Dante Tavares
O céu acinzentado de Serra das Águas parecia anunciar o caos que meu dia já havia se tornado. Meu jatinho particular fora desviado por causa de uma tempestade, e o aeroporto de Belo Horizonte estava um pandemônio. Acionei minha equipe, pedi silêncio, discrição e uma reserva em algum lugar que me permitisse respirar longe dos Tavares — pelo menos por essa noite. A última coisa que eu queria era lidar com as chantagens emocionais da minha cunhada, ou com as cobranças veladas do meu irmão mais velho.
O nome do hotel era Golden View Boutique, na parte mais alta da cidade. Luxuoso, silencioso, elegante, do jeito que eu gostava, já não tinha as contas daquele lugar a anos. Entrei de óculos escuros, camisa preta semiaberta no peito. O cansaço dos últimos dias estava me esmagando as costas. Negócios em São Paulo, uma crise envolvendo meu nome em uma fusão mal explicada, escândalos que precisavam ser abafados. Eu só precisava de uma noite. Uma cama, um banho quente e silêncio.
A recepcionista me olhou com aquele ar profissional demais, como se quisesse disfarçar um julgamento implícito. Me entregou o cartão-chave do quarto sem sequer me desejar boa noite. Estranhei. Mas ignorei.
Subi. O corredor do oitavo andar estava mergulhado numa penumbra elegante. Tapetes grossos, aroma de lavanda no ar. O quarto era amplo, com uma cama king-size, lençóis perfeitamente esticados, luzes de cabeceira acesas em tom âmbar. Eu estava pronto para me jogar naquela cama e esquecer que o sobrenome Tavares pesava tanto.
Mas, assim que abri a porta, escutei a voz.
— Apagar a luz…
A voz era feminina, suave, mas firme. Como um pedido ensaiado. Fiquei parado por um segundo, tentando entender se era um trote, uma armadilha, ou só o meu cansaço me pregando peças. Não vi seu rosto, só suas costas. Ela estava de frente para a janela, os cabelos pretos escorrendo pelas costas, o corpo envolto por um sobretudo prestes a cair.
— Você…? — Tentei perguntar, mas parei.
— Por favor, não diz nada só...— Ela pediu.
A curiosidade me venceu. Apaguei a luz.
O que se seguiu parecia um sonho turvo, pela musica sem voz, abafado pelos cheiros, pelas sombras e pela respiração entrecortada dela. A mulher tirou o sobretudo como quem se desfaz de um segredo, e o que revelou por baixo era simplesmente… luxúria pura. A saia vermelha em couro colava na pele como um convite indecente, o top afundava entre os seios, deixando claro que ela sabia o que estava fazendo.
Ela começou a dançar. Sensual, provocante, lenta. Cada rebolado me deixava mais hipnotizado. O quarto, agora envolto na penumbra, se transformava em um palco privado, e eu — exausto, estressado, com a cabeça cheia de ruídos — fui tragado pelo silêncio que ela trazia.
Ela se aproximou, subiu em meu colo como se aquele lugar fosse dela por direito. Seus quadris rebolavam sobre minha calça como se soubessem exatamente onde tocar, quando apertar. Eu não disse uma palavra. As mãos dela invadiram minha camisa, abriram botão por botão. Meus músculos tensionaram sob seu toque.
— Você tá gostando...? — ela sussurrou no meu ouvido, roçando os lábios no meu pescoço antes de chupar com intenção, como se quisesse deixar uma marca.
— Sim — Mal consegui responder.
Era como se aquela mulher desconhecida tivesse o mapa do meu corpo. Eu não transava com alguém há meses, e o que vivi com ela foi além do sexo: foi um exorcismo. Como se ela tirasse de mim toda a amargura, a exaustão e as dores que eu carregava.
Ela sentou em mim, me provocou até me deixar duro como pedra, depois subiu e desceu com um controle que beirava a crueldade. Seu prazer parecia sincero, e o meu… inevitável, me chupava como se eu fosse algo bem doce, bem gelado num calor insuportável no deserto, e quando eu senti a sua boceta quente.
O gozo veio com um grunhido abafado na garganta. Eu fechei os olhos, pressionando seu quadril contra mim como se ela fosse minha âncora, até cairmos contra a cama, os seus olhos escuros se abriram como duas onix, ela era linda, seus traços finos bem marcados, a sua boca pequena como quem pedia um beijo a cada segundo, somente por sua existência, ela me observou tempo o suficiente para me fazer recuperar o juízo.
Mas então, num movimento brusco, ela se afastou. Pulou da cama como se tivesse acordado de um transe. Ficou de pé, ofegante, os olhos arregalados, os braços cruzando o peito nu em um gesto de vergonha — ou talvez pavor.
— O que você está fazendo aqui?! — ela perguntou, a voz embargada, quase rouca. — Esse não é o… Meu Deus.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela correu até o chão onde havia jogado o sobretudo. Vestiu com pressa, sem olhar pra mim.
— Espere, me escuta… — levantei da cama, tentando alcançá-la, confuso, ainda processando o que havia acontecido.
— Não! — ela rebateu, erguendo a mão como uma barreira invisível. — Isso foi um engano! Um grande engano.
E então saiu, descalça, de cabelos bagunçados, com a vergonha grudada na pele como perfume.
