O restaurante do senhor Aroldo está com um movimento bom hoje, o que, de certa forma, me alegra, porque isso pode me render uma grana extra.
Depois de muito conversar com minha amiga, decidi internar meu pai em uma clínica de reabilitação e entrar na faculdade. A bolsa já ganhei; agora é só seguir com os meus sonhos. Mas, para isso, terei que trabalhar dobrado. — Desirée, mesa seis. — Respiro fundo, sabendo o que isso significa. Faz cerca de duas semanas que o mesmo rapaz vem aqui todos os dias. Ele se senta na mesma mesa e, por mais que as outras meninas tentem atendê-lo, ele só aceita ser atendido por mim. O pior é que, quando estou de folga, ele não vem. Isso, de certa forma, me deixou com o pé atrás. Aprendi a não confiar em ninguém, mas, dentro do estabelecimento, tenho que manter as aparências. Pego o cardápio e uma caneta, e sigo para sua mesa. Encaro seus olhos verdes, em um tom quase como o meu; ele parece gentil e amigável, mas o seguro morreu de velho. Não confio. — Boa tarde, senhor... — tento relembrar seu nome; meu erro foi não prestar muita atenção nele, mas a partir de hoje ficarei atenta. — Otávio. Vou querer o de sempre, Desirée. — Ele fala meu nome como se me conhecesse há anos. Mantenho meu sorriso. Ele é bonito. Muito bonito. Posso afirmar que é mais bonito que o filho idiota do meu chefe, mas tem algo nele que grita perigo. — Alguns minutinhos e já volto. — Saio e entro na cozinha, cercada pelas garotas que trabalham comigo, Cintia, Soraia e Juliana. — Aí... você tem sorte. — cochicha Soraia. — Dispenso essa sorte. — Mulher, larga de ser boba. Primeiro, Saulo; agora, esse boy fantástico. — Resmunga Cintia. — Eu te passo os dois. Eles só gritam problemas, e problemas eu já tenho de sobra. — Eu posso levar o pedido dele? — Questiona Juliana. — Faça como quiser. Saio de perto delas e vou atender outra mesa, nem olho na direção de Otávio. Não quero que ele pense que quero algo com ele. Sou obrigada a voltar à mesa com o pedido e entregar a comida. No entanto, percebo que ele me observa com um interesse que vai além de um simples cliente. É desconcertante e me deixa ainda mais alerta. — Desirée, há quanto tempo você trabalha aqui? — ele pergunta de repente, quebrando o silêncio. — Cerca de seis meses — fico surpresa pelo seu questionamento. Ele sorri, e esse sorriso me deixa em transe, perdendo o foco. — Nunca pensou na possibilidade de estar trabalhando em algo melhor? — Olha ao nosso redor avaliando o estabelecimento. — Às vezes. — Posso ajudá-la a sair daqui — ele comenta com tanta naturalidade que fico sem saber se há um duplo sentido em suas palavras. O que ele realmente quer? — Agradeço, mas estou perfeitamente bem — respondo, rapidamente, colocando uma barreira entre nós. Ele apenas mantém o olhar firme em mim, o sorriso sutil ainda presente, como se me desafiasse a reavaliar minha resposta. Eu me mantenho firme, mas a sensação de que há mais por trás de suas palavras permanece, perturbando meus pensamentos. — Com licença. Volto para a cozinha, com o coração disparado e a mente confusa. Preciso me manter firme e focada nos meus objetivos, sem me deixar distrair por ninguém, especialmente alguém que pode representar um risco. (๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑)✍️ Dois dias depois... — Amiga, eu sinto muito. — Marcela diz assim que chega à porta do meu apartamento. Ela está sentada no chão, envolta em uma blusa de frio. Tem chovido muito esses dias aqui em Nova York. — Do que você está falando? — fecho a cara ao perceber que ela andou chorando e me aproximo, preocupada. — Eu deveria ter ido ao seu serviço, mas não queria te dar a notícia assim. Meu coração dispara, e a única coisa que vem à minha cabeça é meu pai. Desde ontem, ele não aparece em casa. Já sinto o choro se acumulando, um peso inundando meu coração, e o ar começa a faltar enquanto encaro os olhos vermelhos da minha amiga. — Me diga que ele está bem. Ela nega com a cabeça, e eu caio sentada no chão, sentindo o resto do meu mundo desabar. — Um policial veio aqui hoje, e eu saí para ver por que estavam batendo tanto na sua porta. Eu e minha mãe fomos reconhecer o corpo. Seu pai... — Ela chora, e eu gostaria de ficar surda neste momento, não querendo ouvir o que ela tem a falar. Ele se foi. Ele se foi assim. Sem ter chance para recomeçar. Eu não fiz o suficiente por ele; eu não fui forte o suficiente por nós dois. A dor é tão intensa que parece me consumir inteira. — Não... — sussurro, a voz tremendo. — Não pode ser verdade. A realidade começa a se instalar como um veneno em minhas veias. As lágrimas escorrem pelo meu rosto, e eu me encolho, tentando entender o que acabou de acontecer. Meu pai, que sempre foi minha única família, agora não está mais aqui. O peso da culpa me atinge com força. — Eu queria que isso não estivesse acontecendo. — murmuro, minha voz quase inaudível. Marcela se aproxima e me envolve em um abraço apertado, como se tentasse me proteger da dor que eu já sei que não pode ser evitada. O calor do corpo dela contrasta com a frieza da notícia, e eu me deixo levar por aquele momento, tentando encontrar um pouco de conforto no desespero. — Você não está sozinha, Desirée. Eu estou aqui. — ela diz, sua voz embargada, mas firme. Eu me agarro a ela, buscando alguma força que possa me ajudar a enfrentar essa realidade. O que eu vou fazer agora? A vida sem meu pai parece impensável. Ele era tudo que eu tinha, meu amor, e agora ele se foi, deixando um vazio imenso que eu não sei como preencher. — Me fala que é mentira. Só me diz que é mentira.— murmuro, o peso das palavras pesando sobre mim. — Eu estou aqui com você. Eu estou aqui para você. E assim, envolvidas em um silêncio pesado e compartilhado, permanecemos no chão no corredor do meu apartamento, onde as paredes parecem testemunhar minha dor. O mundo lá fora continua girando, mas, para mim, tudo parou.