13. Ele é Meu Heroi

Luciana

Aquele campus à noite ficava completamente abandonado. Era assustador. Não tinha uma viatura da polícia passando por ali.

Meus dedos se entremearam à grama alguns minutos depois. As minhas lágrimas caíram sobre a relva, eu estava muito nervosa. Passei o maior perigo da minha vida ali.

Sentei sobre meus tornozelos, ouvindo as palpitações do meu coração. Segurei meu rosto e voltei a chorar por não sei quanto tempo. O som dos meus soluços foi interrompido por uma voz:

— Luci. — Ouvi. Graças a Deus, era uma voz familiar. Christofer se ajoelhou ao meu lado, sua camiseta tinha uma mancha de sangue que me deixou ainda mais apavorada. Ele me abraçou, despreocupado com seus ferimentos. — Luci, você está bem?

— Chris… — Choraminguei. Afastei-o de mim para analisar aquele corte. Meus dedos tremiam e eu soluçava.

— Não é nada. — Ele me garantiu, segurando meu rosto. — Foi superficial.

Acho que ele não estava mentindo para mim, já que não tinha tanto sangue. Mas, aquela mancha rubra em sua camiseta branca me apavorou. Era o precioso sangue de Christofer ali, e isso me fez sentir culpa, não sei por quê.

— Desculpa! — Chorei abertamente, sem nem tentar secar as lágrimas. — Foi minha culpa, eu não consegui avisar que ele tinha uma arma, eu…

— Luci… — Ele segurou meu rosto com as mãos, olhando diretamente em meus olhos. — Está tudo bem, certo? Não precisa se preocupar comigo. Eu sou treinado para lidar com esse tipo de situação. É você quem me preocupa. Ele te machucou?

Christofer analisou meus membros para procurar algum machucado, já que eu estava congelada. Apenas neguei com a cabeça. Minha blusa tinha arrebentado na hora que o criminoso me puxou, mas não foi o suficiente para me deixar despida.

— Estou bem. — Murmurei, sentindo o abraço forte dele. — Obrigada.

Encostei meu rosto no peito dele e chorei de novo. Senti o cheiro forte de sangue, mas não me importei e acabei me sujando. Como uma forma de acalmar, toquei costas dele com meus dedos gelados.

Finalmente consegui ouvir as cigarras, pois o abraço dele me acalmou. As mãos dele conseguiam ocupar minhas costas completamente, e isso me fez sentir protegida. Além do sangue, senti as batidas do seu coração em meu rosto. Palpitava bem forte, quase agressivamente.

Christofer também tinha medos, apesar de parecer tão destemido. Ele me olhou de novo, preocupado, secou minhas lágrimas com seus polegares e me pegou pela mão para sairmos daquele lugar. Eu invejava a velocidade com que ele se recuperava de qualquer situação e já tomava atitude.

E ele estava certo. Tenho certeza de que era melhor me lastimar longe dali.

Quando chegamos ao carro dele, eu respirei fundo. Senti que ele queria deixar aquele assunto para trás.

— Por que você sumiu? — Ele perguntou, colocando o cinto de segurança e ajustando o retrovisor. — Fiquei te procurando por horas.

— Fui ao banheiro.

— Estava com dor de barriga? Meu Deus, quem passa tanto tempo no banheiro? — Ele indagou, e eu ri, com lágrimas nos olhos.

— Não, né? Bobo. — Eu ri de novo. — Acabei encontrando umas pessoas estúpidas lá e tive uns problemas.

— Você não precisa lidar com essas pessoas idiotas sozinha. — Ele falou, e o tempo de silêncio que se seguiu me fez pensar bastante nessa fala. Ele estava se oferecendo para me ajudar a lidar com meus problemas pessoais? Eu somente assenti e ele suspirou, dando partida no carro. — Eu estou aqui para isso.

Mordi o lábio, nervosa.

A parte mais importante ele estava esquecendo de dizer. Eu não poderia esperar para saber o que aconteceu com aquele louco, eu precisava da resposta.

— O que fez com aquele cara? Quero dizer, você me mandou sair. — Joguei logo o assunto na roda.

Christofer voltou a ficar com uma expressão pesada, mas sabia que fingir que não aconteceu nada estava fora de cogitação. Enquanto olhava à frente, eu vi que ele ficou desgostoso. A pista estava quase vazia e a noite se adensava. Ele pensou um pouco e, finalmente, disse:

— Eu não tenho orgulho de machucar as pessoas. Por mais asquerosas que sejam, não é algo que eu ache bonito. Então, não queria que você visse.

— Ele ainda pode estar por aí. — Lembrei.

— Difícil. — Christofer disse. — Eu quebrei as pernas dele.

Cobri meu rosto, horrorizada. Isso explicava os gritos e estalos que ouvi antes de cobrir meus ouvidos com toda a força que eu tinha. Agora sei por que Christofer não queria que eu visse aquilo.

— Pare o carro. — Pedi.

Christofer arregalou os olhos, assustado com meu pedido. Mas, atendeu sem questionar. Como era tarde e a estrada estava vazia, ele não teve dificuldade em achar algum lugar para parar. Assim que o fez, eu abri a porta, dei alguns passos para fora e meti a cara na grama que ladeava a pista. Vomitei ali mesmo, jogando meus cabelos compridos para trás.

Foi horrível.

Um gosto azedo subiu à minha garganta e, para piorar, Christofer me olhava com uma expressão triste quando voltei. E ficou quieto metade da viagem.

— Luci, está com medo de mim? — Ele murmurou, quando estávamos perto da minha casa. Não ousou olhar em meus olhos nesse momento, estava aflito com a resposta.

— Medo por quê?

— Você sentiu nojo pelo que fiz. — Ele lamentou.

— Eu só sou sensível a cenas de ação. — Comentei, sentindo um gosto horrível na garganta e pegando uma balinha perto do freio de mão. — Você é quem deveria estar com medo de mim. Eu só te meto em confusão. Sou um ímã de problemas, Chris, é melhor repensar se quer continuar na minha vida.

— Eu já pensei. E a resposta é sim. — Ele respondeu, me olhando com seriedade. Eu não estava esperando aquele olhar depois do que ele disse. Acabou soando meio romântico.

Entretanto, ele também não tinha escolha. Os serviços dele já estavam pagos, mesmo.

— Masoquista. — Comentei.

Enfrentamos mais alguns momentos de silêncio até que eu notei que estávamos perto do meu prédio:

— Eu não quero ir para casa agora. — Falei.

— E para onde quer ir? — Ele perguntou. Pareceu aliviado por eu ter quebrado o silêncio.

— Temos que ir ao hospital. Você está ferido. — Exigi, irredutível.

— Não é preciso. — Ele disse. Contudo, bastava olhar para ele e ver que ele claramente precisava de cuidados.

— Sim, é. Eu nunca falei tão sério em toda a vida, Christofer.

— Está preocupada? — Ele deu um sorrisinho inocente.

— É claro. Você está ferido por minha causa. — Falei. — Na verdade, estou agonizando de culpa por você estar assim.

— Não foi culpa sua. — Ele suspirou. — Pensei que estava preocupada porque gostava de mim.

— Eu gosto de você, é por isso que quero levá-lo ao hospital. — Falei e não pude evitar um sorriso. Se ele conseguia me galantear, então não estava tão mal quando a cena mostrava. — Apesar que estou percebendo que você está muito bem.

— Exatamente. Está tarde, Luci. — Ele disse, tirando uma pequena folha da minha blusa, na altura do colo. — Eu vou levá-la para casa e, depois, vou ao hospital.

— Eu quero ir com você. — Insisti.

— Luci… — A mão dele tocou a minha. Senti como era grande e quente, mas também vi a marca avermelhada entre os ossinhos do punho. Apesar de doce e sedutor, ele também sabia agredir com força. — Está tudo bem.

Contudo, o toque quente me fez acreditar que estava tudo bem. Eu acho que não tinha o direito de preocupá-lo mais ainda e nem de interferir na maneira como ele queria resolver as coisas. Aceitei e fui para casa.

Aquele dia foi horrível. Mal dormi pensando em tudo que aconteceu.

Meu travesseiro foi um péssimo conselheiro, mas, feliz ou infelizmente, eu estava cansada o bastante para sentir as pálpebras pesadas e dormir profundamente.

No dia seguinte, eu não fui à aula. Eu estava péssima, e muito preocupada com Christofer. Acordei amargurada e pensando se tudo aquilo na noite passada tinha sido real ou não. Passei em uma lojinha e comprei um celular mequetrefe só para nâo ficar incomunicável depois do que Gustavo fez. Nem um Uber eu conseguiria chamar se não tivesse um meio de comunicação.

Coloquei meu chip no dispositivo e já consegui chamar o chofer. Eu precisava ver como Christofer estava.

E, também, eu queria fugir da faculdade. Aquela garota me empurrou ontem e eu não tinha forças para revidar. Não é porque eu não queria. Eu tinha medo da retaliação que viria depois. As pessoas iam ignorar tudo o que ela fez comigo e dizer que sou rancorosa, dizer que preciso esquecer essas coisas e ser good vibes. Iam dizer que eu perdi a razão.

