Mundo ficciónIniciar sesiónAntony
Meses se passaram desde o enterro de Brian, e a dor ainda me arranca do sono no meio da noite, como se fosse um touro me jogando pro chão. O rancho, com seus campos amplos que meu pai construiu com suor e sonhos, parece um deserto agora, ecoando com a ausência dele. Cada cerca, cada fardo de feno, cada rangido do assoalho carrega o vazio que Brian deixou. Eu me jogo no trabalho — consertar cercas, mover o gado, limpar o estábulo —, qualquer coisa pra manter a mente ocupada, mas a culpa é uma companheira cruel. Ela sussurra que eu poderia ter evitado tudo. Se eu tivesse ido buscá-lo naquela noite, se eu tivesse ouvido quando ele disse que era sério, que precisava de mim... Mas não. Desliguei o telefone, priorizei coisas banais, e agora meu irmão mais novo, o moleque que eu jurei proteger, tá morto. Por minha causa.
O sol do Texas queima como se quisesse incendiar o mundo, e eu monto o touro mecânico no curral, o corpo balançando com o movimento violento, o chapéu de cowboy firme na cabeça, o suor escorrendo pelo rosto e pingando na poeira. O calor é sufocante, o ar cheirando a feno seco e couro quente, mas é o único lugar onde consigo respirar. Aqui, no meio do pó e do risco, sinto ele — Brian —, como se ele estivesse rindo ao meu lado, zombando do jeito que eu seguro as rédeas. “Você é mais touro que cowboy, Antony ”, ele diria, com aquele sorriso torto que não vejo mais. Mas a lembrança corta, e eu aperto o couro com mais força, tentando afogar a culpa no movimento.
Minha mãe quer que eu assuma o rancho sozinho. O império de terras que se estende por quilômetros — gado, imóveis, investimentos — é o legado do meu pai, que ela administra com mão de ferro desde que ele morreu tendo como seu apoio Caleb. Ela quer que eu vista terno e gravata, que sente em salas de reunião e assine papéis, mas isso me sufoca mais que o sol do Texas. Prefiro o rodeio, o pó, o risco que faz meu sangue correr, que me lembra que ainda tô vivo. Pelo menos no touro, o perigo é real, não uma culpa invisível que me corrói por dentro.
— Cuidado pra não voar desse troço, Antony — uma voz familiar corta o ar, e eu olho pro lado. Caleb tá encostado na cerca do curral, os cabelos negros molhados de suor, os olhos verdes brilhando com um meio sorriso triste. Ele cruza os braços, a camisa xadrez manchada de poeira, e balança a cabeça. — Brian diria que você tá tentando quebrar o pescoço pra fugir dos papéis.
Desço do touro mecânico, limpando o pó das mãos nas calças, e forço um riso que não sinto. — Brian diria que eu sou melhor com touros que com contratos — retruco, tirando o chapéu pra esfregar o suor da testa. — Lembra quando ele roubou o trator do velho Manson?
Caleb ri, o som morrendo rápido, como se doesse lembrar.
— Como esquecer? — diz, coçando a nuca. — Ele dirigiu até o centro de Raylidan, com 15 anos. O xerife o prendeu por desacato por um dia, e ele ainda saiu rindo, dizendo que valia a pena.— Era assim, sempre impulsivo — murmuro, o peito apertando. — Ele admirava você, Caleb. E a mim, mesmo sendo um desastre como irmão.
— Você não era um desastre — Caleb diz, o tom sério, os olhos fixos nos meus. — Ele te admirava, Antony . Não se culpa tanto.
Assinto, mas as palavras dele não colam. Caleb tem sido uma âncora nesses meses, aparecendo todo dia, ajudando com o gado, compartilhando memórias de Brian pra me fazer rir, ou pelo menos tentar. Ele perdeu os pais há anos, e meio que se criou aqui no rancho, entre travessuras com Brian, histórias idiotas e noites roubando cerveja do estoque do meu pai. Ele entende a dor, de algum jeito. Essa cidade parece amaldiçoada, com lutos demais nos últimos anos, e compartilhar isso com Caleb é o que me impede de desmoronar.
Apoio as mãos na cerca, a madeira áspera sob os dedos, e olho pros campos dourados que se perdem no horizonte. Minha mente, traiçoeira, escapa pro único momento em que a culpa não me alcançou: Nova York, dois meses atrás. Carol. Aquela garota de cabelos negros e olhos castanhos escuros, parecia radiar pureza. A pele dela era macia, com um leve perfume de rosas, e quando ela sorriu, tímida, confessando que era sua primeira vez, algo em mim quebrou. Não era só desejo — era como se, por uma noite, eu pudesse ser mais que o cara carregando o peso do mundo. Mas na manhã seguinte, ela sumiu, como fumaça, deixando apenas o vazio.
E um recado deixado com seu batom...
"Foi uma bela noite."
Amaldiçoei por não ter escrito seu número ali.
Tentei encontrá-la. Perguntei a Nathan se ele tinha o número da amiga dela, a ruiva baixinha que ele provocou na balada.
— Esquece, Antony — Nathan disse pelo telefone, dias depois, a voz sarcástica como sempre. — Aquela ruiva faltou me matar. Ela não vai me mandar mensagem, e eu não anotei o dela.
— Sério, Nathan? — retruquei, a raiva misturada com desespero. — Você precisava ser um cretino com ela?
— Relaxa, cowboy — ele riu. — É só uma garota.
Carol era diferente — inteligente, ambiciosa, com um sarcasmo que me desafiava de um jeito que eu não sabia que precisava. Mas ela sumiu, e eu voltei pro Texas, pros pesadelos, pro rancho, pra culpa que não me deixa em paz.







