Mundo ficciónIniciar sesiónCarol
O banheiro do dormitório está silencioso, um oásis raro no meio do caos de Nova York. O azulejo frio sob meus pés descalços me ancora, mas não é suficiente para segurar o peso do que vejo na pia: um teste de gravidez, o quarto que faço em uma semana, com duas linhas azuis gritando uma verdade que não quero aceitar. Meu coração dispara, o ar preso na garganta, como se eu pudesse sufocar a realidade se parasse de respirar. Não pode ser. Não agora. Não quando estou tão perto de tudo que planejei — a bolsa de estudos, as provas, o sonho de ser advogada. Cada hora roubada do sono, cada linha sublinhada nos livros de Direito Constitucional foi para construir um futuro que agora parece desmoronar como um castelo de cartas.
Sento-me no chão, as pernas bambas, os óculos embaçando com lágrimas que engulo com força. Sou Carol Silva, a garota que veio do Brasil aos 18 anos com um plano traçado e a promessa de não falhar. Lembro-me das noites na casa da minha avó, o cheiro de café forte enchendo a cozinha enquanto ela segurava minha mão e dizia: “Você é mais forte do que pensa, Carol.” Mas agora, com um bebê a caminho, sinto tudo escapando pelos dedos. Como vou ser advogada? Como vou criar uma criança sozinha? E Antony ... o que sei sobre ele? Um cowboy com olhos cor de mel e um sorriso torto que me fez esquecer quem eu era por uma noite. Uma noite que deveria ter sido só um desvio, mas que agora mudou tudo.
— Carol, tá viva aí? — A voz de Evelyn corta o silêncio, seguida por batidas insistentes na porta. — Você tá trancada faz meia hora. O que tá acontecendo?
Pego o teste, as mãos tremendo, e o enfio no bolso da calça jeans, como se escondê-lo pudesse apagar a verdade. Respiro fundo, ajusto os óculos tortos no nariz e abro a porta. Evelyn está lá, os cabelos ruivos bagunçados, os olhos castanhos estreitados de preocupação. Ela cruza os braços e me encara como se pudesse ler minha alma.
— Tá com cara de quem viu um fantasma — ela diz, inclinando a cabeça. — Fala logo, Carol. Não me faz arrancar isso de você.
Hesito, o peso do teste no bolso como uma âncora. Sei que não adianta esconder. Evelyn é um furacão: ou você se rende, ou ela te derruba. Puxo o teste e mostro, sem dizer nada, as duas linhas azuis brilhando como uma sentença. Os olhos dela se arregalam, e por um segundo, ela fica em silêncio — algo tão raro que me assusta mais que o próprio teste.
— Meu Deus, Carol — ela murmura, pegando o teste como se fosse uma bomba prestes a explodir. — Você tá... grávida? Do cowboy? Quantos testes você já fez?
— Quatro — admito, a voz falhando, o rosto quente de vergonha. — Pensei que os outros podiam estar errados, mas... não tem como fugir, né?
— Não, não tem — ela diz, o tom firme, mas com um toque de compaixão. — Tá, calma. Primeiro, a gente precisa encontrar esse cara. Qual era o nome dele mesmo? Antony ?
— Não tenho o número dele — digo, o pânico subindo como bile. — Foi só uma noite, Evelyn. Ele é do Texas. Eu nem sei se ele vai querer saber disso.
— Uma noite que mudou tudo, pelo visto — ela retruca, já puxando o celular do bolso com aquela determinação que me faz inveja. — Eu sei quem pode ajudar. Aquele idiota do Nathan. Ele tava com o Antony na balada, lembra?
— O cara que você jogou dinheiro na cara? — pergunto, incrédula, ajeitando os óculos. — Você acha mesmo que ele vai ajudar?
— Ele me deve uma — ela diz, com um sorriso travesso que promete problemas. — E eu sei que ele vai adorar receber minha ligação.
Ela disca, coloca no viva-voz, e eu sinto o estômago revirar.
— Alô, falo com Nathan? — Evelyn dispara, a voz cortante como uma faca.
— Sim, quem seria? — A voz dele é sarcástica, como se já estivesse esperando um confronto.
— Sou a Evelyn, amiga da Carol, que teve uma noite com seu amigo Antony — ela corta, sem paciência. — Ela quer o número dele. Agora.
— A ruivinha estressada, lembro bem de você, sabia que você me procuraria — Nathan ri, o tom provocador. — Vou ver se o Antony quer falar com ela. Te mando o número, mas, se quiser ouvir mais da minha voz, me liga depois. Estarei disponível pra te fazer feliz.
Evelyn faz uma careta, colocando o dedo na garganta como se fosse vomitar, e desliga.
— Que cara insuportável — resmunga.
— Será que o Antony vai querer meu número? — pergunto, a insegurança me engolindo, o teste no bolso parecendo pesar uma tonelada.
— Se não quiser, eu faço esse idiota me passar — Evelyn responde, determinada. — Ele tem que saber do bebê, Carol. Você não pode carregar isso sozinha.
Minutos depois, o celular dela vibra.
— Pronto! — Evelyn exclama, levantando o telefone como um troféu. — Nathan, aquele arrogante, mandou o número do Antony . Disse que tá em Nova York, mas o cowboy tá no Texas. Vamos ligar pra ele.
— Agora? — pergunto, o pânico voltando como uma onda. — Evelyn, eu não sei nem o que dizer!