As pessoas dizem muitas coisas. Elas tentam nos culpar pelo rancor, mas... muitas vezes o rancor nos salva de exposições inúteis a quem é tóxico para nós. O rancor pode ser uma ferramenta útil.

Aprendi na faculdade que você não consegue simplesmente neutralizar alguém que te quer mal somente ignorando. Algumas pessoas têm muita energia para odiar. E nós, muitas vezes, temos pouca ou nenhuma energia para nos defender ou para tentar convencer as pessoas do quanto somos legais.

Eu não conhecia o itinerário de Christofer, então fui fazer uma visita a ele no horário em que normalmente nos encontrávamos. Eram aproximadamente 18h quando cheguei ao seu prédio. O porteiro já me conhecia, e me deixou entrar rapidamente.

Parei à porta de Christofer e refleti. Eu devia estar ali? Eu não queria violar a privacidade dele de modo algum, mas se ele podia me procurar na faculdade, eu também podia procurá-lo em sua casa. Éramos amigos, afinal. Se eu sentia toda a liberdade para visitar Alessandra, por que não poderia visita-lo?

Toquei a campainha e, alguns segundos depois, a porta se abriu.

Christofer estava bem. Ele era normalmente lindo. Usava uma camiseta branca de mangas compridas e uma calça larga. Estava descalço. Vi os dedos do pé dele e as extremidades eram rosadas. Talvez ele estivesse trabalhando, não sei.

— Desculpe visitar sem avisar, mas… Eu queria saber se você está bem. — Murmurei, um pouco tímida.

Ele estava sério e ficou em silêncio. Será que atrapalhei algum encontro dele? Não sei. Agora, me arrependi de não ter avisado.

Christofer largou a porta e me abraçou. Escondeu o rosto em meu ombro, e eu fiquei sem atitude.

— Estou tão feliz que veio me ver. — Ele murmurou em meu ouvido. Seu abraço era muito apertado.

Christofer era muito cheiroso. Muito. O perfume dele dava vontade de beijar seu pescoço. Na verdade, ele era tão lindo que provocava uma sensação estranha que eu nunca senti: vontade de beijar as mãos de alguém. E, por mais que eu tentasse negar, eu senti vontade de beijar os pés dele também.

Apalpei meu rosário. Meu Deus, eu nunca senti isso. O que estava acontecendo comigo?

Vou ler uns salmos quando voltar para casa. Eu não estou me reconhecendo.

— Eu trouxe bombons. — Falei, mostrando o pacote que eu tinha em mãos. Eram chocolates sortidos e artesanais.

Christofer ficou olhando para o pacote em suas mãos, maravilhado.

— Nunca ganhei doces de uma garota. — Ele falou, sorrindo e me puxando para entrar em seu apartamento. — Estou feliz.

— Que bom. — Falei, vendo que ele tinha seus papéis espalhados na mesa. Ele devia estar trabalhando e eu o atrapalhei. — Não vou ficar muito tempo, sei que está ocupado. Só vim ver como está, fiquei muito preocupada ontem.

— Estou péssimo, o médico disse que só tenho mais 6 minutos de vida. — Christofer fingiu um choramingo.

— Engraçadinho. Está aprendendo muito comigo. — Mordi o lábio. Notei que ele olhou para a minha boca quando fiz isso e comecei a querer ficar um pouco envergonhadinha. — Foi ao médico?

— Sim, Luci. — Ele suspirou, se sentando no sofá, emburrado.

Ele não me parecia com vontade de tratar os ferimentos ontem, então duvidei.

— Talvez eu não acredite. — Ergui uma sobrancelha e fui até ele. Christofer ficou um pouco curioso e sorriu quando puxei sua camiseta para ver o ferimento. No entanto, apesar de não ser a pessoa mais envergonhada do mundo, Christofer segurou sua roupa para me impedir de olhar lá dentro e disse:

— Está duvidando de mim, mocinha?

— É exatamente o que estou fazendo. — Respondi, sem soltar o tecido. Mas, não conseguia ver o que queria. Fiquei bem preocupada com o estado dele, seria bom se Christofer tivesse levado a sério o ferimento tanto quanto eu levei.

— Se estiver errada, vai ter que me beijar. — Ele me desafiou.

Ele foi ao médico. Certeza. Ele não apostaria sem esperanças de ganhar. Dei de ombros, o preço a pagar não estava fora da minha alçada. Ele era meu professor de beijos, mesmo.

Quando Christofer soltou a camiseta, lancei os olhos lá dentro e vi como estava feio o machucado. O corte tinha sido grande, apesar de não muito profundo. Foram 10 cm na horizontal. Realmente, tinha pontos ali, e a pele ao redor da fenda estava roxa.

