Capítulo 3

Aisha chegou à mansão com o coração em chamas. Correu direto para o escritório do pai faria o que ele quisesse, se ajoelharia, lamberia o chão, qualquer coisa para proteger Vherla.

Empurrou a porta com força. O homem estava ali, limpando as mãos com um lenço branco. Ela soube imediatamente: era sangue.

Ele sorriu.

— Aisha, fico feliz que chegou.

Desgraçado. Aquele sorriso parecia o de um demônio satisfeito.

— Pai, por favor… eu te imploro. Tire a Vherla daquele lugar.

Aisha rezava para que a amiga estivesse viva, que tivesse sido levada apenas para o mesmo depósito onde seu pai punia os que o desobedeciam. Ela conhecia aquele lugar. Já havia sido quebrada lá.

— Assim que eu gosto, Aisha. Bem submissa. É isso que espero de você.

— Pai, eu faço o que quiser. Qualquer coisa.

— Cumpre o seu papel nesta família. Apenas isso. Mas não ache que vai terminar com palavras. Vá até a sala.

Ela estremeceu.

— Não… por favor.

— É isso ou mando a Vherla para você em pedaços.

O ar saiu dos pulmões. Aisha apenas acenou com a cabeça, obedecendo.

Abriu a porta do corredor e começou a caminhar. Ela conhecia cada pedra daquele percurso, era o caminho que levava ao inferno pessoal dela, onde o pai a trancava sempre que precisava lembrá-la do lugar dela no mundo.

O chão era áspero, difícil. Seus pés quase não respondiam. E, quando chegou ao anexo, o coração pareceu querer escapar da caixa torácica.

Homens armados guardavam a entrada. Não disseram nada. Apenas abriram passagem.

Ali estava o prédio que Aisha chamava de Inferno na Terra.

A porta de metal era pesada. Com as mãos trêmulas, empurrou até que cedeu. Um cheiro de sangue e sujeira tomou seu nariz e enfiou-se na garganta como uma faca fria.

O pai apareceu logo atrás.

— Boa menina. É assim que quero você. Ultimamente sua insolência vem passando dos limites. Eu só quero o seu bem.

Ela mordeu por dentro a vontade de chorar.

— Agora solte a Vherla. Eu fiz o que pediu.

— Ainda não.

— O que mais quer de mim?

— Obediência. Você nasceu para isso. Neste mundo, mulheres são moeda de troca. Sua irmã fugiu, e você sabe o destino que ela teve. Agora, cabe a você tomar o lugar dela.

Aisha baixou os olhos.

— Sim.

— Ótimo. Entre. Seu lugar é lá dentro.

Ela encarou a sala, o conhecido abismo que tantas vezes a engolira. O que seria daquela vez?

— Ajoelhe.

No chão, pequenas pedras se misturavam à terra. Quase invisíveis. Mas ela sabia o que aquilo significava.

— Pai… eu não quero.

— Se quer que aquela criada continue inteira, ajoelhe. Não me faça repetir.

Aisha desceu lentamente. Assim que o joelho tocou o chão, a dor explodiu. As pedras rasgaram a pele delicada, penetrando como espinhos de ferro.

Ele atirou uma Bíblia aos seus pés.

— Leia.

Seu pai era o pior tipo de homem: o que cometia atrocidades em nome de Deus.

A voz dela saiu tremida, falhando com a dor que subia pela perna.

— Colossenses 3:20… “Filhos, obedeçam a seus pais em tudo, pois isso agrada ao Senhor.”

— Ficará aqui até cumprir os mandamentos, Aisha. Enquanto isso, vou descobrir como minha doce filha fugiu da minha casa como um ladrão.

Ele se aproximou, passou a mão pelos cabelos prateados dela como se fosse carinho.

Aisha continuou repetindo o versículo. Não era a primeira vez, sempre que ela o afrontava, ele a trazia ali. Vherla sempre dizia para ela controlar o temperamento. Mas agora, Vherla podia estar ferida. Ou morta.

O pai deixou a sala. Assim que a porta se fechou, Aisha se levantou com dificuldade. Os joelhos sangravam em filetes grossos, manchando a pele branca. Aquilo demoraria a sarar.

Encostou-se à parede fria e abraçou a Bíblia contra o peito.

— Por quê, Deus? Por que eu tenho que passar por isso?

Queria uma saída daquele inferno. Queria seguir os passos de Cassandra. Queria viver.

Horas se arrastaram. A luz apagou-se. O ambiente ficou úmido, sufocante. Ela sentiu o corpo falhar, sem água, sem comida, frágil, prestes a desabar.

Passos ecoaram.

Provavelmente o pai, como sempre. Torturava, depois vinha como salvador oferecer a porta de saída. Sem culpa. Sempre culpando Aisha.

A porta se abriu. Ela encolheu o corpo, pequena no canto.

— Pelo visto, pensou no que eu disse. Está na hora de ir. Venha.

Ele estendeu a mão. Se recusasse, voltaria para o chão cheio de pedras.

Ela aceitou. Os joelhos queimaram como álcool em ferida aberta.

Voltaram para a mansão em silêncio. Aisha percebeu o brilho satisfeito nos olhos castanhos do pai, aquela destruição o agradava.

Na porta do quarto dela, ele simplesmente a soltou, como um saco de batatas.

Com esforço, ela entrou e se jogou na cama. Cada parte do corpo doía como se tivesse sido pisoteada por horas.

A porta abriu novamente.

Vherla apareceu, chorando, e correu até ela.

— Senhorita, eu estava desesperada! Pensei que ele tivesse…

Aisha analisou o corpo da amiga. Nenhum roxo. Nenhum arranhão. Nada.

— Eu achei que o papai tivesse feito algo com você.

— Não, senhorita. Ele só me trancou no quarto. Usou meu celular para te ligar.

Aisha sentiu o chão desaparecer. O pai mentiu. Manipulou. Só para vê-la destruída.

— Seus joelhos — Vherla sussurrou, horrorizada.

— Não se preocupe. Vai passar.

Puxou o lençol, escondendo o sangue.

Algo nela apertou. Era estranho, o pai nunca deixava nada escapar. Nunca havia clemência. Mas Vherla estava perfeita… perfeita demais.

— Vherla, estou cansada.

— Claro, senhorita. Vou deixar você descansar.

Aisha ficou sozinha. Cobriu o rosto com as mãos. O corpo tremia. Não queria acreditar que sua amiga pudesse estar envolvida. Era impossível.

Mas naquele mundo, nada era realmente bom.

Nada.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP