Capítulo 8 — O Colapso

Ele observou a multidão à frente — funcionários da escola misturados a membros da Organização —, o caos burocrático crescendo em vozes e gestos desordenados.

Arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços com aquele ar de calma calculada.

— Hm… parece que o caos administrativo resolveu se adiantar à sua chegada. — comentou, o sorriso de canto aparecendo. — Um gesto de boas-vindas bastante previsível, se me permite dizer.

Deu um passo à frente, inclinando-se levemente na direção dela.

— Não se preocupe. — o tom era calmo, quase reconfortante, mas o toque provocador permanecia — Eu conheço este lugar como ninguém.

— Pelo menos o suficiente para te guiar até o dormitório sem que percebam que está sendo disputada por duas organizações ao mesmo tempo.

O sorriso se curvou um pouco mais.

— Então, professora Borh… pronta para uma entrada sorrateira no seu novo território? Prometo que ninguém vai notar a sua chegada — se me seguir.

Yaskara sentiu um desconforto súbito nas mãos — o frio subindo pelos dedos, tornando-os azulados. Fechou-os com cuidado, escondendo-os sob as mangas, antes de responder:

— Sim. Vamos rápido.

Voss notou o leve tremor, a rigidez dos movimentos — sinais discretos, mas claros.

O sorriso permaneceu, embora os olhos perdessem um pouco da leveza.

— Certo. — disse firme, sem mudar o tom — Vamos ser rápidos.

Deu um passo mais próximo, oferecendo discretamente o braço.

— Fique perto de mim e tente não chamar atenção. — murmurou, o olhar percorrendo o ambiente, calculando cada ponto cego da multidão.

— Eu garanto que chegaremos ao seu dormitório sem problema… pelo menos, sem que percebam que você já está aqui.

Com o queixo trêmulo e os lábios azulados, ela o fitou e murmurou num suspiro:

— Como você sabe em qual dormitório eu vo...

Antes que concluísse a frase, a luz em seus olhos se apagou — e ela simplesmente desabou.

O corpo de Yaskara perdeu a força nos braços de Voss; o ar ao redor vibrou com um estalo sutil de energia antes de tudo se aquietar novamente. Ele percebeu de imediato que não se tratava de um desmaio comum, mas de um estado profundo, quase como uma hibernação mágica.

— Ei... — murmurou ele, tocando de leve o ombro dela. Nenhuma resposta. Voss suspirou, ajustando-a com cuidado em seus braços.

— Você realmente sabe como causar uma primeira impressão, professora.

Seu olhar percorreu o entorno: funcionários, representantes e oficiais da organização — todos distraídos pela confusão.

Sem hesitar, Voss convocou o Nóumena, a manifestação do espaço consciente. O Éter respondeu ao seu chamado com uma leve distorção, reconhecendo-o como parte de si.

Por um breve instante, a distância perdeu o significado — o mundo, dobrado em pensamento, trouxe-o exatamente onde queria estar. Quando a realidade retomou sua forma, já se encontravam dentro da escola, em um lugar que ele julgava seguro — mais precisamente, o dormitório dele.

Ele a deitou sobre a cama, observando-lhe o rosto por um momento. O fluxo de energia que emanava do corpo dela era suave e constante, embora nitidamente drenado.

— Hm… não é ferimento. — murmurou, pensativo. — Parece uma sobrecarga de energia. O corpo entrou em modo de recuperação.

Recostou-se na cadeira ao lado, cruzando os braços, um leve sorriso surgindo nos lábios.

— Vai dormir por horas, hein? — comentou num tom divertido. — Tomara que não ronque.

O quarto estava silencioso, embalado pelo som distante dos grilos que vinham da janela aberta. Voss ergueu o olhar para o teto, o semblante relaxado, mas atento.

— Uma maga que brinca com o tempo e apaga depois... perigosa e cheia de segredos. — Um sorriso discreto lhe curvou os lábios. — Acho que este semestre será bem mais interessante do que eu esperava.

Quase doze horas se passaram.

A coloração rosada havia retornado ao rosto antes pálido de Yaskara. Em dado momento, ainda mergulhada no sono profundo, ela se moveu, virando-se de lado na cama — na direção de onde Voss estava sentado.

Por algum motivo onírico, murmurou baixinho:

— Sorvete...

