Isadora tinha passado o dia inteiro cercada por papéis, telas, reuniões e vozes que pediam decisões rápidas como se cada uma delas fosse uma bomba-relógio. Para qualquer outra pessoa, talvez fosse apenas mais uma quarta-feira de trabalho, mas para ela, CEO de uma das maiores empresas de tecnologia do país, cada escolha carregava um peso que poderia mexer com milhares de vidas.
Era exaustivo. Mas também gratificante e foi o que ela nasceu para fazer.
Quando finalmente o relógio marcou quase onze da noite, Isadora desligou o computador e olhou para o reflexo da própria imagem no vidro da sala. O blazer ainda estava impecável, o cabelo preso em um coque firme, a maquiagem levemente borrada após tantas horas. Ela suspirou. Parte dela queria ir direto para casa, afundar-se na cama e deixar o mundo inteiro de lado. Mas havia outra parte, aquela que quase nunca tinha espaço, que queria se permitir apenas existir sem tanto controle.
Foi essa parte que venceu.
Trinta minutos depois, Isadora entrou em uma balada discreta, conhecida por atrair executivos, turistas e alguns aventureiros noturnos. O ambiente era sofisticado, com luzes suaves, música envolvente e o cheiro de perfume caro misturado a álcool refinado.
Ela caminhou até o bar com a postura de sempre: elegante, autoritária, dona de si. Pediu um martíni seco, pousando a bolsa de couro sobre o balcão iluminado. Enquanto o bartender preparava a bebida, ela relaxou os ombros, tentando enganar o próprio corpo cansado.
Mas bastou dar o primeiro gole para sentir algo diferente. Um olhar.
Isadora não precisava confirmar para saber que alguém a observava. Era uma sensação familiar, ela chamava atenção, sempre chamou. Mas ela não sabia que havia algo peculiar naquela vez, não era apenas apreciação. Era o de alguém que tinha acabado de escolher a presa da noite.
— Esse lugar acabou de ficar muito mais interessante — disse uma voz masculina atrás dela.
Ela se virou devagar.
E então o viu.
Henrique, embora ela ainda não soubesse seu nome verdadeiro, tinha a aparência de um homem que nunca passava despercebido. Alto, bronzeado, atlético, cabelo castanho escuro um pouco grande demais, com um sorriso atraente que parecia treinado no espelho e olhos castanhos cheios de ousadia e confiança, mas ela pensou que ele podia ser confiante tendo uma beleza daquelas. Vestia um blazer escuro aberto sobre a camisa social, sem gravata, deixando o visual na linha exata entre desleixado e sedutor.
— Interessante? — Isadora arqueou uma sobrancelha, avaliando-o com aquele olhar que costumava intimidar diretores de conselho.
Ele não se deixou abalar. Ao contrário, inclinou-se ligeiramente para perto dela, com um sorriso preguiçoso.
— Digamos que ainda não tinha encontrado motivo para ficar. Agora encontrei. Acho que estou com sorte essa noite.
Ela soltou uma risada curta, quase cética. Estava cansada demais para joguinhos baratos de sedução, mas, curiosamente, a confiança dele não soava tão barata. Soava atraente.
— E qual é o nome do homem que se sente tão sortudo por me encontrar? — perguntou, brincando com a haste do copo entre os dedos.
— Anthony — respondeu sem hesitar, estendendo a mão.
Ela apertou. O toque dele era firme, quente, e por alguns segundos sustentaram o olhar um do outro. Era como se disputassem silenciosamente quem desistiria primeiro. Nenhum dos dois cedeu.
A conversa deslizou com naturalidade surpreendente. Ele falava sobre viagens a lugares exóticos, sobre vinhos que dizia já ter provado, sobre experiências intensas como se colecionasse histórias ao redor do mundo. Mentiras bem ensaiadas, que caíam de sua boca com fluidez. Isadora, atenta como era em qualquer negociação, percebeu algumas inconsistências, mas naquela noite decidiu ignorar.
