LucasA sala do galpão onde eu e Júlio nos encontrávamos cheirava a mofo e ferrugem. A poeira acumulada sobre as janelas e o calor abafado do lugar só deixavam tudo mais sufocante. Mas o que realmente incomodava era o peso da proposta que acabávamos de receber. Sentado numa cadeira velha, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a testa franzida, eu ainda tentava processar tudo que a Luiza tinha dito na noite anterior.— Isso é uma loucura — resmunguei, finalmente quebrando o silêncio.Júlio, que estava encostado na parede com os braços cruzados, soltou uma risada seca.— Loucura? Isso já ultrapassou a linha da insanidade faz tempo.— Ela quer que um de nós assuma a culpa pelo atentado contra o Alexandre. Que a gente se entregue, diga que foi o mandante, que o Augusto não tem nada a ver com isso... E tudo isso por dinheiro.— Muito dinheiro — ele rebateu, endireitando o corpo e vindo em minha direção. — Dinheiro suficiente pra sumir do mapa depois. Viver bem. Sem olhar pra trás.Balanc
JúlioFazia três dias que a proposta da Luiza vinha me atormentando como um parasita enraizado no meu cérebro. Desde aquela noite no galpão, eu e o Lucas não nos falamos mais direito. Ele estava visivelmente perturbado, e eu... eu estava cansado de fugir.Olhei pela milésima vez para o envelope sobre a mesa. Dentro dele, um contrato escrito por um advogado contratado pela própria Luiza. Uma confissão pronta. Uma quantia absurda em jogo. E uma promessa: que quando eu saísse da cadeia, minha vida estaria garantida. Se eu saísse, claro.Peguei o envelope e balancei na mão. Tudo o que ela queria era que eu lesse aquele papel em voz alta diante de um delegado. Que dissesse que agi por conta própria, sem envolvimento do Augusto. Ela cuidaria do resto.Eu já tinha cometido erros demais. Mas não era idiota. Sabia que Luiza estava jogando pesado, e se nenhum de nós topasse, ela poderia simplesmente inventar provas contra a gente. Plantar evidências. Fácil pra quem tem dinheiro e raiva acumulad
LuizaQuando recebi a mensagem confirmando que Júlio havia se entregado, deixei escapar um sorriso. Não um sorriso de alegria, mas de alívio. Eu estava sentada no meu carro, estacionado em uma rua escura, com os vidros fechados e o ar-condicionado ligado no mínimo. Meus dedos tamborilavam o volante com impaciência havia horas. Estava esperando por aquilo como quem espera um diagnóstico terminal — não por medo, mas por fim. Aquele fim significava uma nova etapa, uma abertura estratégica para minha vitória definitiva.— Finalmente... — murmurei, abrindo o celular para reler a mensagem. Breve, objetiva: "Ele foi. Está na cela. Assumiu tudo."Suspirei longa e lentamente, como quem solta um peso do corpo. Não era um alívio completo, mas era o início do fechamento de um ciclo. Júlio tinha feito a parte dele. Ele sabia que, em troca, teria o que eu prometi: dinheiro suficiente para recomeçar em qualquer lugar do mundo, e a garantia de que não seria esquecido. Eu cumpro promessas, principalme
Inspetor ÁlvaroQuando a confissão de Júlio Amaral caiu em nossas mãos, houve um momento de silêncio coletivo na delegacia. Todo mundo sabia que aquilo tinha cheiro de armação. E quando um crime parece redondo demais, é porque tem coisa por trás. Meu instinto não falhava, e dessa vez estava gritando.A primeira coisa que me chamou atenção foi a data da confissão. Coincidia exatamente com o período em que nossas investigações começaram a se aproximar de... Luiza Costa. Irmã da vítima. Mulher do homem que também estava preso por suspeita. Era conveniência demais para ser coincidência.— Eu quero os extratos financeiros do Júlio. Tudo. Movimentações, depósitos, qualquer coisa suspeita nos últimos 30 dias — pedi ao setor de análise, já sabendo que algo viria dali.Dois dias depois, os documentos chegaram. Havia uma transferência vultuosa feita em dinheiro vivo, repassada por uma conta ligada a um fundo controlado por uma mulher chamada Miriam B. Ribeiro. Nome falso. Ao puxarmos o registro
