O caminho para casa é tortuoso, para dizer o mínimo. E não apenas pelas trilhas sinuosas ou pelo cansaço acumulado, mas principalmente porque tivemos que ir arrastando um estorvo. Realmente um estorvo. Quando ameacei esse maldito alfa, não sabia que ele era o pai da Zoe. Caso contrário, teria matado. Que desgraça. Ele anda com um ar presunçoso irritante, como se tudo fosse uma grande piada particular. E talvez, na cabeça dele, seja mesmo. — Se eu pudesse, arrancava o pescoço dele — mando mentalmente para o Lord. — Arrancar o pescoço? Isso é pouco para o que quero fazer com ele — ele responde, com aquele tom calmo que sempre precede ideias absurdamente violentas. — Talvez desmembrar e moer os restos, porém o manter vivo o suficiente para ele comer. É nessas horas que lembro o quanto meu amigo pode ser criativo quando está com raiva. Mas não o julgo. Pelo contrário. — Ainda vai ser pouco pelo que ele fez com a minha parceira — completa. E é esse o ponto. Tudo o que esse m
— Onde vamos enfiar esse traste? — Zoe pergunta, ajeitando o casaco enquanto encara o pai caído.— Cela do fundo da caverna — respondo. — Aquela com cheiro de mofo e uma goteira que parece tortura sonora.— Perfeito — ela murmura. — Mais poético que ele merece.Lord solta um resmungo de aprovação e pega o alfa pelo colarinho como se fosse um saco de lixo. Literalmente.— Eu até pediria ajuda, mas esse aqui é leve pra tanto ego inflado — ele comenta, com um leve sorriso cínico.Gabi caminha um pouco à frente, abrindo caminho com a elegância de quem sabe que está carregando a arma mais importante de todo o continente na bolsa, entre um tônico anti-inflamatório e um frasco de óleo de lavanda.Chegamos à cela. A porta de ferro enferrujado range alto quando Alex a abre. Lord arremessa o alfa lá dentro com um barulho seco que ecoa nas paredes de pedra.— Bem-vindo à sua suíte presidencial — digo. — Vista com paredes de rocha natural e sons ambiente de gotas caindo eternamente.Zoe bate duas
Lívia fez questão de repassar tudo que ocorreu enquanto estávamos fora. A organização do Fisp está perfeita, melhor impossível.Minha amiga sabe cuidar muito bem de um evento, e está preparada para ser coroada como melhor organizadora da alcateia.Lord está apoiado na parede com a minha mãe em seus braços. O chá que ele fez estava ótimo e o bolinho que minha mãe fez, ainda melhor.— E o prisioneiro?— Está sendo monitorado. Quero passar lá ainda hoje com a adaga para mostrar alguns pontos importantes pra ele. — Alex fala.Se eu não o conhecesse até acreditaria, porém o conheço. Tão bem quanto me conheço.Então entendo suas palavras como “vou dar uma surra nele antes de decidir alguma coisa”.Bem, só precisamos dele vivo, não é mesmo?— Tem um tônico que quero fazer, conhecido como tônico da verdade. Vai fazer ele abrir a boca, mas preciso de um prazo de dois dias. — Gabi aparece do nada, equilibrando uma bandeja com mais bolinhos e um vidrinho cor de âmbar já rotulado com um adesivo e
Do lado de fora, Liz e Lord ainda estão juntos, e a cena é até bonita. Minha mãe parece mais leve, mais presente, e Lord… bem, ele está tentando parecer desinteressado enquanto segura delicadamente uma xícara de chá com os dedos, como se não fosse um lobo enorme capaz de esmagar crânios.— Então você faz chá, mata traidores e cuida de senhoras? — Lívia comenta passando pela varanda.— Multitarefas. — Ele responde sem levantar os olhos.— Um homem completo.— Um lobo completo. — Ele corrige, e minha mãe sorri deixando um beijo suave em seus lábios.A tarde vai se arrastando. Em algum momento, Alex, Gabi e eu voltamos pra parte interna da casa. Nos sentamos no sofá enquanto Gabi revira a bolsa em busca de alguma coisa.— E a adaga, Gabi?— No fundo da bolsa — ela responde. — Entre os tônicos de dormir e o de encolher verrugas.— Perfeito — murmuro. — Nada como um artefato milenar guardado entre um antisséptico e um hidratante mágico.— Organização é tudo — ela retruca. — E antes que per