— Acredita em mim agora? — Ele perguntou, vendo que eu ainda estava olhando ali dentro, vasculhando tudo o que aquela camiseta protegia. O peito dele era másculo e forte. Lindo demais, mesmo machucado. Seus músculos eram muito bem desenhados.

— Acredito. — Respondi, engolindo em seco. Quando soltei o tecido, Christofer me puxou pelo pulso e caí sentada em seu colo.

— Ah, eu sabia. — Reclamei e me levantei. Christofer era mais teimoso que eu, e me puxou de novo. Porém, certificou-se de que eu não ia levantar uma segunda vez: envolveu meu tronco com seus braços.

— Eu deveria te punir por duvidar de mim. — Christofer falou em meu ouvido, bem sério. Em outras situações, provavelmente eu teria ficado com medo daquelas palavras, mas, se tratando dele, eu fiquei estranhamente ruborizada. Foi um pouco erótico, eu acho. E sinto que ele estava se controlando muito nesse quesito, suas mãos seguravam minha barriga.

Eu fiquei pensativa. Tinha muitas coisas que eu queria dizer sobre a noite passada, mas que não conseguiria porque estava sentada no colo dele. Christofer era irresistível e sabia disso, a própria existência dele me deixava nervosa. Ele me provocava e me assistia tentando manter a compostura perto dele. Sinto como se fosse seu bichinho.

— O que foi? — Ele perguntou, não sorridente. — Não fica mais nervosa perto de mim?

— Muito. — Respondi. — Mas, agora tem outros sentimentos em evidência.

— Quais? — Ele indagou, surpreso. Olhei em seus olhos, tomando cuidado com as palavras.

— Gratidão. — Respondi. — Eu não sei o que teria acontecido se você não tivesse chegado naquela hora.

Era estranho falar em gratidão sentada no colo de um homem, mas é a realidade.

— Eu tinha medo que pensasse isso. — Ele encostou a cabeça em meu ombro. No fundo, sinto que Christofer é uma pessoa bastante carente.

— É engraçado você dizer isso. — Comentei. — Você parece tão destemido.

— Está enganada. — Christofer suspirou. — Eu tive medo, Luci. Tive medo quando você desapareceu, e fiquei aterrorizado quando vi aquele… — Ele estava hesitante em descrever a cena. Por isso escondeu o rosto, de modo que eu não visse.

— Você é o meu heroi. — Comentei. — Já me salvou pela terceira vez.

Suspirei. Eu ainda estava muito extasiada por senti-lo assim tão perto.

Christofer não estava me enquadrando, como já fez, acho que ele só queria ficar abraçado. Deve ser difícil ser tão bonito, as pessoas o sexualizam e não dão o carinho que ele merece. Pensei em fazer um carinho no rosto dele, mas não tive coragem. Sou medrosa.

A respiração de Christofer em meu pescoço estava me dando sensações diferentes, e eu tive que quebrar o vínculo e me sentar ao lado dele no sofá.

Christofer ficou me olhando, perguntando-se por que me afastei. Naquele momento, tive certeza que éramos amigos. Ele não estava me cortejando ou me beijando e nem nada do tipo. Ele me salvou e confessou o quanto se preocupou comigo. Acho que ninguém nunca me valorizou dessa forma.

Definitivamente, ele é o meu herói.

Mesmo que não desse certo com Otávio, eu certamente acompanharia todos os shows de Christofer. Ele é uma pessoa preciosa que, com certeza, quero ter por perto sempre.

— Acho que vou indo. — Comentei. — Já vi que não mentiu para mim, e que se cuidou corretamente.

— Fique um pouco mais. — Ele pediu, e segurou minha mão. Ah, a maldita mania dele de pegar nas pessoas.

E eu me odeio porque adoro quando ele faz isso.

— Não, eu já estou extrapolando. Já vi você mais do que vi Alessandra essa semana. — Cocei a cabeça.

— E qual o problema disso? — Ele indagou, curioso.

— Todo problema. Você tem suas coisas a fazer, tem seu trabalho.

— Mas, eu prefiro ter companhia. — Ele disse e suspirei. Christofer era uma pessoa solitária? Outrora essa hipótese me pareceria um absurdo só de pensar, mas agora fico a pensar.

— Você não vai se encontrar com ninguém hoje? — Perguntei, e ele negou com a cabeça lentamente.

— Por que acha que eu me encontraria com alguém? — Ele perguntou, bem curioso com a resposta.

— Porque... sei lá, não? — Fiz uma expressão confusa. — Homens são assim, eles sempre estão com alguém em mente. Ainda mais caras bonitos com você.

— De fato, eu tenho alguém em mente. — Ele me olhou e mexeu deslizou dois dedos pelos fios castanhos. E eu estremeci.

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