Capítulo 6

— Deus tenha misericórdia da minha alma… ela clama pelo Seu nome — murmurou Aisha, ainda de joelhos.

A pequena capela do convento era um daqueles lugares onde ela jamais imaginou estar. Tudo ali parecia silencioso demais, puro demais, o completo oposto da vida que deixara para trás. Pedro havia providenciado tudo. Convencer aquele homem fora difícil, mas agora, finalmente, ela podia dar início ao plano que, para ele, parecia uma sentença de morte.

Enquanto rezava, ouviu duas irmãs cochichando atrás dela.

— A pobre menina… — disse uma delas. — Quando chegou, uma semana atrás, estava em um estado terrível. Os joelhos estavam em carne viva.

A outra suspirou.

— E quem teria coragem de machucar uma menina cega?

Aisha apertou os lábios. Esse papel arrancaria compaixão de qualquer um. E os óculos escuros ajudavam a sustentar essa nova identidade.

— Sofia, está na hora de irmos.

Ela demorou um instante antes de responder. Ainda estava se acostumando ao novo nome.

— Sim, irmã.

A missionária tocou seu braço com cuidado e começou a guiá-la para fora da capela. Aisha caminhava devagar, observando tudo pela fresta dos óculos. O convento era feito de tijolos vermelhos, antigo, com arquitetura europeia. Do lado de fora, uma fina camada de neve cobria o chão, e alguns homens trabalhavam para limpar o caminho.

Ela havia deixado todas as suas roupas para trás. Ali, não poderia haver nenhum indício de que viera de uma família abastada. Agora era apenas uma órfã cujo passado se resumia à doença que levara a mãe.

— Sofia, cuidado. Há pedras no caminho.

Aisha manteve o rosto imóvel. Fingir cegueira exigia toda a sua concentração.

No pequeno quarto onde ficava, sentou-se na cama estreita. Já fazia uma semana que aguardava a visita de Olga, mas a mulher não aparecia. Aisha temia que seu pai a encontrasse antes disso… mas com a ajuda de Pedro, saíra do país com uma facilidade suspeita. Até hoje não sabia como ele conseguira, aquele homem, definitivamente, guardava segredos.

Ela ajeitou o vestido preto que cobria todo o seu corpo. Por cima, usava um casaco antigo dado pelas irmãs, que ajudava a mantê-la aquecida, embora o frio insistisse em atravessar suas camadas. E havia também a ansiedade, aquela sensação constante de que algo estava prestes a desabar.

Quando chegou a hora do jantar, uma das irmãs veio buscá-la. Aisha sentou-se à pequena mesa do refeitório. Ali viviam apenas quatro freiras além dela.

— Deus, obrigada por essa refeição — disse a irmã mais velha, e todas fizeram o sinal da cruz.

Aisha pegou a vasilha com cuidado.

— Sofia, atenção, é sopa — avisou uma delas.

Ela sorriu, tentando parecer desajeitada, como alguém sem visão. Deu algumas colheradas. A sopa estava realmente boa. Pegou um pedaço de pão e o mergulhou no caldo quente.

A irmã mais velha olhou para ela com doçura.

— Sofia, teremos uma visita esta noite.

O coração de Aisha acelerou.

Finalmente.

— Alguém importante, irmã? — perguntou, tentando soar apenas curiosa.

— Sim. Ela sempre vem ao convento fazer doações e orar. Está procurando a sobrinha desaparecida.

Aisha continuou comendo, mantendo a expressão neutra.

— E você, Sofia… não lembra de nada da sua infância?

— Não, irmã. Eu… vivia vagando com minha mãe. Ela faleceu há alguns meses. Antes de morrer, pediu que eu viesse a este convento.

As freiras se entreolharam, comovidas.

— Tão jovem… passou por tanto.

Depois do jantar, Aisha foi levada de volta ao quarto. O coração parecia bater no dobro do ritmo. Deitou-se, tentando controlar a respiração, mas a inquietação só aumentava. Aquela ansiedade seria capaz de matá-la antes mesmo de seu pai.

