A primeira manhã de Allegra como artista da série nova começou com cheiro de pão fresco, som de piano vindo do andar de baixo e a luz mais bonita que já entrara pela janela triangular do ateliê.
Ela subiu devagar, como se cada degrau carregasse um tipo diferente de expectativa.
Sobre a escrivaninha, uma caixa pequena de papel kraft.
Dentro dela, dezenas de envelopes — alguns fechados, outros amarelados, outros sem remetente.
Cartas que ela escrevera para si mesma durante os anos com Enzo.
Cartas que nunca teve coragem de ler até o fim.
Outras que vinham desde a adolescência.
Mensagens de amor.
De raiva.
De vazio.
E ali, no coração de tudo, uma carta sem data.
Apenas com um título: “Se um dia você esquecer de quem é.”
Ela não leu.
Ainda não.
Colocou a carta ao lado da tela em branco e respirou fundo.
Hoje começava.
A série Entrelinhas não seria bonita.
Não seria perfeita.
Mas seria real.
— Você vai pintar com base nas cartas? — perguntou Lucca, aparecendo na porta com uma caneca fumega