O sol já despontava alto no dia seguinte quando o som da batida na porta me fez levantar da cadeira onde estava sentada, perdida nos meus próprios pensamentos. Olhei pela janela e vi Lucas, de capacete nas mãos, com um sorriso de canto de boca que parecia ser o prelúdio de algo inesperado.— Oi — ele disse, com aquele tom de quem estava prestes a puxar uma conversa casual. — Você não está muito ocupada, né?Eu não sabia bem o que esperar, mas antes que eu pudesse responder, ele continuou:— Estava pensando... que tal dar uma volta? Eu conheço um lugar aqui por perto, uma cachoeira. Fica bem isolada, você vai gostar.Parei por um momento, surpresa, mas ao mesmo tempo, uma parte de mim sentiu uma leve animação tomar conta. Eu não esperava um convite tão direto, e por mais que ainda estivesse lidando com as confusões do dia anterior, a ideia de sair de casa e ver algo novo soava boa.— Uma cachoeira? — perguntei, com a sobrancelha arqueada. — Acho que nunca estive numa aqui.Lucas deu um
A trilha que levava até a cachoeira era estreita, cercada de árvores altas que filtravam a luz do sol, desenhando manchas douradas pelo chão. Lucas estacionou a moto na entrada e, animado, me ofereceu a mão para descer.— Preparada para uma caminhada? — ele perguntou, sorrindo de um jeito travesso.— Isso é pegadinha, né? — brinquei, descendo da moto com cuidado. — Você quer ver se eu rolo ladeira abaixo?Ele soltou uma gargalhada gostosa, daquelas que fazem a gente rir junto sem perceber.— Relaxa, turista, é caminho fácil. E se você cair, eu prometo que filmo pra posteridade.Revirei os olhos, mas acabei rindo tamb&
Frustrada.Irritada.Com ódio.Gritei, enterrando o rosto no travesseiro.O som abafado não foi suficiente para expressar toda a minha revolta, então rolei na cama e arremessei o travesseiro contra a parede. Claro que ele caiu no chão de um jeito pateticamente inofensivo, o que só me deixou ainda mais irritada.— Como eu pude ser tão burra?! — esbravejei, sentando na cama e bagunçando ainda mais o cabelo que já estava um caos.Respirei fundo, tentando me acalmar. Contar até dez? Esquece. Se contar até dez funcionasse, eu já estaria zen igual um monge tibetano. Mas não. Eu estava a um passo de tacar o celular na parede e me autoexilar em uma montanha distante, longe da sociedade e dos idiotas que habitam nela.Levantei de um pulo, marchando pelo quarto como um animal enjaulado. Cada passo ecoava minha fúria.O motivo? Simples. Eu tinha passado dias, semanas, meses construindo uma ilusão. Alimentando uma esperança idiota baseada em nada mais que mensagens bonitinhas, emojis fofos e prom
Chego em casa, a determinação latejando em cada célula do meu corpo. Mudar de vida. Era isso. Nada mais de rotina, nada mais de bem bom. Bem bom era o código para o meu estado de conforto paralisante, onde maratonava séries sem graça e pedia a mesma pizza de sempre, todas as sextas.Enquanto eu saia do elevador pronta para entrar na minha cobertura, já podia sentir o cheiro familiar do meu apartamento: uma mistura de sachê de lavanda e resignação. Abro a porta e jogo minha bolsa no sofá, que geme sob o peso extra. Olho ao redor. As paredes cor de creme pareciam me encarar, cúmplices silenciosas da minha vida insossa.— Chega! — eu digo em voz alta, o som ecoando no espaço. — Alice 2.0 está na área.O problema é: quem era essa Alice 2.0? Eu não tinha a menor ideia. Sabia apenas que precisava ser alguém mais... vibrante. Alguém que dissesse sim para o inesperado, que arriscasse um tropeção em vez de ficar sentada no sofá, colecionando migalhas de biscoito.Talvez devesse começar com al
