O cheiro dela.
Forte. Viciante.
Está me deixando louco. Transtornado.
Na forma humana, ainda consigo conter meus instintos. Agora? É impossível. Meu lobo ruge dentro de mim, exigindo que eu me aproxime, que tome o que é meu. Mas não posso. Preciso lembrar por que não podemos tê-la, por que devemos protegê-la até de nós mesmos. Mas de nada adianta. Minha fera já decidiu. Ela nos pertence. E vamos tomá-la.
O aroma dela se espalha pela floresta densa e escura, infiltrando-se em cada fibra do meu ser. O ar da noite está carregado, pesado, e a lua cheia brilha entre as copas das árvores, testemunha silenciosa do que está prestes a acontecer. Meu corpo se tenciona.
Rosno. Ciúmes. Ódio.
Não sou o único alfa aqui. Não sou o único que sente esse perfume intoxicante. Outros o percebem. Outros o desejam. Mas ela é minha. Sempre foi. Sempre será.
O instinto me guia. Meus pés se movem antes mesmo que eu perceba. Avanço sem hesitar, rompendo galhos e folhas secas pelo caminho, até encontrá-la.
Ela está na clareira, banhada pela luz prateada da lua, os cabelos escuros contrastando com a pele pálida. Tão escuros quanto minha pelagem. Seu vestido branco está sujo de lama, grudado ao corpo pequeno e delicado, como se pertencesse àquela terra, como se tivesse sido moldada por ela. Mas o que me prende, o que me faz esquecer até mesmo de respirar, são as marcas em sua pele.
Minhas marcas.
Gigantes. Brilhantes. Expostas.
Ela é minha.
Seus olhos encontram os meus, e a conexão explode entre nós como um raio rasgando o céu. A eletricidade dança em cada nervo do meu corpo, queimando, exigindo.
Então ela grita.
Um som alto, desesperado, que ecoa na floresta e me fere mais do que qualquer lâmina. Suas marcas ardem em um vermelho incandescente, pulsando como se tivessem vida própria. Ela estremece, o corpo pequeno curvando-se sob a dor. Está sentindo.
— Por favor… — sua voz falha, um pedido fraco, trêmulo. — Me toque.
Minha transformação é instantânea. Ossos se realocam, músculos se contraem, minha pele queima até que a forma humana retorne. Quando ergo o olhar, vejo seus olhos arregalados, surpresos, hesitantes.
O que esperava? Nunca tive reclamações sobre minha aparência.
Dois metros e oito. Cabelos negros como a noite. Olhos verdes, predatórios. Minha presença preenche o espaço entre nós, sufocante, inescapável. Ela sente. Ela sabe.
Minhas mãos encontram seus braços, deslizando pela pele quente.
Minha.
— Está insuportável… — ela ofega, os lábios entreabertos. — Por favor.
Percorro seu corpo com as mãos, os dedos marcando seu calor febril. Não é suficiente. Quero mais. Preciso mais.
— Encoste em mim. — Minha voz sai grave, rouca. Ordeno. E puxo-a contra meu peito.
Ela cede.
E meu lobo ronrona de prazer.
Nossa. Nossa. Nossa.
Ela é minha fêmea. Meu destino. Meu instinto.
— Precisamos ir — sussurro contra seus cabelos, inalando seu perfume. Preciso de um lugar onde possamos ficar a sós. Onde possa conhecê-la melhor. Onde possa explorar cada toque, cada suspiro, cada centímetro dessa pele marcada para mim.
— Está quente demais… — ela geme, e o som me rasga por dentro, incendiando tudo.
Meu sangue ferve.
— Vou esfriar você.
A pego nos braços e, em um movimento ágil, me transformo. Meus músculos expandem, minha pelagem negra cobre minha pele, e em segundos estou em minha forma mais primitiva, mais selvagem.
— Segure firme.
Ela obedece sem hesitar. Suas mãos mergulham na minha pelagem espessa, os dedos deslizando entre os fios macios, e o simples toque faz meu controle vacilar. Ela me acaricia. Meu lobo ronrona, satisfeito, enlaçando-a em um instinto protetor e possessivo.
A viagem é longa, mas não diminuo a velocidade. Corro o mais rápido que posso, atravessando quilômetros de floresta densa, sentindo o peso do destino em minhas costas. Minha alcateia me espera. Meu povo. Meu lar.
A Aldeia do Norte.
Próspera, protegida, intocável. Nosso território é banhado por riquezas, minérios valiosos correm sob nosso solo, abençoados pela Deusa da Lua. Nosso desenvolvimento começou antes dos outros. Somos os primeiros em tecnologia, inovação, sempre um passo à frente.
Diferente da alcateia dela.
O Sul.
Atrasados. Retrógrados.
Tentamos manter a paz, mas seus costumes são arcaicos, sua fé cega na tradição beira a estupidez. Eles rejeitam o que a Deusa nos deu. Espero que minha fêmea não se importe com minhas opiniões sobre sua antiga casa. Nem com o pouco contato que quero que ela tenha com sua cidade natal.
Mas, por ora, nada disso importa.
Ela dorme colada em mim, o corpo pequeno moldando-se ao meu, a respiração quente contra minha pele. Meu lobo ronrona em pura satisfação.
Ela está aqui.
Comigo.
E assim que cruzamos os limites do meu território, lanço um uivo para o céu noturno, convocando minha alcateia, anunciando ao mundo:
Minha fêmea chegou.
Minha ômega está em casa.
Minha companheira.
Que guiará nosso império.
Ao meu lado.
Mas nem mesmo o calor dela contra mim pode afastar a profecia que assombra meus pensamentos.
E o medo que sussurra que, para tê-la, posso ser obrigado a perdê-la.