Capítulo 2

- Vai se foder, porra! – Matt reclamava com Thomas. – O que ele espera de mim? Eu venho fazendo tudo o que ele quer desde que nasci e nunca sou bom o suficiente.

Amanda tinha os dois braços ao redor da cintura de Thomas e descansava seu queixo no ombro do rapaz. Quem olhasse de longe, realmente acreditaria que existia uma relação entre eles. Ela me repreendeu com o olhar, o que me fez dar um passo na direção de Matt. O que ainda me colocava a dois passos de distância dele, pelo menos.

- Relaxa! - Thomas passou a ele um copo de algo que parecia ser whisky, e depois me serviu um também. – Você sabe que nada disso é sério, aquela empresa não teria sobrevivido à pandemia se não fosse por você.

- E que reconhecimento eu ganho por isso? Porra nenhuma!

- Bebe isso! – Thomas aponta para o copo na mão do primo. – E me dá quinze minutos, eu já volto! – Ele sai puxando Amanda em direção a algumas outras pessoas.

- Isso não vai ser o suficiente... – Matt passa para a parte de trás do bar e pega a garrafa inteira de whisky. Depois de beber a sua dose, ele se serve de uma nova. – E você... Problemas com a família?

- Alguns... – admito, enquanto me sento no banquinho defronte ao bar.

- É claro que tem, garotas como você sempre tem.

Garotas como eu. Tenho vontade de fazê-lo engolir todo aquele seu ar de superioridade, mas me mantenho calada. Se ele reclamasse talvez me pagassem menos, ou nem me pagassem e eu precisava daquele dinheiro. Eu precisava muito daquele dinheiro.

- Problemas com o papai? Com o namoradinho? Ou você só quer uma bolsa nova mesmo?

- Meu pai é um filho da puta que abandonou nossa família quando eu tinha dez anos, eu não tenho um namoradinho a tanto tempo que acho que já desaprendi a beijar na boca e a única utilidade que eu teria para uma bolsa agora seria enfiar ela no seu...

Sinto meu celular vibrando bem a tempo de me calar. Ou talvez não tão a tempo, visto que Matt não teve a menor dúvida do que eu faria com a bolsa. Seu rosto se contraiu em um sorriso discreto. Tirei o celular da bolsa e observei o display. Meus olhos foram rapidamente do celular para Matt e de volta para o celular.

- Se precisa atender, vai em frente.

Rapidamente me viro de costas para Matt e atendo o telefone.

- O que aconteceu? – Vou logo perguntando e aguardo a resposta. – Então dê o remédio para ela... – Respondo e aguardo novamente. – Eu sei, mãe! Eu disse que vou comprar mais, não disse? Não se preocupa. – Aguardo novamente. – Hoje, eu levo hoje se você me deixar trabalha, ok? Dê o remédio para ela. – Desligo o celular e volto a me virar para Matt. – Desculpa.

- Aconteceu alguma coisa grave? – Ele me olha com as sobrancelhas erguidas, como se realmente se importasse com a resposta.

- Nada, é só... – dou de ombros. – Problemas familiares.

- Bom, você acabou de presenciar os meus problemas familiares... Nada mais justo do que compartilhar os seus.

- E por que você iria querer saber?

- Porque essa “festa” – ele faz aspas com os dedos – é um saco e eu não poderia estar mais entediado.

Finalmente pegou o meu copo de whisky em cima do balcão e viro de uma só vez. Deslizo o copo vazio em direção a Matt, insinuando que também vou precisar de mais, caso vá falar sobre minha família. Ele enche.

- Minha sobrinha, de sete anos, tem um problema cardíaco e vai morrer se não fizer uma cirurgia extremamente cara. – Eu viro o copo e coloco novamente sobre a mesa. Ele enche. – Sua vez.

