Aisha esperou até ver as luzes da mansão se apagarem. Assim que a última janela mergulhou em sombra, ela soube: era o momento certo para ligar para o detetive.
Com a respiração presa no peito, pegou o celular. O número de Pedro foi discado quase sozinho pelos dedos ansiosos. Não deu tempo de chamar duas vezes, a voz masculina atendeu, áspera, mal-humorada.
— Por que está me ligando a essa hora? Você tem ideia do horário?
Aisha sorriu, como quem já esperava aquilo. Era tarde demais, ela sabia. Talvez por isso mesmo tivesse ligado.
— Pedro, sou eu. Recebi o seu recado. O que descobriu?
Uma breve mudança no tom dele entregou surpresa, talvez culpa.
— Ah… senhorita Aisha, me desculpe. Eu tenho novidades, sim. Mas acho melhor conversarmos pessoalmente.
Ela apertou o telefone entre os dedos, sentindo uma pontada no estômago. Se ele evitava falar por ligação, era porque não era algo simples.
— Certo. Me envie o endereço. Só peço que seja um lugar fechado. Você sabe que eu não posso ficar exposta ao sol — nem mesmo com protetor.
— Sim, eu sei. Enviarei tudo por mensagem.
A ligação terminou, e dentro dela, algo queimou: a chance real de descobrir o que aconteceu com Cassandra. As lembranças voltaram como um estalo, a última vez que conversaram.
— Irmã, eu estou bem. De verdade — Cassandra disse. Mas a voz… não convencia.
— Te conheço melhor que ninguém. Eu sei quando você está mal.
— Eu só discuti com meu namorado. Fiquei chateada, mas… vai passar.
Aisha quis acreditar. Forçou-se a acreditar. Só que, a cada ligação, era como se Cassandra se apagasse um pouco mais.
E quando veio o telefonema, o corpo encontrado, sinais de luta, apartamento revirado, Aisha teve certeza. Cassandra não havia apenas morrido: ela fora assassinada. E o responsável era o homem com quem estava se envolvendo.
Ela faria qualquer coisa para encontrá-lo.
E adormeceu com essa promessa pulsando no peito.
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Acordou com Vherla chamando baixinho no quarto.
— Senhorita… você está melhor? Seu rosto ainda está vermelho.
— Estou bem. Aconteceu alguma coisa?
— Seu pai pediu para vê-la.
Aisha respirou fundo. Ele jamais deixava passar a chance de lembrá-la de seu lugar. O ódio dele era antigo, quase rotineiro.
— Senhorita… eu me preocupo com você. Desde que sua mãe se foi, tudo ficou pior.
E era verdade. A mãe era seu escudo. Sem ela, Aisha virou alvo fácil.
Levantou-se, abriu o guarda-roupa e escolheu jeans preto, suéter azul. Penteou o cabelo prateado, colocou as lentes, miopia, astigmatismo, nada incomum na condição dela. Olhou-se no espelho. Não se achava bonita, nunca achou. Um corpo que existia, não encantava.
O corredor estava silencioso, estranho demais para aquela casa barulhenta. Caminhou até o escritório e bateu duas vezes.
— Entre.
O pai estava apoiado na mesa, observando-a com aqueles olhos castanhos que tantos consideravam atraentes. Para ela, não havia beleza.
— Sente-se — ordenou.
Ela continuou de pé.
— Sabe por que chamei você?
— Não, pai.
— Você já tem vinte e cinco anos. Concluí que está na hora de se comprometer.
A voz dela travou. Ele continuou, impassível:
— É uma ordem. Nesta família sempre foi assim. Não se iluda: não me casei com sua mãe por amor.
Aisha já sabia. Amor nunca foi palavra presente naquela casa.
— Pai, eu…
— Mesmo sendo essa menina fraca que nunca me deu orgulho, ao menos poderia servir para algo.
Ela quase riu. Família, palavra bonita na boca de quem venderia as filhas se valesse a pena.
— Cassandra foi um erro. Espero que você não cometa o mesmo. Pode sair.
Aisha deixou o escritório sem olhar para trás. Arben estava decidido há anos. Ela era uma moeda de troca, nada mais.
No corredor, o celular vibrou. Pedro havia enviado o endereço: um restaurante. Não queria jantar. Queria respostas.
Quando voltou ao quarto, Vherla organizava a cama.
— Vou sair esta noite. Meu pai não pode saber, então preciso ser discreta.
— Pode deixar comigo. Serei discreta, como sempre.
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A noite chegou rápida, cobrindo o mundo com o mesmo tom que ela carregava por dentro. Aisha vestiu preto, casaco, botas, e apenas um gloss nos lábios. Nada chamativo. Vherla sinalizou e ela escapou da mansão. Um carro a esperava do lado de fora.
O motorista a observou, curioso. Ela já conhecia esse olhar.
— Podemos ir — disse apenas.
Chegando ao restaurante, o garçom a conduziu até uma mesa onde Pedro aguardava. Muitas cabeças se voltaram para ela, sempre era assim, como se fosse um bicho raro em exposição.
Pedro levantou-se para cumprimentá-la.
— Senhorita Aisha, espero que tenha gostado do ambiente.
Ela apertou a mão dele e sorriu de leve.
— O lugar é ótimo. Agora… o que descobriu?
Ele parecia querer prolongar a conversa, mas ela não permitiria.
— Vamos comer primeiro…
— Pedro. Por favor. Agora.
Ele cedeu.
— Descobri que, nos últimos três meses, Cassandra estava morando com o namorado… em Nova York.
Aisha travou.
— Morando juntos? Ela nunca me contou.
— E tem mais. Depois da morte dela, ele desapareceu. Com o nome que me passou, cheguei em algo maior.
O sangue dela gelou.
— Diga.
— Artem Dragunov. Líder de uma máfia russa. Trinta e três anos. Cruel. Propriedades pelo mundo todo. A família tem um histórico peculiar… procuram há anos uma criança desaparecida.
— Que criança?
— Uma menina com a mesma condição que você. Albina. A mãe dela era irmã adotiva da mãe de Artem. Desapareceu com a menina e nunca mais encontraram.
Aisha manteve o rosto firme. Se pudesse, ela também teria desaparecido.
— Estima-se que hoje essa garota teria vinte e dois anos. Mas diferente de você… ela é cega.
As informações queimaram dentro dela, mas só uma pergunta queimava: por que Cassandra se envolveu com um homem assim?
Pedro suspirou.
— Sinto muito, Aisha. É tudo que consegui até agora.
— Entendo.
Ela se levantou. Ele segurou seu pulso, preocupado.
— Vai embora? O jantar
— Não posso ficar. Se meu pai descobrir, nós dois estaremos mortos. Não estou exagerando.
Ele soltou. E ela se foi.
No carro, o celular tocou, insistente. Aisha atendeu acreditando ser Vherla.
— Aconteceu algo?
Mas não era ela.
— Eu avisei: se me desobedecesse, receberia punição.
O coração dela falhou um compasso.
— Pai… Vherla não tem culpa. Eu pedi que ela me deixasse sair.
Silêncio. Depois, a sentença:
— Tarde demais.
A ligação caiu. Aisha ficou ali, com as mãos trêmulas e um vazio enorme tomando o peito.
Arben havia tirado dela mais alguém que amava.