Lyra não sabia como continuava de pé. Sentia-se vazia, como se o vínculo que se ativara segundos atrás agora a rasgasse de dentro para fora.
O cheiro dele ainda preenchia o ar, e era tortura. Ela o sentia na pele, no sangue — como uma promessa viva que havia sido quebrada no exato momento em que nasceu. E ele se foi. Sem uma palavra. Sem uma explicação. Sem sequer hesitar. A presença de Lara, suave e encantadora, era o oposto da tempestade que rugia dentro de Lyra. Aquela garota o tocava como se fosse dela. E Rhis... ele permitia. Ele aceitava. Ela era só uma intrusa. Uma peça fora do tabuleiro. Uma interrupção indesejada na vida que ele já havia escolhido. E a dor disso era insuportável. Lyra cambaleou até o limite da clareira, o coração espremido no peito como se o próprio vínculo, agora despertado, lutasse contra a rejeição. Sentia sua loba inquieta, confusa, uivando em silêncio dentro de si — clamando por algo que já lhe fora tirado. Ela apertou o peito, como se pudesse conter a dor com os dedos. Mas era inútil. Não havia consolo. Ele a viu. Sentiu. E mesmo assim, escolheu partir. A dor queimava como fogo, mas por trás dela, algo começava a nascer. Uma raiva contida. Uma ferida que deixaria cicatriz. Porque ela não era fraca. E não seria deixada para trás como se não importasse. Ele podia não tê-la escolhido. Mas o destino já havia feito sua escolha. E nem ele, nem Lara, podiam mudar isso. Rhis Ele andava em silêncio, o maxilar travado, as mãos fechadas como garras. Por dentro, a raiva borbulhava como lava sob a superfície. Raiva dela. Raiva da Deusa. Raiva de si mesmo por ter sentido — ainda que por um segundo — aquele calor inegável quando os olhos dela tocaram os seus. Ela. A companheira escolhida. Dois anos. Dois malditos anos. Ele esperou. Odiou a espera. Viu seus amigos encontrando seus pares, sentindo o vínculo florescer, assistindo-os viverem aquilo que ele acreditava nunca ter. E quando percebeu que sua companheira talvez nunca viesse, escolheu parar de esperar. Escolheu Lara. Lara, que esteve ali quando ninguém mais estava. Que o viu em suas piores versões e ainda assim ficou. Que o ajudou a carregar o peso da liderança quando sua alma estava em frangalhos. E agora... agora a Deusa ousava lhe entregar outra? Tarde demais. O vínculo era real, sim. Ele o sentira, como uma corrente invisível apertando o coração. Mas também era uma maldição. Uma lembrança cruel de tudo o que ele não teve. De tudo o que não quis mais querer. Rhis parou no meio da trilha e socou uma árvore com força, o impacto fazendo o tronco estremecer. A dor física o ancorava — o mantinha longe da confusão que borbulhava dentro dele. — “Você demorou demais.” — rosnou, como se falasse com ela. Como se ela pudesse ouvi-lo. — “Agora é tarde.” Ele já tinha feito sua escolha. Mesmo que a alma gritasse contra isso. Mesmo que o vínculo tentasse puxá-lo para ela. Mesmo que o destino o punisse por isso. Ele não cederia.