AugustoA delegacia cheirava a mofo e tensão acumulada. As paredes manchadas, o som distante de outros detentos sendo conduzidos pelos corredores, e o tilintar das algemas que pesavam nos meus pulsos criavam uma atmosfera que faria qualquer um perder o equilíbrio. Mas eu não era qualquer um. Mesmo algemado, mesmo com o suor escorrendo pelas costas sob a camisa cara, eu mantinha a postura de quem sabia exatamente o que estava fazendo. Ou pelo menos fingia que sabia.Fui conduzido até uma sala pequena e abafada. Um ventilador de teto girava lento, empurrando o ar quente de um lado para o outro. Me fizeram sentar numa cadeira de ferro, algemado à mesa. O delegado Rodrigo me observava com olhos de quem já tinha decidido o meu destino. Ao lado dele, dois investigadores, com pranchetas em mãos e olhares famintos por uma confissão.Meu advogado, o doutor Mauro, entrou logo em seguida. Ajeitou o terno e se sentou ao meu lado. Trocamos um olhar breve. Ele sabia que a situação era grave, mas ai
LaraA notícia da prisão de Augusto chegou como um trovão no meio de uma tarde abafada. Eu estava sentada na varanda com uma xícara de chá morno entre as mãos, tentando controlar os batimentos acelerados do meu coração, quando Alexandre entrou apressado com o celular ainda na mão e o olhar fixo em mim.— Eles prenderam o Augusto. Agora é oficial. Prisão preventiva decretada. Tentativa de homicídio. — Ele parecia calmo, mas eu o conhecia o suficiente para saber que aquela tranquilidade era a camada superficial. Por dentro, ele estava em ebulição.Coloquei a xícara sobre a mesinha de ferro ao meu lado e levei a mão à minha barriga, como se o toque pudesse proteger o que eu carregava dentro de mim daquele mundo de ameaças e incertezas. O gesto, ultimamente, vinha de forma automática. Sempre que o medo surgia, eu buscava o calor que vinha da nova vida crescendo ali.— Eu sabia... — murmurei, tentando engolir o gosto amargo da confirmação. — Eu sabia que ele estava por trás disso. E a Luiz
AlexandreEra fim de tarde quando ouvi a campainha tocar. Estávamos em casa, e Lara havia acabado de deitar um pouco. Ela andava mais cansada nesses últimos dias, o que era esperado pela gravidez. Levantei do sofá, com o coração já adivinhando quem estava do outro lado da porta. Quando abri, vi meus pais: Alfredo e Beatriz.Ambos estavam com semblantes pesados, cansados, e até abatidos. Meu pai, sempre tão firme, estava com as rugas mais profundas, e minha mãe... ela parecia ter chorado no caminho. Deixei-os entrar imediatamente.— Entrem, por favor. A Lara está descansando.Nos sentamos na sala. O silêncio entre nós durou alguns segundos, aquele tipo de silêncio que carrega o peso do que ainda vai ser dito. Beatriz foi a primeira a falar, com a voz embargada:— Filho... você acha mesmo que o Augusto fez isso com você?Eu respirei fundo. Era uma pergunta que eu sabia que viria. E, sinceramente, não era fácil responder, não por dúvidas, mas por tristeza. Porque a verdade é dolorosa qua
LuizaO cheiro da penitenciária era de ferro oxidado e desesperança. Eu odiava aquele lugar. O som das portas de ferro batendo, o eco dos gritos distantes e aquele clima pesado que parecia colar na pele. Mas mesmo com tudo isso, eu estava ali. Porque Augusto precisava de mim. E porque, apesar de tudo, eu ainda acreditava que podíamos sair dessa. Juntos.Passei pela revista, caminhei até a sala de visitas e sentei na cadeira plástica desconfortável que me separava dele por uma mesa estreita. Quando Augusto entrou, eu senti meu peito apertar. Ele estava abatido, os olhos marcados pelo cansaço e a barba por fazer. Mas ainda era ele. O homem que eu amava. E que, por minha causa, agora estava atrás das grades.— Você demorou — ele disse, a voz rouca, mas firme.— Estava resolvendo umas coisas. Mas trouxe boas notícias.Ele arqueou a sobrancelha, desconfiado.— Que tipo de boas notícias?Inclinei-me para frente e abaixei o tom da voz:— Ou o Lucas ou o Júlio vão se entregar no seu lugar.El
