Mundo de ficçãoIniciar sessãoO silêncio do apartamento nunca pareceu tão alto.
Patrícia estava sentada no sofá, com as pernas dobradas junto ao corpo, encarando a parede à sua frente sem realmente enxergá-la. As palavras da médica ecoavam na cabeça como um martelo insistente.
Você foi inseminada.
Houve um erro.Isso é muito grave.Ela levou a mão ao ventre ainda plano, como se pudesse sentir algo ali além do medo. Não sentia amor. Ainda não. O que sentia era choque, incredulidade e uma revolta silenciosa que se espalhava pelo corpo.
Aquilo não tinha sido uma escolha.
E isso mudava tudo.
O relógio marcava quase nove da noite quando a chave girou na fechadura. Patrícia endireitou o corpo instintivamente. Rafael entrou, largando a mochila no chão e soltando um suspiro cansado.
— Você chegou cedo hoje — ele comentou, sem perceber a rigidez dela.
— Precisamos conversar — disse Patrícia, a voz mais baixa do que pretendia.
Rafael a olhou com atenção pela primeira vez. Franziu a testa.
— Aconteceu alguma coisa?
Ela assentiu. O coração batia tão forte que parecia querer escapar do peito.
— Eu fui à médica hoje.
— E…?
Patrícia respirou fundo. Cada palavra parecia pesada demais para sair.
— Eu estou grávida.
O silêncio caiu entre eles como um vidro estilhaçando lentamente.
Rafael piscou algumas vezes, como se não tivesse entendido.
— Como é que é?
— Grávida — ela repetiu. — De seis semanas.
Ele deu uma risada curta, incrédula, mas sem humor algum.
— Isso não é engraçado, Patrícia.
— Eu sei.
— Então para de brincar comigo — ele retrucou, já alterado. — A gente sempre se cuidou. Sempre.
— Eu sei — ela disse novamente, sentindo os olhos marejarem. — E é por isso que eu preciso te explicar…
— Explicar o quê? — ele cortou. — Que você está grávida do nada?
Patrícia se levantou devagar, sentindo as pernas fracas.
— Houve um erro médico. Na clínica. Eles fizeram um procedimento que eu não autorizei. Houve troca de prontuários.
Rafael a encarou como se estivesse ouvindo algo absurdo demais para ser real.
— Procedimento? Que procedimento?
Ela engoliu em seco.
— Inseminação.
A palavra pareceu flutuar no ar por alguns segundos antes de cair entre eles como algo sujo.
— Você acha que eu sou idiota? — ele explodiu. — Está tentando me convencer de que engravidou por um erro médico?
— Eu não te traí, Rafael — ela disse, a voz falhando. — Nunca. Eu juro.
Ele passou a mão pelos cabelos, andando de um lado para o outro da sala.
— Isso é conveniente demais. Uma história perfeita pra encobrir uma traição.
— Não é uma história! — ela elevou a voz pela primeira vez. — Eu também estou em choque! Eu também não escolhi isso!
— Então por que eu deveria acreditar em você? — ele disparou. — Por que justo agora, quando a gente mal se fala, você aparece grávida?
As palavras doeram mais do que ela imaginava.
— Porque eu confiei em você — ela respondeu, com lágrimas escorrendo. — Porque eu achei que, se alguém fosse ficar do meu lado, seria você.
Rafael parou. O olhar dele endureceu.
— Eu não posso ficar com alguém que carrega o filho de outro homem.
— Você não sabe de quem é — ela rebateu.
— Exatamente — ele respondeu, frio. — E isso já diz tudo.
Ele foi até o quarto e começou a pegar roupas. Patrícia o seguiu, desesperada.
— Rafael, por favor…
— Não — ele interrompeu. — Eu preciso de distância. Quando você tiver provas, testes, qualquer coisa que não seja essa história maluca… aí a gente conversa.
— Você está me abandonando — ela sussurrou.
Ele parou por um segundo, com a mochila na mão.
— Não. Você fez isso sozinha.
A porta bateu com força.
Patrícia ficou ali, parada no meio do quarto, sentindo o vazio se espalhar. O cheiro dele ainda estava no ar. A vida que ela conhecia acabara de sair pela porta, sem olhar para trás.
Ela deslizou até o chão e chorou como não chorava desde criança. Chorou pela perda, pela solidão, pelo medo. Chorou porque, de repente, estava completamente sozinha — com um bebê que não sabia se queria, mas que já existia.
Na manhã seguinte, decidiu voltar à clínica.
Entrou na Vitta+ com passos firmes, apesar do nó no estômago.
— Eu quero falar com o responsável — disse à recepcionista.
Foi levada a uma sala fria, onde uma mulher elegante a aguardava. O sorriso profissional não escondia o desconforto.
— Lamentamos profundamente o ocorrido, Patrícia. A clínica está apurando internamente…
— Eu não quero desculpas — cortou. — Quero saber de quem é esse bebê.
A mulher respirou fundo.
— Estamos finalizando o rastreamento genético. Em poucos dias teremos a identificação do material utilizado.
— Poucos dias? — Patrícia repetiu, incrédula. — Minha vida acabou em poucos minutos. E vocês precisam de dias?
— Entendemos sua angústia — respondeu a mulher. — Mas pedimos discrição. Esse caso envolve pessoas… importantes.
A palavra ficou no ar como um aviso.
Importantes.
Ao sair da clínica, Patrícia sentiu um arrepio percorrer a espinha. Não era só um erro médico. Havia algo maior por trás daquilo.
Naquela mesma tarde, ao chegar em casa, encontrou uma mulher a esperando na portaria. Elegante, postura impecável, olhar frio.
— Patrícia Navarre? — perguntou.
— Sou eu.
A mulher sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos.
— Vim falar com você sobre sua gravidez.
O coração de Patrícia disparou.
— Quem é você?
— Alguém que quer evitar problemas — respondeu calmamente. — Meu conselho é simples: não procure mais respostas. Tenha o bebê em silêncio. Suma por um tempo. Você será recompensada.
Ela estendeu um envelope.
Patrícia não tocou.
— Isso é uma ameaça?
— É uma oportunidade — a mulher corrigiu. — Pense com cuidado. Algumas verdades custam caro demais.
Ela se virou e foi embora, deixando para trás um rastro de perfume e medo.
Patrícia subiu para o apartamento com as mãos trêmulas. Dentro do envelope, havia dinheiro. Muito dinheiro.
Ela fechou os olhos.
Agora não havia mais dúvidas.
Ela estava no meio de algo grande, perigoso…
e não tinha mais para onde fugir.