Logo depois começou a roncar — nada exagerado, apenas o som leve e ritmado de um pequeno filhote adormecido.

Voss, que folheava distraidamente um relatório da escola — embora já tivesse perdido o foco há muito tempo — ergueu o olhar ao ouvir o murmúrio sonolento. Um sorriso preguiçoso curvou-lhe os lábios enquanto apoiava o queixo na mão, observando-a.

— Sorvete, é? — murmurou em tom divertido, a voz baixa, quase cúmplice. — Depois de tudo o que fez ontem, acho que você merece uma sorveteria inteira, professora do tempo...

Inclinou-se levemente para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, estudando o rosto dela por um instante. O contraste entre a serenidade adormecida e a lembrança da força absurda que ela demonstrara o intrigava. Naquele momento, o “mago mais poderoso do mundo” parecia mais curioso do que qualquer outra coisa.

Voss suspirou, recostando-se novamente na cadeira. Deixou o relatório de lado, passou a mão pelos cabelos brancos e ajeitou os óculos com um gesto automático.

— Dorme, dorme... — disse num tom leve, quase paternal. — Não é todo dia que alguém me deixa de queixo caído.

O silêncio que se seguiu era confortável. Do lado de fora, o som distante dos estudantes e o farfalhar das árvores suavizavam o ambiente. Ele esticou as pernas, acomodou-se melhor e cruzou os braços, lançando-lhe um último olhar curioso.

— Quando acordar, vamos conversar sobre esse “simplesmente apago depois de certo tempo”. — sorriu de canto, já antecipando que ela tentaria mudar de assunto. — Mas, por enquanto... dorme em paz, Yaskara.

Fechou lentamente os olhos, relaxando na poltrona. A cabeça tombou de leve para o lado, e, mesmo em repouso, sua energia permanecia fluindo em torno dela — uma barreira sutil, invisível, que impedia qualquer mal-estar ou intrusão.

Ela despertou devagar, preguiçosa, sentindo uma energia cálida e protetora envolver-lhe o corpo.

— Que sensação boa... — murmurou, a voz arrastada pelo sono, enquanto abria lentamente os olhos.

Ainda deitada de lado, puxou o cobertor até o rosto. O tecido macio guardava um perfume discreto e agradável — limpo, amadeirado, desconhecido.

— Eu não lembro desse cheiro... — sussurrou, franzindo o cenho. Por algum motivo, acreditava ainda estar no hotel.

À escrivaninha, próximo à cama, Voss terminava de revisar uma pilha de relatórios e papéis espalhados — uma cena rara para alguém como ele. Usava óculos simples, e o cabelo solto caía de modo despretensioso sobre o rosto. Ao ouvir a voz sonolenta dela, ergueu o olhar, um leve sorriso curvando-lhe os lábios.

— Hm? Finalmente despertou, Bela Adormecida. — disse em tom leve, cruzando os braços e se recostando na cadeira. — Dormiu tanto que comecei a achar que teria de pedir uma certidão de óbito.

Yaskara piscou algumas vezes, tentando ajustar a visão à luz da manhã. O teto era diferente, as paredes claras demais para o quarto do hotel, e o silêncio… era pontuado por ruídos suaves: passos distantes, o farfalhar de folhas, vozes abafadas de estudantes no pátio.

— E–Eiran?!

— Ah, então lembra meu nome. — Ele inclinou a cabeça, fingindo um suspiro teatral. — Estava começando a achar que tinha virado apenas parte de algum sonho seu.

Com a mesma tranquilidade de sempre, levantou-se e caminhou até a janela. Abriu um pouco mais a cortina, deixando a luz suave banhar o quarto — agora inconfundivelmente o dormitório da escola.

— Antes que pergunte: você desmaiou e estava com o corpo exaurido. — disse ele, sem tirar os olhos da janela. — Imaginei que não quisesse que ninguém soubesse disso... então, achei melhor trazê-la pra um lugar onde pudesse se recuperar em paz.

Ele lançou-lhe um olhar breve, medindo a reação dela antes de continuar, num tom quase casual:

— Todos temos nossos pontos fracos, professora. E os inteligentes sabem mantê-los em segredo.

Ergueu o canto dos lábios, deixando transparecer o mesmo sorriso travesso de antes.

