A floresta sussurrava histórias antigas com o vento frio da noite. Entre árvores centenárias, raízes enroscadas como serpentes, e folhas tão negras quanto o céu sem lua, os ecos de um passado sangrento ainda pulsavam sob os passos dos lobos. Duas alcateias, marcadas pela maldição da rivalidade, habitavam os extremos daquela terra esquecida pelos homens.
De um lado, os Sangue da Noite, liderados por Lee, o alfa mais temido da última geração. Sua alcateia era feita de guerreiros, nascidos sob luas vermelhas, moldados pela guerra, treinados na dor. Lee era silêncio e força. Um homem de poucas palavras e olhar letal. Seus olhos cor de prata tinham o poder de fazer qualquer lobo mais novo se curvar sem ele precisar uivar.
Do outro, os Luar Dourado, conhecidos pela pureza da linhagem e pela sabedoria das suas Lunas. Era uma alcateia de ordem, tradição e equilíbrio. Seu povo venerava a Lua como mãe e vivia sob os conselhos do círculo das anciãs. E era de lá que vinha Hadassa, filha da atual matriarca, treinada desde o nascimento para ser Luna — a escolhida, a guia espiritual e guerreira da nova geração.
Os dois nomes jamais deveriam se cruzar.
Mas o destino não respeita fronteiras.
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Hadassa cavalgava entre as árvores em sua forma humana, os cabelos negros soltos, a pele dourada como âmbar sob a luz do amanhecer. Ela havia se afastado do território para respirar. O peso das decisões que o Conselho exigia sufocava sua alma.
— Elyan será seu companheiro. É a escolha da Lua — repetira sua mãe tantas vezes que Hadassa já nem ouvia mais.
Mas ela sabia. Elyan, o segundo em comando, era ambicioso, cruel, e a olhava como se ela fosse um prêmio e não uma parceira.
Ela freou o cavalo e saltou no chão úmido, afundando os pés descalços na terra fria. Fechou os olhos, tentando ouvir sua loba interior.
E então ela o sentiu.
Um cheiro novo.
Terroso, amadeirado, selvagem. Um perfume que invadiu seus sentidos como fogo. Hadassa girou o corpo devagar e, por entre as árvores, o viu.
Alto. Camisa negra aberta no peito. Cabelos escuros curtos e bagunçados. A mandíbula marcada por um leve traço de barba. Os olhos prateados fixos nela como se a devorassem.
O mundo ficou em silêncio.
Os batimentos de Hadassa aceleraram.
— Quem é você? — ela perguntou, a voz baixa, mas firme.
— Lee — respondeu, com um timbre grave que parecia ecoar na pele dela.
Aquela única palavra estremeceu suas entranhas. O nome proibido. O alfa da alcateia rival. Um assassino, segundo os anciãos. Um demônio, segundo Elyan.
Mas ela não viu um monstro.
Ela viu o fogo.
— Você está fora do seu território — ela alertou, dando um passo atrás.
— E você está mais perto do meu do que imagina — ele respondeu, dando dois passos à frente.
O espaço entre eles se dissolveu como fumaça. O ar vibrou. Um calor latejou no peito de Hadassa, e ela levou a mão ao coração.
Era o vínculo.
Aquele que não escolhe linhagens, alcateias, ou guerras. O chamado ancestral. Raro. Irrefutável.
Lee cerrou os punhos.
Ele sentia também.
— Não é possível... — Hadassa murmurou. — Isso é uma armadilha?
— Não — Lee respondeu, olhando fixamente para o pescoço dela, onde um brilho azulado surgia sob a pele. — É real.
Ela deu um passo para trás, assustada. Os olhos se arregalaram.
— Isso não pode acontecer. Você... nós... somos inimigos.
— Não escolhi isso. E você também não.
— Eu sou prometida a outro!
— Promessas humanas não quebram o chamado da Lua.
Hadassa virou-se, o coração disparado, correndo de volta. Mas a marca em seu corpo já estava queimando. Sua loba interior uivava por ele. Gritava por ele.
E Lee... ficou ali, sentindo o gosto do destino que nunca quis, mas que agora se entrelaçava à sua alma como uma corrente de ferro quente.
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Naquela mesma noite, Hadassa foi chamada ao templo da Lua. Elyan a esperava, sorrindo com os olhos como um predador.
— O ritual será na próxima lua cheia. Você será minha, Hadassa. Por bem... ou por dever.
Ela não disse nada.
Porque seu corpo ainda ardia com o toque de um estranho.
E seu coração já havia traído sua alcateia.
**
Em sua fortaleza escura, Lee observava a noite cair. Seus homens perguntavam se ele enfrentaria os Luar Dourado. Se reivindicaria a mulher como sua. Mas ele ainda não sabia.
Tudo o que sabia... era que o instinto tinha escolhido.
E a floresta agora estava dividida não apenas por sangue... mas por um desejo proibido que queimava mais forte do que qualquer tradição.