AugustoAssim que Luiza saiu da sala, o silêncio caiu como um peso sobre mim. Fiquei sentado ali por alguns minutos, com as mãos entrelaçadas, o olhar fixo na porta que ela havia acabado de atravessar. Aquele beijo que ela me deu ainda ardia nos meus lábios, mas o calor da esperança que ela tentava plantar em mim... não conseguia se firmar.Ela estava maluca. Completamente fora de si. Quando começou a falar sobre pagar para alguém assumir meu lugar, eu já soube que ela ia longe demais. E agora, falar em "dar um jeito" no mecânico? Em provocar uma morte dentro da cadeia? Aquilo ultrapassava qualquer limite de razoabilidade. Era insano.A Luiza sempre foi intensa, obstinada, manipuladora até. Mas também era inteligente. Ou pelo menos, eu achava que fosse. Agora ela estava se deixando levar por uma sede de controle que beirava o suicídio. Estava cavando a própria cova, tentando tapar buracos com mais lama.A parte mais doentia disso tudo era que ela fazia isso por mim. Pelo "nós" que ela
LucasA sala do galpão onde eu e Júlio nos encontrávamos cheirava a mofo e ferrugem. A poeira acumulada sobre as janelas e o calor abafado do lugar só deixavam tudo mais sufocante. Mas o que realmente incomodava era o peso da proposta que acabávamos de receber. Sentado numa cadeira velha, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a testa franzida, eu ainda tentava processar tudo que a Luiza tinha dito na noite anterior.— Isso é uma loucura — resmunguei, finalmente quebrando o silêncio.Júlio, que estava encostado na parede com os braços cruzados, soltou uma risada seca.— Loucura? Isso já ultrapassou a linha da insanidade faz tempo.— Ela quer que um de nós assuma a culpa pelo atentado contra o Alexandre. Que a gente se entregue, diga que foi o mandante, que o Augusto não tem nada a ver com isso... E tudo isso por dinheiro.— Muito dinheiro — ele rebateu, endireitando o corpo e vindo em minha direção. — Dinheiro suficiente pra sumir do mapa depois. Viver bem. Sem olhar pra trás.Balanc
JúlioFazia três dias que a proposta da Luiza vinha me atormentando como um parasita enraizado no meu cérebro. Desde aquela noite no galpão, eu e o Lucas não nos falamos mais direito. Ele estava visivelmente perturbado, e eu... eu estava cansado de fugir.Olhei pela milésima vez para o envelope sobre a mesa. Dentro dele, um contrato escrito por um advogado contratado pela própria Luiza. Uma confissão pronta. Uma quantia absurda em jogo. E uma promessa: que quando eu saísse da cadeia, minha vida estaria garantida. Se eu saísse, claro.Peguei o envelope e balancei na mão. Tudo o que ela queria era que eu lesse aquele papel em voz alta diante de um delegado. Que dissesse que agi por conta própria, sem envolvimento do Augusto. Ela cuidaria do resto.Eu já tinha cometido erros demais. Mas não era idiota. Sabia que Luiza estava jogando pesado, e se nenhum de nós topasse, ela poderia simplesmente inventar provas contra a gente. Plantar evidências. Fácil pra quem tem dinheiro e raiva acumulad
LuizaQuando recebi a mensagem confirmando que Júlio havia se entregado, deixei escapar um sorriso. Não um sorriso de alegria, mas de alívio. Eu estava sentada no meu carro, estacionado em uma rua escura, com os vidros fechados e o ar-condicionado ligado no mínimo. Meus dedos tamborilavam o volante com impaciência havia horas. Estava esperando por aquilo como quem espera um diagnóstico terminal — não por medo, mas por fim. Aquele fim significava uma nova etapa, uma abertura estratégica para minha vitória definitiva.— Finalmente... — murmurei, abrindo o celular para reler a mensagem. Breve, objetiva: "Ele foi. Está na cela. Assumiu tudo."Suspirei longa e lentamente, como quem solta um peso do corpo. Não era um alívio completo, mas era o início do fechamento de um ciclo. Júlio tinha feito a parte dele. Ele sabia que, em troca, teria o que eu prometi: dinheiro suficiente para recomeçar em qualquer lugar do mundo, e a garantia de que não seria esquecido. Eu cumpro promessas, principalme