— E não se preocupe, prometo que não abusei do privilégio de te ver dormindo.

Fez uma pausa breve, o olhar cintilando com ironia.

— Embora... você tenha murmurado algo sobre sorvete. — ergueu uma sobrancelha, divertido. — Isso eu realmente fiquei curioso.

Sorvete...?

Ela piscou, confusa, antes que o pensamento a atingisse — eu falei dormindo?!

O rosto corou imediatamente. Engoliu em seco e, entendendo finalmente onde estava, sentou-se na cama, ainda meio atordoada.

— O senhor ficou todo esse tempo cuidando de mim?

— Sim — respondeu ele, apenas.

— Eu não devia ter te metido nisso tudo. — começou, levando a mão à cabeça em um gesto de leve exaustão. — Eu tinha certeza de que havia calculado certo o tempo para retornar e descansar em um ponto seguro. Achei que o tempo vindo até o dormitório da escola seria suficiente...

Ela fez uma pausa, o olhar encontrando o dele.

— Com certeza, a culpa disso foi sua! — disse, arqueando uma sobrancelha. — Provavelmente gastei mais Vontade Etérea do que o normal para reparar o seu corpo e ainda tive de lidar com essa quantidade ridiculamente exagerada de Éter que você emana.

Suspirou, o semblante suavizando.

— Eu não previ isso... — completou, mais baixo. — Me perdoe.

Eiran inclinou levemente a cabeça, observando-a com aquele mesmo ar despreocupado que parecia nunca deixá-lo. Um sorriso suave — diferente do habitual, menos zombeteiro, mais genuíno — se formou em seus lábios.

— Então foi isso... — disse em tom calmo, aproximando-se lentamente da cama. — Eu achei estranho mesmo. A forma como sua energia colidiu com a minha foi… intensa.

Parou a poucos passos dela, cruzando os braços e a fitando com um olhar mais sério, ainda que houvesse um leve brilho divertido em seus olhos azuis.

— Mas, Yaskara… você não tem que se desculpar. — Sua voz soou mais baixa, quase como uma confissão. — Se não fosse por você, eu ainda estaria no chão, quebrado.

Ele fez uma pausa, inclinando-se um pouco, o rosto a poucos palmos do dela.

— E, convenhamos, quem mandou tentar ajustar minha “quantidade ridiculamente exagerada de Éter”? — o sorriso retornou, provocador. — É como domar um raio enquanto está chovendo.

Ele endireitou-se de novo, coçando a nuca com um ar relaxado.

— De qualquer forma, eu te devo uma. E, para ser justo, você ficou apagada quase meio dia… então diria que estamos quites. — fez uma pausa e acrescentou, rindo de leve: — A menos que queira cobrar juros por danos mágicos.

Yaskara se levantou da cama com calma. Ajustou a camisa social, alisando o tecido ainda um pouco amarrotado, e endireitou a saia tubinho. Prendeu os longos cabelos loiros em um rabo de cavalo alto antes de calçar o scarpin. Mesmo após o colapso, conservava uma elegância natural — firme e serena.

Percebia perfeitamente as provocações sutis de Voss, mas escolheu ignorá-las. Em silêncio, reconheceu o gesto dele — o cuidado velado, a maneira discreta com que a havia protegido. Um pequeno suspiro escapou, quase imperceptível. Talvez ele não dissesse em voz alta, mas havia agradecimento em seu olhar.

— Sim, estamos quites, senhor Voss. — respondeu por fim, ajeitando a gola da camisa. — Mas eu lidaria novamente com a sua energia... quantas vezes fosse necessário. — A frase saiu com uma leve ironia, quase uma provocação de volta.

Ele ergueu uma sobrancelha, observando-a ajeitar o cabelo e as roupas com aquela serenidade quase ensaiada — uma tentativa de disfarçar o constrangimento, talvez? O sorriso dele se formou naturalmente, carregado de uma provocação leve, mas o olhar… esse era de genuína admiração.

— “Quantas vezes fosse necessário”, hein? — repetiu, fingindo um tom pensativo. — Isso soa perigosamente como uma promessa, Yaskara. — O canto de sua boca se curvou num meio sorriso brincalhão. — Eu poderia me acostumar com esse tipo de dedicação.

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