto que é maravilhosa! Eu gosto ainda mais dela, na verdade.- Ótimo, vocês já têm planos para até a hora do jantar, então... – Ele se levanta. – Vou vol
Enquanto nos éramos seguidas por três funcionários da loja carregando as compras para mim até o estacionamento, eu pensava que nunca tinha saído de uma loja com tanta sacola junto, nunca! Talvez nem se eu somasse todas as sacolas dos últimos dez anos da minha vida em compras, daria aquela quantidade.Isso em uma loja de departamentos já seria um absurdo, mas em um a multimarcas de grife... Por mais que Lilly não tivesse deixado eu ver a conta, eu tinha certeza de que valia uma fortuna.- Isso é um exagero... – sussurro para Amanda em um momento em que Lilly se distrai com o celular. – Lilly deve ter feito Matt gastar mais do que ele tá me pagando!- Deve? – Amanda dá uma risadinha. – Meu amor, é claro que ela fez!- Eu não consigo me sentir confortável com isso.- Relaxa! – Ela diz. – Isso é troco de bala para gente como os Lennox. Lilly deve fazer uma compra dessas todo mês.- Ainda assim... Não paro de pensar que esse dinheiro poderia ser muito mais bem gasto com outras coisas. Como