NARRAÇÃO DE LARA GASPAR...
Realmente a desconfiança permaneceu por todo o percurso, até no nosso Prédio, talvez meu sobrenome explique muito sobre mim. Vivi por longos anos em um orfanato, me apeguei à uma mãe social. Ela sempre me visitava com frequência, seu nome nunca será esquecido por mim. " Anna Caliana" Ela carregava uma voz gentil, costumava acariciar meus pés, explicando o significado do meu sobrenome, Gaspar. "Inspetor" Ela nunca se enganou, sempre fui desconfiada, até mesmo investigava meus pratos durante as refeições. Apenas para me certificar, de que não haveria algum fio de cabelo. Sou desconfiada ao extremo, e essezinho que se diz ser apenas um vizinho de boas intenções, não me convence. Até mesmo cogitei em mencionar sobre como suas mãos estavam sujas, quando o vi pela primeira vez, mas o medo de ser morta por mencionar tal coisa é grande. Então um profundo silêncio se instaurou em minha boca, coisa que não é de acontecer, raramente fico calada... Na verdade Andrea sempre fala que pareço uma matraca, Matias tem o poder de me fazer calar a boca. Estou surpresa, apenas a música continuava à tocar, e novamente ficamos presos no trânsito. Rio das Ostras é uma Cidade turística, no verão vivemos no trânsito, estamos parados aguardando os carros mais à frente passarem pela ponte. Olhei a hora no painel do carro, 19:40. Resmunguei comigo mesma, meu estômago está gritando querendo yakissoba de legumes. Andrea tem uma cópia da chave do apartamento, normalmente ele chega às 19:00 horas, todas as quintas com nosso Yakissoba. Ele é guloso, come o dele e se demoro para chegar, ele petisca o meu. - Que fome... - Matias reclamou como se estivesse conectado comigo. Peguei minha bolsa e abri, revirei discretamente, minha bolsa é uma bagunça. Preciso tomar jeito e tirar um dia para arrumá-la, preciso parar de ser desleixada... Sorri quando finalmente encontrei os Snikers. Pois é, sou um péssimo exemplo de mulher, desleixada, como besteiras e não pratico exercícios. A sorte é que minha genética é boa, agradeço isso aos meus pais seja lá onde eles estejam. Vivos ou mortos... Entreguei a barra de chocolate para ele, Matias pode ser um assassino, mas não precisa ficar com fome. Ele é bonito demais pra sentir fome, ele não pode... Se Andrea pudesse escutar meus pensamentos, certamente berraria. Matias olhou para a barra de chocolate e sorriu surpreso. - Não precisa... - Não vai me dizer que você é do tipo que não come isso ou aquilo, tipo vegetariano. - O encarei, se ele disser que é vegetariano, irei jogar em sua cara que na noite anterior ele estava fazendo Carpaccio em sua casa. Ele riu, negou e finalmente pegou o chocolate. - Não é isso, só acho muita indelicadeza pegar um chocolate de uma mulher. - Sorri, peguei outra barra de chocolate em minha bolsa, o mostrei animada. - Sou uma pessoa muito precavida. - Pela primeira vez escutei ele gargalhar. Gente como sua gargalhada pode ser tão linda quanto os seus dentes brancos e alinhados? Entre risos, comemos o chocolate. Pensando bem, acho que não estou mais sentindo medo dele. Estou me sentindo como uma gazela papeando com um leão. Eu preciso parar de reparar em seus cabelos compridos. - Hum, Andrea comentou que você viveu em um orfanato. Como é viver lá? - Matias perguntou, já que o trânsito não parava, o que me resta é contar sobre a vida medíocre que tive. - É frio, sem cor. - Resumi. Odeio lembrar do orfanato. - Como assim? - Inspirei, olhei para cima pensando em uma explicação mais clara. - Haviam meninas, panelinhas especificamente. Elas levantavam pela madrugada, era o momento onde não haviam vigilância. As garotas eram malvadas... - Mostrei meu ante-braço, uma cicatriz que ganhei ao dez anos. - Também odiava fazer amizade, pois depois ficava na janela assistindo meus amigos irem embora, com seus novos pais adotivos. Eu me perguntava, por quê ninguém me adotava? me perguntava o tempo todo, se eu era feia ou diferente. - Você não é feia, está longe disso. - Matias me interrompeu com aquele elogio de hétero top. - Explica isso para uma menina de sete anos, que ficava na janela olhando crianças indo e vindo, novas crianças entravam no orfanato e logo eram adotadas. Eu? Apenas assistia tudo aquilo... Então é normal uma criança se perguntar se o erro é dela. Mas é um passado que prefiro enterrar, saí do orfanato, tenho um emprego, um amigo e um apartamento. Mesmo que seja de favor. - Rimos. - Você é muito carismática Lara Gaspar. - Forcei um sorriso, não sei lidar com muitos elogios. Para o meu alívio, os carros começaram à andar. Descobrimos que o trânsito todo, era por conta de um acidente. Depois de passar pela ponte, não demoramos para chegar em nosso Prédio. Ao entrar no elevador, voltei à ficar tensa. Abracei minha bolsa querendo entrar em meu apartamento. - Ah! Lembrei, me fale seu número. Assim posso te ligar e você salva o meu contato, depois você passa para sua amiga. - Forcei um sorriso, no fundo não queria dar o número dele pra ela, agora nem sei se o motivo é medo, e sim porque Abigail é enjoada, força amizade só pra conseguir o que quer. Ela nem mesmo lava o banheiro, sempre deixa as piores coisas pra mim. - Claro. - Passei meu número ciente que estou entregando ele de bandeja para uma mulher enjoada. Aaah! Eu preciso parar de ser assim. Acho que estou ficando deprimida, vou comer Yakissoba escutando a música "Beautiful Things" deitada na cama. Me xingando é claro...