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Cateline desceu as escadas lentamente. Seu estômago roncou baixinho, lembrando-a de que ainda não tinha tomado café da manhã — o que, considerando o tamanho do banquete servido todas as manhãs, era quase um crime. Talvez, se desmaiasse dramaticamente no meio da sala, pudesse escapar das visitas. Por um breve momento, cogitou mudar de direção e sair pela porta dos fundos. Antes que pudesse dar meia volta, sentiu o toque firme e delicado da mãe segurando seu braço.

— Venha, querida — disse a rainha, com um sorriso que poderia parecer gentil .

Sem alternativa, Cateline deixou-se guiar até a sala de estar, onde os Ress estavam reunidos, segurando xícaras de porcelana com a mesma elegância calculada de sempre. O cheiro de chá de jasmim pairava no ar, misturando com o amanteigado dos biscoitos.

— Você está linda — Callen diz,   levantando do assento para depositar um beijo suave na mão da princesa.

O vestido rosa de seda longa que sua mãe insistiu que usasse estava impecável, moldando-se perfeitamente às suas curvas. Seu cabelo, alinhado em uma trança , não possuía um único fio fora do lugar. Os olhos azuis herdados de seu pai estavam frios e distantes, refletindo uma resignação que não combinava com quem realmente era. Ela contraiu os lábios carnudos — outra herança da linhagem real — antes de praguejar baixinho. E estava, de fato, linda.

Ela não agradeceu o elogio. Apenas lançou um olhar de desafio para Callen, que, ao invés de se ofender, foi oferecido ainda mais.

— Parece tensa, princesa — comentou ele, inclinando-se levemente na direção dela. — Não é assim que uma mulher deve se portar diante de seu futuro marido.

Ela arqueou uma sobrancelha, deixando um sorriso frio dançar em seus lábios.

— Engraçado... eu esperava que alguém no seu lugar tivesse mais o que fazer do que bancar o noivo entediado.

Callen se moveu devagar, deslizando a mão pelas costas dela, antes de inclinar-se ainda mais, tão perto que seu hálito quente roçou em sua pele..

— Cuidado Cat, posso deixar sua vida bem interessante quando  casarmos — murmurou, cada palavra carregada com uma falsa doçura. Ela virou para encará-lo, encontrando aquele maldito sorriso presunçoso.

— Cuidado, Callen, você não vai gostar quando eu arrancar esse sorriso com as minhas unhas.

Os olhos castanhos de Callen brilharam — não de raiva, mas de algo muito pior. Um deleite perverso, um prazer doentio em vê-la resistir.

— Estávamos discutindo — começou o pai de Cat, tirando-a da pequena implicância com Callen — que o casamento deve acontecer logo após o Festival da Colheita. Será uma ocasião especial, com a presença de todos os nobres e aliados do reino.

A esposa assentiu com um sorriso polido, concordando com o posicionamento do marido.

— Além disso, será logo após ao aniversário de Cateline. Uma transição perfeita para sua nova fase da vida. Uma rainha deve amadurecer no tempo certo, e nada melhor que um casamento para começar esse ciclo.  

O Festival da Colheita aconteceria poucas semanas após o aniversário da princesa, um evento sagrado, aguardado ansiosamente por todos os reinos. Durante a celebração, cada território usava a natureza para renovar o que eles haviam retirado durante o ano, oferecendo como gratidão um pouco de seus poderes, tornando o solo mais fértil e a magia mais abundante. O único reino que não participava da celebração era o Reino das Sombras, também não se sabe se eles realizam tal ritual, já que suas muralhas tão bem protegidas, impediam que qualquer um se aproximasse para saber qualquer coisa daquele lado.

—  Concordo. A união entre nossas famílias fortalecerá o reino em tempos incertos. E, claro, não podemos ignorar que um casamento entre Callen e a Cateline renovaria a confiança dos nossos povos. — O rei Enrico falou, pousando sua xícara sobre a mesa, observando os presentes com um olhar refinado. Seus olhos, de um castanho profundo, tinham o brilho calculista de um homem experiente em negociar poder como quem troca moedas. Diferentemente do pai de Cat rei Jax, que inspirava respeito pela autoridade natural, Enrico era um estrategista nato, sempre escolhendo suas palavras para benefício próprio, tendo seu povo sob controle através de manipulações.

Ao seu lado, a rainha Martina mantinha a postura impecável, as mãos delicadamente entrelaçadas sobre o colo. Seu rosto era uma serenidade ensaiada, os lábios curvados em um sorriso que jamais alcançava os olhos cor de âmbar . Ria nos momentos adequados e abaixava a cabeça em aprovação silenciosa sempre que seu marido a olhava. Tinha algo em sua expressão — um brilho contido, uma sombra discreta — que sugeria que, por trás da fachada de mulher submissa, houvesse muito mais do que ela permitia transparecer.

— Será um grande espetáculo para o povo — acrescentou Callen, um sorriso preguiçoso dançando no canto dos lábios — Afinal, eles adoram uma boa história de amor.

A princesa lançou um olhar rápido para Callen, que se recostava na cadeira, ostentando uma alegria mal disfarçada. 

Não foram as palavras que o príncipe disse,  no entanto o coração de Cateline disparou em seu peito, uma sensação sufocante de estar presa se espalhando por seu corpo como um veneno. Por um momento, ela se esqueceu de respirar. Tudo ao seu redor parecia distante, abafado.O ar do salão se tornou pesado e quente, as vozes se misturaram em um zunido irritante.

Ela precisava sair dali, precisava de ar puro,ir em algum lugar, qualquer lugar longe dali. O estômago revirava em náusea, e um calor desconfortável subia por seu pescoço. Cateline levantou-se abruptamente, com passos apressados ​​que logo se transformaram em corrida, saiu do salão sem olhar para trás. Arrancou os sapatos de salto alto que pareciam grilhões, sentindo um alívio imediato ao tocar o chão frio sob seus pés .A dor em sua perna, latejou em protesto, mas ela não se importou. Era apenas mais um incômodo que depois ela resolveria.

O cheiro de feno e terra úmida preencheu seus pulmões assim que ela cruzou a entrada do estábulo, trazendo um rompimento momentâneo para confusão em seu corpo. Ainda assim, a sensação de sufocamento persistia, sentia prestes a entrar em combustão.

Cateline passou a mão trêmula pela testa, tentando conter  tudo dentro de si. O som pesado de passos ao longe — e a voz de Callen chamou seu nome — fazendo seu estômago se revirar novamente.

Callen surgiu na entrada do estábulo, ofegante, com uma mão apoiada no batente de madeira enquanto tentava recuperar o fôlego. O cabelo caía em mechas desordenadas sobre sua testa suada. Seu peito subia e descia rapidamente, e o olhar faiscante de raiva encontrou a silhueta de Cateline cavalgando para longe.

— Merda! — praguejou entre os dentes, chutando um balde próximo, que tombou ruidosamente no chão. — Volte aqui, sua piranha insolente!

Ele passou as mãos pelos cabelos, frustrado, sentindo o gosto amargo da humilhação. Ninguém nunca ousara fugir dele, ninguém.

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