2. Ecos da Solidão

Hoop

Meus joelhos cederam. O chão me recebeu fria e impiedosamente. Meu coração... se partiu em mil pedaços. A dor foi tão aguda que me faltou o ar.

‘Não aceite! Não faça isso! Se fizer, vai me perder! Não, Hoop!’ Cristal implorava, desesperada.

Mas eu não podia mais.

Com o pouco de força que me restava, ergui o rosto, olhei nos olhos de Tom... e respondi:

— Eu... eu aceito a sua rejeição de companheiro.

No instante em que as palavras deixaram minha boca, meu corpo pareceu se despedaçar por dentro. Um uivo de dor preencheu minha mente — o último de Cristal. E então... silêncio. Um silêncio cruel, absoluto, se instalou.

— Cristallllllllllllllllllllllllllll! — gritei, num choro desesperado, ao sentir a ausência dela. A solidão me envolveu como um manto gelado.

Meu pai correu até mim. Seus olhos estavam tomados de pânico.

E então... tudo escureceu. O mundo sumiu. Apaguei completamente.

Naquele dia, eu perdi minha mãe.

Ganhei uma maldição.

Perdi o amor da minha vida.

Quebrei o laço da alma.

Perdi minha loba.

E me tornei... mortal. Humana. Inútil. E horrenda.

...

As sombras da maldição ainda pairavam sobre mim, mesmo com o cair daquele dia que parecia não ter fim. Recolhi-me à cama, com o coração pesado e os olhos marejados. As lágrimas escorriam silenciosas, refletindo a dor de ver minha imagem distorcida por feitiços que eu sequer compreendia.

Passei a vida ouvindo lendas sobre as bruxas, mas nunca imaginei que um dia mataria uma… ou que seria amaldiçoada por isso.

Naquela noite, não preguei os olhos.

Ao amanhecer, determinada a encontrar uma solução, levantei e fui até a biblioteca da alcateia. Caminhei de cabeça erguida, sem esconder meu rosto. Eles teriam que se acostumar com minha nova aparência, era o que eu dizia a mim mesma, tentando ignorar os olhares surpresos, os de susto… até mesmo as mães que escondiam seus filhotes atrás de si.

Ao chegar à biblioteca, não disse uma palavra. Apenas encarei as estantes, repletas de volumes antigos, que pareciam prometer respostas para perguntas que eu nem sabia como formular. Mergulhei nos livros, buscando qualquer pista sobre como reverter a maldição. Páginas e mais páginas passavam por minhas mãos, mas as palavras se embaralhavam na minha mente cansada… ou estavam em línguas que eu não conhecia.

O tempo passou voando. Só percebi quando meu estômago roncou, lembrando-me de que precisava comer. Desanimada pela falta de progresso, fechei o último livro e segui para o refeitório comunitário, como sempre fiz.

Assim que entrei, o burburinho cessou por um instante, só para dar lugar a cochichos maldosos.

— Pela deusa, ela está horrível — murmurou alguém.

— Parece uma aberração — disse outro.

— Agora entendo por que Tom a deixou. Quem gostaria de acordar ao lado de alguém como ela?

— Olha para aquelas cicatrizes! São enormes e horrorosas!

Cada palavra foi como uma punhalada. Ainda mais por vir de pessoas que eu, um dia, considerei amigas.

— Não ligue para eles. Sente-se aqui conosco. — Meg apareceu ao meu lado e apontou para a mesa que dividia com Hand, o único homem que a gente tinha como amigo fiel.

Hesitei, surpresa pela presença de Meg. O convite inesperado aqueceu meu coração, oferecendo um vislumbre de esperança no meio da escuridão.

— Obrigada, Meg — disse com a voz embargada, e a segui até a mesa. Hand já estava sentado e me lançou um sorriso acolhedor.

— Ei, Hoop. Bom te ver por aqui — disse ele, puxando uma cadeira para mim.

Sentei entre os dois e, por um instante, senti que fazia parte de algo. A conversa fluiu naturalmente, e eu consegui esquecer a maldição que me afligia.

