03
Saí da sala de mau humor. Sentia o sangue ferver nas veias. Sabia que, de certa forma, estava de mãos atadas. O convite era tentador demais para ser ignorado, mas arrogante demais para ser aceito com facilidade.
Papai me olhou com preocupação e perguntou:
— O que houve?
— Aquele seu chefe é um pé no saco. Ele me disse que precisava dos meus serviços porque tem uma viagem marcada para Seul daqui a uma semana. Eu não vou aceitar. — Cruzei os braços, bufando.
Ele suspirou fundo, como se já soubesse que minha reação seria essa.
— Filha, aceita. Aproveita essa oportunidade, ok? Às vezes, o destino se disfarça de desafio.
— Irei pensar — respondi, secamente. — E Bento?
— Foi embora mais cedo. Vamos também.
Gregório olhou para o relógio de pulso. Já passava das dez da manhã. Sem dizer mais nada, chamou um táxi com um sinal para o porteiro da frente.
O trajeto de volta para casa foi silencioso. No banco de trás, eu encarava o envelope com o contrato, ainda em minhas mãos. O nome de Elói estampado no topo da primeira página parecia me encarar de volta. Eu não queria admitir, mas ele tinha mexido comigo. E não apenas profissionalmente.
Na esquina de casa, papai quebrou o silêncio:
— Você sabe que não é só sobre trabalho, não é?
— Como assim? — perguntei, confusa.
— O jeito que ele te olhou... o modo como te escolheu. Não era só por causa do seu currículo.
Fingi não entender. Virei o rosto para a janela, tentando não deixar escapar o leve rubor nas minhas bochechas.
Naquela noite, sozinha no quarto, reli o contrato pela terceira vez. E pela terceira vez, parei nas palavras: “Filial Seul. Acompanhamento direto do CEO.”
Fechei os olhos e suspirei.
Eu estava ferrada. E completamente tentada.E eu não era mulher de ninguém — se fosse o que eu estava pensando, então a situação era ainda mais perigosa do que eu imaginava.
Fechei o contrato e o deixei sobre a cômoda, como se assim pudesse afastar a tentação que ele representava. Mas era inútil. O rosto de Elói vinha à minha mente como uma brisa insistente. O modo como ele me olhou, como falou comigo... com aquela maldita confiança de quem sabe exatamente o efeito que causa.
Levantei e fui até a janela. A rua estava tranquila, o sol já alto, mas minha cabeça era um redemoinho. Não era só sobre carreira. Eu sabia. E era isso que me irritava — estar à beira de aceitar algo que mexia mais com minha pele do que com meu currículo.
Peguei o celular e abri uma nova mensagem. Digitei, apaguei. Digitei de novo. Até que escrevi:
“Seul é longe. Mas talvez o desafio valha a pena.”
Não enviei.
Joguei o celular na cama e desci para a cozinha. Precisava de café, de ar, de qualquer coisa que me tirasse daquele turbilhão.
No caminho, Gregório estava de saída do quarto. Me lançou um olhar curioso.
— Você está bem?
— Não sei. Estou irritada... com tudo. Com esse contrato, pai até comigo mesma...
— Ou com Elói? — ele perguntou, com um sorrisinho.
— Ele é um idiota. Charmoso, poderoso, misterioso... e idiota. — revirei os olhos.
— Um perigo — ele completou.
Assenti. Um perigo. E eu estava, perigosamente, curiosa para me aproximar.
No final da tarde, já de banho tomado, cabelo preso e uma xícara de chá nas mãos, sentei no sofá com o contrato de novo. Mas, dessa vez, com a solução , havia uma mensagem de Elói no celular:
“Tenho uma reunião com investidores amanhã cedo. Quero sua resposta até lá. Se for não, espero que ao menos se arrependa com classe.”
Mordi o lábio. A audácia dele me irritava tanto quanto me atraía.
Respondi sem pensar:
“Vejo você amanhã. E sim, vou de salto.”
Enviei. Sem arrependimentos.
Eu não era mulher de ninguém. Mas talvez estivesse prestes a me tornar a mulher que mudaria o jogo.
Ao anoitecer, mamãe preparou o jantar e me chamou para a mesa com aquele tom carinhoso e firme que ela usava quando queria evitar desculpas. Sentei-me, distraída, mexendo no arroz como se ele fosse capaz de me responder as perguntas que fervilhavam na minha mente.
Mas a verdade era que eu ainda estava pensando nele. No olhar firme, no jeito como dizia meu nome como se já me conhecesse há anos. Em como, mesmo sem encostar em mim, ele já tinha invadido alguma parte do meu equilíbrio.
Foi quando papai me encarou e disse em tom baixo, puxando-me de volta à realidade:
— O que diabos você tem? Já aceitou trabalhar com Elói?
Levantei os olhos devagar e respondi, mordendo um sorriso de canto:
— Hum... sim. Não gosto de quem me desafia.
— Ah — ele resmungou, levando um pedaço de carne à boca. — Então, aceitou só pra provar um ponto?
— Não. Aceitei porque sinto que, se eu não for, vou me arrepender. E porque, no fundo, ele não é o único a gostar de jogos perigosos.
Mamãe lançou um olhar curioso, mas preferiu não perguntar. Ela sempre soube quando deixar que eu resolvesse minhas próprias guerras.
O jantar seguiu calmo, mas minha cabeça não. O que Elói queria de verdade comigo? Por que tanta pressa? E por que, mesmo com todas as razões para recuar, havia algo em mim que queria correr na direção dele?
Depois, no meu quarto, arrumei uma pequena mala com roupas básicas. Não era a viagem ainda — mas eu sabia que, ao aceitar encontrar Elói no dia seguinte, já tinha embarcado numa jornada sem volta.
Antes de deitar, meu celular vibrou. Era outra mensagem dele:
"Se prepare. Eu não costumo ser fácil de lidar. Mas você também não parece ser fácil de derrubar."
Respondi apenas:
"Ainda bem. Eu me entedio com gente previsível."
Apaguei a luz, com um sorriso teimoso nos lábios.
E dormi, pela primeira vez em muito tempo, com a sensação de que algo grande — e perigosamente fascinante — estava prestes a começar.