Aisha desceu até a cozinha. A sede estava deixando sua garganta em carne viva, e os joelhos ainda queimavam. Ela havia passado pomada, mas ardia do mesmo jeito.
No caminho, passou pela grande porta preta do quarto do pai, onde ele dormia com a mulher com quem se casara. Ouviu gemidos. Ela sabia exatamente o que significava. Não era inocente.
Sentiu repulsa… mas, quando já ia virar as costas, uma voz ecoou. Uma voz que ela sabia que jamais esqueceria, nem se vivesse mil anos.
O coração congelou. Ela olhou para os lados, certificando-se de que ninguém estava por perto. Madrugada profunda. Silêncio total.
Movida por um impulso que ela odiou sentir, aproximou-se do buraco da fechadura. Precisava ver. Precisava confirmar, mesmo que o nojo a consumisse de dentro para fora.
Quando seus olhos pousaram na cena do outro lado, o mundo virou ao avesso. Era pior do que qualquer pesadelo.
Ela cambaleou, quase caiu para trás. Levou a mão à boca, sufocando um grito.
Sua madrasta estava deitada recebendo um sexo oral… enquanto Vherla era possuída pelo seu pai.
Ela correu. Só correu.
Na cozinha, encheu um copo d’água e bebeu de uma vez. Aquilo não podia ser real. Beliscou o braço. Não era sonho. Era uma espécie de ritual profano, uma blasfêmia viva.
Vherla. Eles.
O estômago se contorceu e, antes que pudesse impedir, vomitou no chão, apenas água, porque era tudo o que havia no seu corpo.
Respirando fundo, pegou um pano e limpou tudo rapidamente. Ninguém podia saber que ela estava ali. Depois, subiu para o quarto quase tropeçando nos próprios pés.
Há quanto tempo aquilo acontecia? Não tinha ideia. Vherla sempre parecerá fiel a ela. Aisha nunca desconfiou de nada.
Mas agora via o jogo inteiro: Vherla fingia amizade apenas para vigiar seus passos e entregá-los ao pai. E, enquanto isso, eles mantinham aquela relação grotesca… motivo pelo qual ele nunca tocara um dedo nela.
Aisha precisava desaparecer daquela mansão. Se ficasse, morreria como a mãe.
Mas como fugir? Para onde? Ela não tinha habilidades como Cassandra.
A irmã a avisara tantas vezes: não confie em ninguém. E ela, tola, acreditara que pelo menos dentro de casa existia alguém verdadeiro.
Esqueceu-se de que o ser humano se vende por qualquer moeda.
Pegou o celular e começou a pesquisar sobre Artem. Nada. Nenhum registro. Apenas a notícia do desaparecimento da criança, a menina com a mesma condição que ela. Irônico até demais.
A garota sumiu aos sete anos. Acusavam a própria mãe de sequestro.
Aisha mergulhou naquilo por longos minutos, procurando qualquer foto, qualquer pista sobre Artem. Nada.
Desistiu, largou o celular e tentou dormir. Mas rolou na cama a noite inteira.
Quando enfim pegou no sono, acordou com Vherla abrindo as cortinas.
— Desculpe acordá-la, senhorita, mas seu pai pediu para não deixá-la dormir até tarde.
Aisha engoliu seco. Aquela mulher era a pior cobra daquela casa, mas não podia confrontá-la. Não agora. Não enquanto precisava de uma fuga.
Levantou, foi ao banheiro e lavou o rosto. Quando voltou, encontrou um vestido preto, abotoado até o pescoço, estendido sobre a cama.
— O que é isso?
Vherla a encarou. E Aisha, pela primeira vez, enxergou o desprezo ali.
— O senhor Arben pediu que, a partir de agora, a senhorita se vista com decoro.
Aisha quase riu. Como alguém tão podre podia falar de decoro? O pai era a escória da terra, crimes, tráfico, e aquela relação doentia com a esposa e a empregada como se fosse normal, e vinha ditar regras sobre moralidade?
— Não aceito. Tire esse vestido da minha frente.
Vherla suspirou — e isso fez a raiva de Aisha subir ainda mais.
— Senhorita, já disse que precisa controlar esse gênio.
— Me diga, Vherla… você quer que eu vire uma boneca para o meu pai?
A expressão da mulher vacilou. Ela claramente não esperava a pergunta.
— Não, Aisha. Só quero o seu bem.
— Então obedeça minha ordem e leve esse maldito vestido daqui.
Vherla pegou o vestido e saiu.
Assim que a porta se fechou, Aisha correu até o celular e discou o número de Pedro.
— Eu preciso da sua ajuda.
Ele hesitou. Ela ouviu a respiração. No fundo, sabia que ninguém queria se envolver com aquilo.
— Aisha… venha ao endereço que vou mandar. Conversamos lá.
A ligação caiu.
Ela respirou fundo. Pensou no pai. Pensou na mãe. Pensou em Cassandra.
E entendeu que só havia uma saída.
Fugir.
Mesmo que isso significasse entrar no covil do lobo.
E se fosse devorada… ao menos teria cumprido sua missão: descobrir o que realmente aconteceu com sua irmã.