Minhas malas estavam prontas, espalhadas no meio do meu apartamento, enquanto meus pais olhavam horrorizados para elas. Pareciam duas estátuas de sal, paralisadas diante do caos que se instaurou na sala de estar.— Vocês vão ficar aí parados, ou vão me ajudar a levar isso pro carro? — pergunto, sorrindo.Meus pais eram diplomatas, nascidos e criados em berço de ouro, assim como eu. Então não os julgo por estarem malucos com a ideia de eu me mudar sozinha para o interior. Afinal, qual filha de embaixador, sã, trocaria um apartamento de luxo em São Paulo por uma casa no meio do mato?— Ela ficou maluca de vez, Carlos — mamãe fala para meu pai, com a voz embargada — Primeiro compra uma casa caindo aos pedaços, depois me pede para carregar malas usando um salto!— Entendo, Diana, também estou preocupado. Será que ela bateu a cabeça? — papai responde, com um olhar preocupado.Bufo, irritada. Sério que eles achavam que eu tinha enlouquecido? Eu estava apenas buscando a felicidade, e eles
Três horas depois, aqui estava eu, parada em frente à tal "casinha fofa" do anúncio, tentando desesperadamente encontrar alguma semelhança com a imagem idealizada que eu tinha criado na minha cabeça.— Algumas reformas — Murmurei o que dizia o anúncio.Precisava era derrubar e construir de novo, isso sim!A "casinha" era, na verdade, uma construção de madeira pequena e desgastada, com um ar de abandono que me dava calafrios. A pintura descascada revelava um amadeirado cinzento, com pedaços lascados aqui e ali. O telhado, coberto de musgo e com algumas telhas faltando, parecia prestes a desabar a qualquer momento.A varanda, estreita e com o piso apodrecido, rangia ameaçadoramente a cada brisa que passava. As janelas, empenadas e com vidros rachados, pareciam olhos mortos me encarando. A porta da frente, de madeira maciça, estava coberta de ferrugem e com a maçaneta bamba, dando a impressão de que se abriria com um simples toque.Ao redor da casa, o jardim, que um dia devia ter sido ex
Depois de perguntar para algumas pessoas, encontro um pequeno armazém que vendia de tudo um pouco. Entro na loja e sou recebida por um senhor simpático, com um sorriso acolhedor.— Tarde, moça. Posso ajudar? — ele pergunta, com um sotaque mineiro carregado.— Boa tarde — respondo, com um sorriso — Eu preciso de uma caixa de ferramentas e de uma extensão para ligar um chuveiro.O senhor me olha com curiosidade, mas não faz perguntas. Ele me mostra uma variedade de ferramentas e extensões, e me ajuda a escolher as melhores opções.Enquanto pago pelas compras, pergunto sobre a instalação do chuveiro. O senhor me indica um eletricista da cidade, dizendo que ele era o melhor da região.— Eletricista? Eu não posso fazer isso sozinha? — pergunto, com um tom de voz desafiador.O senhor sorri, balançando a cabeça.— Moça, mexer com eletricidade não é brincadeira. É melhor deixar para quem entende do assunto.Suspiro, derrotada. Sabia que ele estava certo, mas não queria depender de ninguém.
Água quente! Pelo menos isso.— Obrigada — agradeci ao caipira entojado que não havia dito uma palavra gentil desde que apareceu — ou melhor, agradeça ao seu pai!Cruzei os braços enquanto ele revirava os olhos, guardando as ferramentas de volta para a caixa. Zeca limpou as gotículas de suor em seu rosto, e eu não pude deixar de notar o quão bronzeada estava sua pele. Um bronzeado de quem trabalha duro sob o sol, não como o meu, conquistado em sessões de solário e protetor solar fator 50.— Olha só, dona, conheço bem seu tipinho. Menina de cidade que fica entediada e quer vir em busca de aventura, mas não fica com esse pensamento de querer fazer as coisas sozinhas, que você vai só se lascar