Ela não queria ser CEO, não queria calcular riscos, não queria desconfiar. Queria apenas se perder por algumas horas.
Quando ele tocou de leve sua mão, quase como se fosse um acidente, ela não recuou. Quando o beijo veio, inesperado e ousado, Isadora correspondeu. Foi um beijo intenso, com gosto de martíni e vontade de mais. O tipo de beijo que a fez esquecer quem ela era do lado de fora daquela balada.
— Vamos sair daqui? — ele murmurou contra os lábios dela, sem dar tempo para racionalizar.
Ela hesitou por um segundo, lembrando-se de que um caso com um homem desconhecido não poderia ser bom para sua imagem. Mas, naquele instante, não havia imprensa, não havia negócios, não havia família. Só havia ela e aquele desconhecido que parecia capaz de acender faíscas em cada parte do seu corpo. E claro, sua equipe de segurança disfarçada.
— Para onde? — perguntou, num sussurro.
— Tenho um quarto no hotel aqui perto. Mais um drink, mais privacidade… — sorriu com a confiança de quem raramente ouvia um não.
E ela não disse não.
O trajeto até o hotel foi curto. Henrique a guiou com a mão firme em sua cintura, como se já tivesse feito aquilo centenas de vezes. E de fato, já tinha. Para ele, era apenas mais uma noite de trabalho mascarada de prazer.
O quarto era luxuoso, discreto, perfeitamente adequado para encontros como aquele, ele pediu a suíte, nao planejava pagar de qualquer forma. Ao entrarem, ela colocou sua bolsa e celular no criado mudo, ele fechou a porta e se virou para ela com um sorriso quase vitorioso. Aproximou-se, a beijou novamente, mais faminto, mais urgente.
Isadora correspondeu com a mesma intensidade, aquele homem de alguma forma tinha relaxado todo o seu corpo e ela tinha a impressão de que ele poderia relaxar muito mais com ele.
Mas ele se afastou um pouco, ainda sorrindo.
— Você não quer tomar um banho?
A sugestão soou natural. E fazia sentido. Ela estava mesmo suada do trabalho e pelo calor da balada. Quando o pensamento passou por sua cabeça, ela se perguntou se estava fedendo a suor e ele sentiu.
— Talvez seja uma boa ideia — respondeu, com um meio sorriso.
Ele a guiou até a porta do banheiro, acendeu a luz e a deixou entrar.
Isadora tirou as roupas e os sapatos, soltou o cabelo, deixou a água quente escorrer sobre os ombros. O vapor envolveu seus pensamentos, e por alguns minutos ela se permitiu acreditar que aquela noite era apenas sobre prazer, sobre sentir-se viva.
Quando finalmente desligou o chuveiro e enrolou-se na toalha, ajeitando os cabelos ainda molhados, ela sorriu sozinha, imaginando o que viria depois.
Abriu a porta e voltou para o quarto.
Mas o quarto estava vazio. Nenhum sinal dele. Nenhum som no ambiente.
Sua testa franziu em confusão e então seu olhar caiu sobre o criado-mudo. Sua bolsa não estava lá, nem seu celular. Ela olhou ao redor, caminhando apressada pelo quarto. Tudo havia desaparecido junto com ele.
O homem tinha sumido.
E com ele, tudo o que ela havia levado naquela noite.
Isadora parou no meio do quarto, com a toalha ainda presa ao corpo e uma expressão incrédula. Por um instante, sentiu-se estúpida. Ela, que não confiava em ninguém, tinha acabado de ser enganada da maneira mais amadora possível.
Mas, junto à vergonha inicial, uma nova emoção cresceu em seu peito: raiva.
Ele podia ter fugido, podia ter levado sua bolsa, seu dinheiro, seu telefone. Mas não fazia ideia de quem era a mulher que havia escolhido para o golpe daquela noite.
E Isadora Monteiro não era o tipo de mulher que se pode enganar sem pagar o preço.