- Meu pai acha que nunca vou ser bom o suficiente para substituí-lo na empresa. Meu irmão era, eu não. Não importa o que eu faça. – Ele bebe. – É por isso que está fazendo isso? Pela sua sobrinha?

- Exatamente. Vinte caras. Dezenove, agora... – reviro os olhos. – Mais dezenove e posso pagar pela cirurgia. – Eu bebo. – O que aconteceu com seu irmão?

- Indonésia? Austrália? Bali? Quem sabe... algum lugar pelo mundo. Certo dia ele simplesmente decidiu que não queria mais seguir os negócios da família e sumiu no mundo. Meu pai o deserdou e tudo caiu nas minhas costas. – Ele bebe. – Os pais da garota, da sua sobrinha, não é obrigação deles mais do que sua?

- Minha irmã está morta. Morreu quando a Sophia mal tinha um ano. O pai... Indonésia? Austrália? Bali? Quem sabe... Provavelmente caído drogado em algum lugar. – Mal consigo virar a bebida dessa vez, me sentindo consideravelmente mais tonta. Ainda assim, bebo. – Por que não faz como o seu irmão? Sumir no mundo...

- Talvez eu não seja tão desapagado materialmente quanto ele. Ou... talvez eu me importe um pouco com o legado da empresa. Acho que os dois. – Ele bebe. – Sinto muito, Alice. Pela sua história.

- Ella – digo. – Antonella, mas todos me chamam de Ella. Eu não devia ter dito isso, mas...

- Ella... – ele repete, como se testando meu nome em seus lábios. – Sinto muito pelo que está tendo que fazer, Ella.

- Eu dou conta... – digo, como se não fosse nada, e dou de ombros. – Sinto muito pelo seu relacionamento com seu pai.

- Eu dou conta – ele me parafraseia.

- Acho que preciso ir ao banheiro... E comer alguma coisa... a bebida tá subindo.

- Tem uma toalete na área da piscina coberta, acho que é o mais próximo, eu te acompanho até lá.

Não sei se era a bebida, a conversa, ou o fato de estar diante do homem mais bonito que eu já tinha visto na minha vida, mas quando Matt voltou a colocar a mão na base da minha cintura para me guiar pelo local, um arrepio subiu diretamente pela minha coluna, terminando no pescoço. Tentando ignorar o sentimento, me deixo levar.

Eu poderia morar naquele banheiro e provavelmente ainda me perderia ali dentro, de tão grande que o cômodo era. Começava por um corredor todo espelhado, que levava a uma sala com algumas penteadeiras, e somente no terceiro ambiente ficavam as toaletes. Porém, enquanto ainda seguia pelo correndor, consegui distinguir a voz da mãe de Matt conversando com outra mulher. Tive um breve vislumbre da loira alta e magra de pernas longas, antes de recuar e voltar para me esconder na parte do corredor.

- ... uma vadiazinha que provavelmente só tá interessada no dinheiro de Matt, você não tem com o que se preocupar, querida.

- Mas ele parece apaixonado? – A voz da loira soou interessada.

- E como ele poderia se interessar por alguém tão diferente dele? A garota nunca nem saiu do Brasil, acredita? Nunca pisou em um iate! Matt adora velejar!

- Ela não me pareceu ser muito elegante também...

- Mal sabe se portar! Você acredita que...

Não esperei para ouvir qual próxima ofensa se dirigiria a mim. Ainda desnorteada – tanto pelas palavras quanto pela bebida – recuei pelo corredor e sai porta a fora. Minha vontade de chorar era tão grande que mal olhei a minha volta. Tudo bem, eu não era a namorada de Matt de verdade, eu nem deveria me importar. Mas eu estava abalada com como alguém podia ser tão maldoso com outra pessoa só porque ela não era da sua classe social.

- Ella!

Ouvi a voz de Matt me gritando pouco antes de pisar em falso e cair na piscina. A água gelada me atingido como se diversas adagas perfurassem o meu corpo ao mesmo tempo.

- Merda!

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