AlexandreO dia amanheceu cinzento, pesado. Havia uma pressão no meu peito que não se dissipava, por mais que eu tentasse focar em outras coisas. Depois do café da manhã com Lara, beijei sua testa e sussurrei que precisava resolver algo importante.Ela me olhou preocupada, mas não insistiu. Sabia que era algo que eu precisava enfrentar sozinho.Entrei no carro e dirigi em silêncio até a delegacia. Cada quilômetro parecia pesar mais do que o anterior. Meu coração batia rígido dentro do peito. Era estranho... durante toda a minha vida, Luiza esteve ao meu lado. Rindo comigo, brigando comigo, crescendo junto. E agora...Agora eu ia encarar minha própria irmã como uma criminosa.Parei o carro em frente à delegacia, respirei fundo e desci. O ar ali parecia mais denso, mais sujo. Como se o próprio ambiente reconhecesse a gravidade do que estava prestes a acontecer.Fui recebido pelo inspetor Álvaro, que me cumprimentou com um aceno breve.— Alexandre, ela está lá dentro. Se quiser, pode fal
AlexandreO tempo passou como um vendaval depois daquela visita à delegacia. Cada dia parecia uma batalha interna, mas também uma redenção. Lara estava radiante com a gravidez, e eu fazia tudo o que podia para manter nossa casa cheia de paz e alegria, apesar das sombras que ainda nos rondavam.Foram meses de preparação, ultrassons, consultas, risos nervosos e sonhos compartilhados. Vimos nosso filho crescer dentro da barriga da mulher que eu amava, e cada movimento dele parecia limpar um pouco mais do passado sombrio que Luiza tinha tentado nos impor.Montamos o quarto do bebê com tanto amor que parecia um verdadeiro refúgio. Lara escolheu tons neutros, delicados, e cada detalhe refletia nossa esperança e nosso amor. Eu me pegava, às vezes, entrando lá sozinho só para olhar o berço, o móbile de nuvens e estrelinhas, imaginando como seria tê-lo em nossos braços.Quando o nono mês chegou, eu já estava dormindo leve. Qualquer suspiro da Lara me fazia saltar da cama. E foi numa madrugada
AlexandreO quarto do hospital estava cheio de uma paz diferente, quase sagrada. Lara repousava na cama, exausta mas feliz, e Miguel dormia serenamente no bercinho ao lado. Eu não conseguia parar de olhar para ele, como se a qualquer momento aquele sonho pudesse escapar entre meus dedos.Foi então que a porta se abriu devagar e Dona Cecília entrou, com Thiago e Júlia logo atrás. Minha sogra segurava um buquê de flores, enquanto os pequenos, com olhos brilhando de emoção, vinham trazendo um ursinho de pelúcia e um balão escrito "Bem-vindo, Miguel".— Meu Deus... — Dona Cecília sussurrou, levando a mão ao peito quando viu o netinho pela primeira vez.Thiago correu até o bercinho, olhando para o irmãozinho como se fosse a oitava maravilha do mundo.— Ele é tão pequeno... — disse, com um sorriso de orelha a orelha.Júlia, mais contida, chegou perto da cama de Lara e a abraçou com cuidado.— Você foi incrível, mana.Lara sorriu emocionada, acariciando o rosto da irmã.Logo depois, meus pai
AlexandreO dia do julgamento de Augusto finalmente chegou. O tribunal estava lotado — jornalistas, curiosos, policiais. Todos queriam ver o desfecho daquele caso que havia tomado conta das manchetes. Eu estava sentado com Lara, que segurava minha mão com força. Meu pai e minha mãe também estavam ali, em silêncio, carregando a dor de ver a família despedaçada por dentro.Augusto entrou algemado, cercado por seguranças. Seus olhos procuraram Luiza no meio da plateia, mas ela não estava lá. Talvez porque soubesse que não havia mais como salvá-lo. Ele parecia menor do que eu lembrava, como se o peso de tudo o que tinha feito estivesse esmagando seus ombros.A acusação foi implacável. Apresentaram provas irrefutáveis: gravações, depoimentos, transferências bancárias, mensagens interceptadas. O promotor falava com convicção, cada palavra era um golpe certeiro. O plano para sabotar o carro, o envolvimento de terceiros, a conexão direta com os ataques contra mim e Lara. Estava tudo lá, escan