capítulo 2- O primeiro olhar

O dia seguinte amanheceu pesado, como se o próprio céu soubesse da transgressão que ocorrera sob o véu da floresta. Hadassa não dormira. Seus olhos estavam escurecidos pelas horas de insônia, e sua mente ainda tentava racionalizar o que o coração e a alma já sabiam: o vínculo estava selado. Iniciado. Impossível de ser negado.

 

Ela tentava se convencer de que fora apenas um momento de tensão. Talvez um engano. Talvez um truque da mente. Mas toda vez que fechava os olhos, o rosto de Lee surgia em sua memória: a sombra da barba, a força silenciosa de sua presença, o calor que ele emitiu mesmo sem tocá-la.

 

Hadassa não ousava contar a ninguém o que havia sentido. Se dissesse às anciãs, seria isolada, julgada. E se Elyan descobrisse…

 

Ela estremeceu só de imaginar.

 

Ele não aceitaria perder o que já considerava seu.

 

 

---

 

Na margem do rio que dividia os dois territórios, Lee estava ajoelhado, mãos imersas na água gélida, tentando conter o caos em sua mente. Ele não queria uma Luna. Não precisava de vínculos. A liderança dos Sangue da Noite era solitária, construída à base de suor, sacrifício e força.

 

E, mesmo assim, ali estava ele. Pensando nela. Sentindo-a.

 

A marca no peito formava um círculo prateado. Tênue ainda, mas queimava toda vez que ele pensava no nome que jamais deveria pronunciar: Hadassa.

 

— A caçadora de luz… — murmurou, lembrando-se do olhar dela, tão claro e puro, contrastando com a escuridão que o moldara.

 

— Falando sozinho, Alfa? — a voz de Daron, seu beta, o interrompeu.

 

Lee ergueu-se lentamente, secando as mãos.

 

— Observando.

 

— Algo o incomoda. Desde ontem. Está mais... humano.

 

Lee lançou um olhar cortante, mas Daron era o único que ousava provocá-lo.

 

— Você sentiu, não foi? — Daron insistiu, mais sério agora. — O vínculo.

 

Lee ficou em silêncio.

 

— Quem é ela? — o beta perguntou.

 

— Uma que não pode ser minha.

 

— Mas é.

 

Silêncio novamente.

 

— Se seguir esse caminho, vai romper o tratado. Trazer guerra.

 

— A guerra virá de qualquer forma — Lee respondeu. — Esse tratado está podre. Somos inimigos porque querem que sejamos.

 

— Mas se for por ela... — Daron hesitou. — O clã não aceitará.

 

— Nem ela.

 

 

---

 

Hadassa tentava cumprir suas tarefas diárias no templo, mas tudo nela estava desconcentrada. As oferendas, as orações, o treinamento com as jovens aspirantes a Luna... tudo parecia distante. Um peso constante pulsava sob sua pele, como se o próprio espírito quisesse fugir do corpo.

 

A anciã Maela percebeu.

 

— Está inquieta, filha.

 

— Apenas exausta.

 

— Não minta para uma loba velha. Você está sendo chamada.

 

Hadassa engoliu em seco.

 

— O vínculo...

 

Maela assentiu.

 

— É raro. E perigoso. Principalmente com um alfa como Lee.

 

— Como sabe que é ele?

 

— Porque vi o fogo nos seus olhos quando voltou. E porque a Lua sussurrou o nome dele nos ventos da noite.

 

Hadassa apertou os olhos, a dor crescendo.

 

— Não posso, anciã. Tenho deveres. Elyan...

 

— O dever não pode sobrepujar o destino, Hadassa. Mas o destino pode nos destruir se não o compreendermos.

 

— O que devo fazer?

 

Maela a fitou com ternura.

 

— Vá até ele. Conheça-o. Sinta o que é verdadeiro. Depois... escolha. Mas escolha com o coração de loba, não com a mente dos homens.

 

 

---

 

Aquela noite, a floresta os guiou de novo. Como se o universo estivesse conspirando contra todas as regras, os caminhos dos dois se cruzaram na mesma clareira, no mesmo ponto onde tudo começara.

 

Lee estava encostado em uma árvore, os braços cruzados, como se já a esperasse. Hadassa surgiu entre as sombras, hesitante, mas determinada.

 

— Você veio — ele disse, a voz mais rouca que ela lembrava.

 

— Não sabia se devia.

 

— Mas sentiu que precisava.

 

Ela assentiu.

 

Ambos se aproximaram devagar. Havia uma tensão no ar que não era apenas física, era espiritual. O instinto pulsava em ambos. Os olhos de Lee estavam mais escuros, as pupilas dilatadas, e Hadassa sentia cada célula de seu corpo responder a isso.

 

— O que é isso? — ela perguntou, colocando a mão sobre a marca brilhante em seu peito.

 

— Um elo. Um chamado antigo. Mais forte que qualquer lei.

 

Ela ergueu os olhos para ele, e naquele instante, algo neles se quebrou.

 

Sem dizer mais nada, Lee a puxou com firmeza pela cintura. Seus lábios se encontraram com urgência, e o mundo inteiro desapareceu. Foi um beijo bruto, intenso, faminto. Como se os dois estivessem se segurando há vidas.

 

Hadassa gemeu contra a boca dele, as mãos agarrando a camisa preta, o corpo derretendo sob o toque firme. Lee a encostou na árvore, o calor entre eles crescendo como brasas acesas em pele nua.

 

— Você sente isso — ele murmurou contra seu pescoço. — Não nega mais.

 

— Não posso negar... mas também não posso aceitar.

 

Ele se afastou só o suficiente para olhá-la nos olhos.

 

— Por quê?

 

— Porque se aceitarmos isso... o mundo desaba. Minha família, meu povo, minha promessa...

 

— E se não aceitarmos, você viverá um casamento sem alma, e eu viverei quebrado. É isso que deseja?

 

Ela hesitou.

 

— Tenho medo.

 

— Eu também.

 

E então, contra tudo, Hadassa encostou a testa na dele.

 

— Mas se for para cair... — sussurrou — que seja com você.

 

Lee sorriu, um sorriso amargo.

 

— Então prepare-se, Luna... porque vamos cair juntos.

 

 

---

 

De longe, entre os galhos, olhos vermelhos observavam. Um espião do clã Luar Dourado. Silencioso, traiçoeiro, e rápido como uma sombra.

 

Antes que o casal sentisse qualquer ameaça, o mensageiro já corria de volta à fortaleza. Levando a notícia que incendiaria o mundo.

 

A Luna prometida fora vista... nos braços do inimigo.

 

E a guerra... era agora apenas uma questão de tempo.

 

 

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