Pegou o pequeno celular que escondia e enviou uma mensagem para Pedro. Tudo estava seguindo conforme ele havia lhe ensinado.

A resposta veio rápido:

Aisha, tome cuidado. De agora em diante, não confie em ninguém. Sua vida depende disso.

Ela riu baixo.

Não confiava nele.

Não confiava em ninguém.

Confiar demais era a forma mais rápida de morrer.

Duas batidas suaves soaram à porta.

— Sim?

A irmã entrou devagar. Aisha imediatamente colocou os óculos.

— Sofia, desculpe incomodar tão tarde. Lembra que falei da visita? Quero apresentá-la a Olga. Venha comigo.

Aisha se levantou devagar, fingindo insegurança.

— Quer ajuda? — perguntou a irmã. — Você ainda não está acostumada a andar por aqui, e não temos nenhuma bengala para lhe dar.

— Está tudo bem, irmã. Só de terem me recebido já é mais do que eu poderia pedir.

Foram para outra ala do convento. Já era noite, e Aisha percebeu um carro estacionado do lado de fora, um carro de luxo. Homens estavam próximos, armados.

Misericórdia…

Mas ela manteve o rosto tranquilo.

Na pequena sala, uma mulher de cabelos escuros, com alguns fios brancos denunciando o tempo, virou-se ao ouvir seus passos. Os olhos da mulher se arregalaram.

— Sofia? É você?

Aisha não respondeu imediatamente. A mulher começou a chorar.

— Olá, senhora… me perdoe. Eu não lembro do passado. Nós nos conhecemos?

Olga arqueou uma sobrancelha, como se algo não encaixasse, mas a tristeza no olhar falava mais alto.

— Sofia… me perdoe por ter deixado Irina te levar. Eu não consegui impedir.

Aisha sentiu um aperto no peito.

Havia mais naquela história. Muito mais.

— Posso te tocar?

Aisha assentiu.

A mulher se aproximou devagar, quase com medo de machucá-la, e tocou seus cabelos prateados.

— Você está tão linda… posso tirar seus óculos?

Aisha congelou por dentro. Mas manteve a calma.

— Pode.

Olga removeu os óculos com delicadeza e observou seu rosto, como se procurasse algo escondido ali. Aisha manteve o olhar parado ela havia treinado muito para isso.

— Continua igualzinha… só seus olhos mudaram um pouco, mas isso é normal, por causa da sua condição. Me perdoa, Sofia… tudo isso é culpa minha.

Ela não entendia o motivo de tantas desculpas, mas manteve o papel.

— Está tudo bem, senhora.

As freiras estavam com os olhos marejados. Pareciam acreditar que estavam realizando uma missão divina. Pela primeira vez, Aisha sentiu um peso de culpa.

— Sofia, quero que venha morar comigo. Sei que deve estar assustada, mas prometo que nunca mais deixarei nada de mal acontecer com você.

Aisha sentiu um frio percorrer sua coluna.

Aquelas palavras…

Algo nelas parecia estranho demais.

— Sim, senhora.

— Me chame de titia, como chamava quando era pequena.

— Titia — respondeu Aisha, com suavidade.

A mulher sorriu entre lágrimas. Parecia realmente se importar com a Sofia verdadeira.

Uma das irmãs disse:

— Já deixamos tudo pronto, Sofia. Pode ir com a senhora Olga. Ela vai cuidar de você.

— Quando me ligaram dizendo que minha sobrinha estava aqui — contou Olga — eu quase não acreditei. Achei que Irina nunca a deixaria voltar.

— Titia… mamãe morreu. Uma doença a levou. O último pedido dela foi que eu viesse para este convento.

— Está tudo no passado agora. Vamos começar uma nova vida.

Aisha engoliu seco.

Sabia que essa nova vida estava longe de ser fácil.

E que, a partir dali, cada passo seria um risco calculado.

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