Fiquei parado. Nu. Sem entender o que diabos tinha acabado de acontecer. Olhei para a cama. Os lençóis amarrotados, meu peito ainda arfando. A pele dela ainda quente na memória.
Eu não sabia seu nome. Não sabia por que estava ali. Mas sabia de uma coisa.
Aquela mulher… havia me dado algo que eu não sentia há anos. Tesão de verdade. Entrega. Um prazer que ia além do físico.
E ela fugiu. Me deixando com mais perguntas do que respostas. E uma certeza crescente:
Eu precisava vê-la de novo.
A água quente caía com força sobre meu corpo, escorrendo por cada músculo tenso, como se pudesse lavar as marcas que ela deixou. Mas não lavava. Fecho os olhos e tudo volta: o som abafado dos gemidos dela, a forma como seus quadris se moviam como se pertencessem à noite, não ao mundo real. A respiração arfante, o gosto da pele no meu lábio, o cheiro de perfume adocicado misturado à provocação do couro vermelho que ainda me queimava a retina.
Mas o que me corroía por dentro não era o prazer.
Era a forma como ela fugiu.
Ela olhou pra mim como se eu fosse um intruso. Como se eu tivesse cometido um crime por estar ali, naquela cama. Como se tudo que vivemos tivesse sido... errado. E isso me incomodava. Eu não era um homem que costumava ser deixado assim. Muito menos por uma mulher que gemia meu nome segundos antes de me olhar como se eu fosse o diabo.
Passei as mãos no rosto, esfreguei os olhos sob o jato da água e respirei fundo. Era apenas uma mulher, eu repetia a mim mesmo. Só mais uma noite, um engano. Mas meu corpo não concordava. E minha mente, menos ainda.
Na manhã seguinte, vesti uma camisa branca dobrada nos punhos, calça social escura e sapatos italianos. Cabelos levemente molhados, barba por fazer. Apanhei meus óculos escuros e a pasta de couro que levava sempre comigo.
Quando desci para fazer o check-out, meus olhos foram direto para a recepção. Parte de mim, idiotamente, esperava vê-la ali. Quem sabe de novo, de vermelho, cruzando o saguão como uma miragem latejante da noite anterior.
Mas em vez disso, encontrei algo que me fez endurecer por completo — e não no bom sentido.
— Tio Dante?
A voz veio hesitante, e quando virei, lá estava ele. Enzo Tavares. Meu sobrinho.
Estava elegante demais para uma manhã qualquer. Camisa social azul clara, calça de linho, aquele sorriso culpado que ele sempre usava quando sabia que estava onde não devia — ou com quem não devia.
— Enzo — respondi com uma sobrancelha erguida, retirando os óculos. — Que agradável surpresa.
Ele tossiu, ajeitando a gola como quem tentava ganhar tempo.
— Eu… eu não sabia que você estava na cidade.
— Nem eu — retruquei, seco.
O silêncio entre nós pesou. E foi então que percebi: ele parecia nervoso. Mais do que o normal. Olhava para os lados, como se procurasse alguém — ou temesse que alguém o visse comigo.
— Bom — ele pigarreou —, agora que você tá aqui… vai ser bom, sabe? Todo mundo sentiu sua falta.
Eu revirei os olhos mentalmente.
— Não vai dar pra escapar dessa vez, é? — murmurei, mais pra mim do que pra ele.
Enzo forçou um sorriso e, de repente, tirou um envelope do bolso do paletó. Era creme, com uma fita dourada amarrando-o com delicadeza. Eu o encarei sem estender a mão.
— Convite? — perguntei, já adivinhando a resposta.
— Vou me casar, tio.
A frase caiu como chumbo nos meus ouvidos. Ele parecia animado, mas o olhar dele ainda trazia uma sombra de desconforto. Como se algo ainda não estivesse certo.
Peguei o envelope sem romper o lacre. Apenas o segurei entre os dedos.
— Com quem?
— Com a mulher da minha vida. — sorriu, mas seus olhos vacilaram por um segundo. — Você vai gostar dela, tenho certeza. Ela é incrível.
Incrível.
A palavra ecoou dentro de mim enquanto uma suspeita lenta, de que incrivel dele, não fosse para mim.
Enzo continuava falando, mas eu já não o ouvia. As imagens da noite anterior invadiam minha mente com força. O vermelho. Os cabelos pretos. A forma como ela sussurrava. A forma como ela fugiu.
Minha garganta secou, quem era aquela mulher?
— Quando? — perguntei, tentando parecer neutro.
— Semana que vem. No sítio da família, vai ser íntimo. Minha mãe está enlouquecida com os preparativos… e bom, meu pai quer que você vá, nem que seja por poucas horas.
Assenti devagar, tentando manter o controle.
— Claro. Não perderia por nada. — Disse ao garoto que sorriu.
A mentira saiu suave. Mas por dentro, meu corpo inteiro latejava de um jeito que não acontecia há anos. Porque uma dúvida se enraizava em mim. — Por acaso, você dormiu aqui esta noite?
Perguntei, mas Enzo apontou para si, negando. — Eu? — Olhou para trás receoso. — Não, tio, porque? Dormi na minha noiva, sabe como é... — Coçou atrás da orelha tentando se explicar.
— ...vamos nos casar em breve, né e...
— Já entendi, garoto, era apenas uma duvida.