Depois do almoço, Meg segurou minha mão com firmeza.

— Vamos encontrar uma maneira de quebrar essa maldição. Juntas.

Sorri, sentindo-me fortalecida por aquela amizade verdadeira. Com Meg e Hand ao meu lado, eu sabia que não estaria sozinha na luta para recuperar minha verdadeira essência.

Decidi voltar à biblioteca, mas, quando estava quase chegando lá, Tom se aproximou, parou diante de mim e falou:

— Como beta, eu tenho o dever de te proibir de andar pela alcateia sem cobrir o seu rosto. Não vê que está assustando as crianças?

O choque me fez congelar. Embora já tivesse aceitado sua rejeição, ainda o amava. Jamais imaginei que ele tomaria tal atitude. As lágrimas brotaram sem que eu conseguisse conter. Corri para a floresta, guiada pela dor, sem saber para onde ia. Gritos e soluços escapavam de mim descontroladamente. Deixei que toda dor acumulada, de todas as perdas, explodisse para fora.

Desabei no chão, incapaz de me manter de pé. Gritei, chorei, urrei. Não percebi o caos que causava ao meu redor. Só me dei conta quando senti braços ao redor do meu corpo trêmulo. Finalmente, me acalmei e abri os olhos… e vi a floresta em chamas.

Meg me abraçava. Não havia medo em seu rosto, apenas ternura.

Ela me segurou com força, tentando me acalmar.

— Estou aqui, Hoop. Você não está sozinha.

Solucei, sentindo o calor das chamas ao redor. Era como se a floresta respondesse à minha dor, as árvores crepitando com o fogo que nascia da minha angústia.

— Eu… eu que fiz isso? — murmurei, assustada, olhando em volta.

Meg me afastou um pouco para olhar em meus olhos.

— Não sei dizer. Sua dor é poderosa, mas não precisa ser destrutiva. Se foi você ou não, isso não importa. O que importa é você estar bem.

Assenti, respirando fundo, tentando acalmar meu coração. Agora não havia mais chamas, apenas brasas fumegantes.

— Obrigada, Meg — sussurrei. — Por não me deixar sozinha.

Ela sorriu e apertou minha mão.

— Sempre estarei ao seu lado, ainda não entendeu isso? Somos ligadas pelo laço de sangue, lembra? Nunca podemos quebrar a promessa.

Sorri, ainda com lágrimas nos olhos.

Meg e eu crescemos juntas. Depois que nasci, minha mãe enfrentou complicações sérias e não pôde mais engravidar. Isso gerou muitos comentários maldosos na época. Meg apareceu na minha vida ainda muito pequena. Nossas mães eram amigas próximas, e com o tempo nos tornamos inseparáveis.

Sem irmãos para dividir as travessuras da infância, decidimos ser irmãs de sangue. Aos doze anos, fizemos um juramento solene: nunca nos afastaríamos, jamais nos abandonaríamos. Selamos a promessa com um corte leve nas palmas das mãos, unindo nosso sangue.

Juntas, deixamos a clareira, determinadas a enfrentar os desafios que viessem, unidas pela amizade e pela esperança de dias melhores.

Talvez nem eu mesma tivesse percebido, mas havia algo quebrado no meu olhar. Uma sombra silenciosa, como se algo dentro de mim quisesse me levar para longe de tudo que eu mais amava.

Mas Meg me via. Meg sempre me viu. E enxergar essa dor por trás do meu sorriso era como uma lâmina em meu coração. 

Ao chegar ao meu quarto, pensei no dia que tive… nas palavras que ouvi… nos olhares que me atravessaram como flechas.

Meu pai não estava. Tinha ido a uma reunião com o lobo supremo para relatar o ataque das bruxas.

Olhei para a lua, que brilhava linda no céu, e, mesmo sem querer, deixei escapar a pergunta:

— Por que me condenaste a isso? Não me amas, mãe?

E então adormeci. Um sono profundo, pesado, cheio de cicatrizes.

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