O bolinho da minha mãe ainda tá no meu prato, uma metade esquecida entre goles de chá e conversas abafadas. — Ele tentou cuspir no chão da cela — comenta Lord, com a sobrancelha arqueada e uma expressão que mistura nojo e diversão. — Errei a mira e joguei água fervendo na perna dele. Uma pena. — Uma pena mesmo — digo, saboreando mais um gole do chá. — Devia ter acertado a cara. — Isso seria uma ofensa à água fervendo — completa Gabi, sentando-se ao meu lado com a elegância de quem guarda uma adaga entre frascos de hidratante e tônicos explosivos. Alex não diz nada. Está com os olhos fixos na fogueira, a mandíbula travada. Eu o conheço o suficiente pra entender que está se contendo. Que se deixasse, já teria voltado naquela cela e enfiado a adaga milenar em algum lugar bem doloroso — só pra ver se o sujeito falava alguma coisa. — Dois dias — Gabi fala, como se estivesse lendo os pensamentos dele. — E prometo que ele vai falar tudo. Alex assente com a cabeça, mas não responde
Ele fecha os olhos por um segundo quando meus dedos tocam sua pele. O calor do toque dele é o suficiente para aquecer até onde o frio da noite ainda insiste em se esconder em mim.— Sua mãe parecia mais leve hoje — ele comenta, os olhos ainda fechados, voz baixa. — Como se parte do peso que ela carregava tivesse ficado no caminho de volta.— Acho que foi ver o Lord ali, todo desajeitado com o chá e os bolinhos.— Ele realmente tentou impressionar ela. Foi quase… fofo.— Quase. — Rio baixinho, encostando minha testa na dele. Isso é tão, ficar ao lado dele.Depois do cio sinto que estou mais próximo dele, sempre sobre sua pele. E ele sobre a minha.Minha loba gosta, ela tem vontade de correr ao seu lado o tempo todo, mesmo que não tenhamos conseguido fazer muito disso ultimamente.Alex segura meu rosto com as duas mãos agora, e os olhos dele me estudam com tanta calma que por um segundo o mundo parece mesmo ter parado. Amor fica tão claro neles. Tão fácil de ver.— Você é tão forte, Zoe
O sol mal começava a despontar no horizonte quando bati na porta da cabana da Gabi, ainda meio zonza de sono e enrolada no moletom do Alex, que agora era praticamente meu uniforme. O cheiro de ervas fortes já invadia o ar, e não precisei de mais do que alguns segundos para perceber que ela já estava no modo “bruxa laboratorial”.— Entra logo antes que as folhas peguem umidade! — Gabi chamou lá de dentro, sem nem olhar.Obedeci, fechando a porta atrás de mim, e encontrei minha amiga debruçada sobre uma mesa abarrotada de frascos, pós coloridos e pedaços de raízes tão estranhos que eu preferi nem perguntar.— Sabe que isso aqui parece cenário de um daqueles filmes de bruxa dos anos noventa? — comentei, me aproximando.— Fico ofendida. Eu sou bem mais estilosa que aquelas bruxas de filme — ela retrucou, ajeitando uma mecha rebelde do cabelo com o cotovelo, já que as mãos estavam ocupadas misturando um líquido roxo num caldeirão pequeno.— Estilosa é uma palavra forte — provoquei, receben
Ela estendeu a tigela na minha direção. Hesitei um pouco, mas coloquei minhas mãos sobre as dela.— Fecha os olhos — ela instruiu, suavemente.Fechei.— Agora pensa nele. No que você quer saber. No que precisa entender.Respirei fundo e deixei as imagens virem: meu pai. Seu rosto endurecido. A adaga desaparecida. Minha mãe, diante da fogueira, me olhando como se carregasse todo o peso do mundo nos ombros.Eu precisava da verdade. De todas as verdades.Senti uma leve vibração sob meus dedos, como se o próprio ar dentro da tigela tremesse.— Isso — Gabi murmurou. — Continua.Me concentrei mais. Vi flashes do que tínhamos passado: a viagem até Talos, o choque, a raiva de Alex, o olhar de Lord. O riso de Gabi, mesmo nos piores momentos. O abraço da minha mãe. O calor do moletom de Alex. A certeza de que eu não estava mais sozinha.A tigela começou a brilhar com uma luz pálida, dourada.Gabi abriu os olhos primeiro e sorriu.— Tá pronto.— Uau — soltei, abrindo os olhos devagar. — Isso foi