— Você diz a verdade — ela responde, já discando, os olhos faiscando. — Ou eu digo por você. Escolhe.
Antes que eu possa protestar, ela coloca no viva-voz. Meu coração parece querer pular do peito enquanto o telefone toca, cada toque um martelo no meu peito. Então, a voz dele surge, grave, com aquele sotaque texano que faz meu estômago dar um salto, mesmo agora.
— Antony ? — digo, a voz tremendo, as mãos suadas segurando o celular. — É a Carol. De Nova York.
— Carol? — Ele soa surpreso, mas há um calor na voz que me leva de volta àquela noite, ao quarto com o abajur fraco, ao bilhete que deixei no espelho. — Que surpresa boa. Achei que você tinha sido uma criação da minha cabeça.
Rio, apesar do nervosismo, o som saindo fraco.
— Eu... gostaria de voltar a te ver. Se você quiser.
Evelyn revira os olhos, mas sorri, me dando um empurrãozinho com o ombro.
— Claro que quero — Antony responde, sem hesitar, o tom tão sincero que quase me faz esquecer o peso no bolso. — Mas não consigo ir a Nova York agora. Tem um rodeio aqui em três dias. Vem pro Texas. Traga sua amiga, posso pedir pro Nathan acompanhar vocês.
Evelyn balança a cabeça, com um “não” exagerado, a careta quase cômica.
— Sim, adoraríamos, mas só pelo fim de semana — digo, ignorando-a, o coração batendo tão rápido que parece que vai explodir.
— Farei valer a pena — Antony promete, a voz rouca, cheia de algo que me faz lembrar do jeito que ele me olhou naquela noite. — Falo com o Nathan pra organizar tudo. Nos vemos em breve.
Quando desligamos, Evelyn me encara, os braços cruzados.
— Texas, hein? Você e seu cowboy. Isso vai ser interessante.
— Não é tão simples, Evelyn — murmuro, a mão deslizando instintivamente pra barriga, onde ainda não há sinal do que tá por vir. — Não sei como contar pra ele. E se ele achar que não é dele? E se...
— Para — ela corta, segurando meus ombros, os olhos castanhos firmes nos meus. — Você vai dar um jeito. E eu vou com você pra garantir que não desista. Se ele não quiser a criança, criamos juntas. Damos um jeito. Mas você precisa contar, Carol. Não dá pra fugir.
Assinto, o nó na garganta apertando. Ela tá certa. Não tem como fugir. Mas a ideia de contar pro Antony , de jogar essa bomba no colo de um cara que mal conheço, me deixa paralisada.
Três dias depois, tô em uma cidadezinha no Texas, iríamos depois para a cidade de Antony , o ar quente e seco me envolvendo como um abraço sufocante. Sigo Evelyn pelo terreno do rodeio, o cheiro de poeira, couro e feno enchendo o ar, misturado com risadas e uma música country que não reconheço. O céu é um azul infinito, tão diferente das luzes neon de Nova York que quase me sinto em outro planeta. Evelyn tá ao meu lado, os cabelos ruivos brilhando sob o sol, reclamando de Nathan, que nos encontrou no aeroporto.
— Aquele idiota teve a audácia de mandar uma mensagem dizendo pra eu trazer “roupas menos urbanas” — ela resmunga, ajustando a bolsa no ombro. — Como se eu fosse aparecer de salto alto no meio da poeira!
— Você tá usando botas — aponto, escondendo um sorriso, o nervosismo ainda me consumindo. — E tá parecendo bem à vontade.
— Não muda de assunto — ela retruca, mas há um brilho nos olhos dela quando Nathan aparece ao longe, alto, moreno, com aquele sorriso sarcástico que parece feito pra irritá-la.
— Ruiva, você sobreviveu ao voo — Nathan diz, se aproximando, as mãos nos bolsos. — Pensei que ia tentar pular de paraquedas no meio do caminho.
— Engraçadinho — Evelyn responde, cruzando os braços. — Se eu pular, é pra cair em cima de você e te esmagar.
Ele ri, e percebo uma faísca entre os dois, algo que vai além da provocação. Mas antes que eu possa pensar nisso, vejo Antony . Ele tá perto da arena, o chapéu de cowboy sombreando o rosto, a camisa azul abraçando os ombros largos. Quando me vê, o rosto dele se ilumina, e ele caminha até mim, o passo firme, os olhos cor de mel fixos nos meus, como se o resto do mundo não existisse.
— Carol — ele diz, a voz rouca, e antes que eu consiga responder, ele me puxa pra um beijo. É intenso, cheio de saudade, o calor da boca dele me fazendo esquecer, por um segundo, o peso do segredo que carrego. Minhas mãos hesitam, mas logo se enroscam no pescoço dele, o perfume de couro e suor dele me envolvendo como uma memória viva.
— Você veio — ele murmura, afastando-se, o sorriso torto me fazendo derreter, mesmo com o pânico batendo no peito.
— Não podia perder um rodeio — brinco, tentando soar leve, mas minha voz treme. Alguém menciona “Antony Capell”. Meu estômago aperta. Não sabia nem o sobrenome dele e agora tô aqui com quatro testes positivos na bolsa, como vou contar algo assim pra ele? Me sinto pequena, exposta, como se tivesse invadido um mundo que não é meu.
— Eles me chamam — ele diz, apontando pra arena, os olhos brilhando com uma confiança que me desarma. — Vou ganhar essa por você. — Ele pisca, meio provocador, e corre pra se preparar.







