Quando acordou, Delancy estava em seu quarto. Piscou algumas vezes, confusa, com o corpo pesado e a cabeça latejando.
Ela olhou ao redor, ainda sonolenta, até que se sentou de súbito.
Isla estava ali, sentada na poltrona ao lado da cama, observando-a com um sorriso calmo e assustadoramente satisfeito. "Que bom que acordou, meu amor", disse ela, como se fosse uma manhã qualquer.
Delancy piscou, tentando afastar o torpor da mente, mas fragmentos da madrugada anterior voltaram como flashes: a tontura repentina, a voz da mãe ao fundo, escuridão. "O que aconteceu?", perguntou com a voz rouca, quase um sussurro.
Mas, no fundo, ela já sabia. A verdade estava marcada em seu corpo, em uma ardência sutil e incômoda entre as pernas. A lembrança da seringa, da camisinha. Seu corpo parecia diferente, invadido, e embora fosse cedo demais, uma certeza gelada tomava conta de sua mente… ela podia estar grávida.
Virgem e grávida de um completo desconhecido. Era o tipo de tragédia absurda que nem mesmo sua mente mais pessimista teria sido capaz de prever.
"Você apenas dormiu demais. Me procurou.", mentiu Isla, cruzando as pernas com calma.
"Nunca vou te perdoar pelo que está fazendo comigo", disse Delancy, sentindo as emoções se embaralharem no peito. A mágoa era funda, enraizada, mais antiga que a própria memória. Transbordava com a fúria de uma infância negligenciada.
"Pelo contrário. Um dia você vai me agradecer", respondeu Isla, com uma serenidade que soava ofensiva.
"Você realmente colocou o esperma daquele homem em mim, não foi?", perguntou Delancy, ainda incrédula.
"Sim. E se tiver engravidado, você e eu estaremos com o futuro garantido. Isso é maravilhoso. Já imaginou ingressar na melhor faculdade que o dinheiro pode pagar?"
Aquelas palavras acenderam um fogo cego dentro dela.
"Não precisa fingir que está fazendo isso por mais alguém além de você mesma."
"Estou fazendo por nós."
"Para de ser hipócrita!", gritou Delancy, levantando-se da cama com brutalidade. "Você nunca deu a mínima pra mim. Me deixou com o Michael como se eu fosse um fardo. E agora está me usando para aplicar um golpe da barriga!"
"Baixa o tom de voz comigo, garota! Eu ainda sou sua mãe. Me respeite!"
"Você não é minha mãe desde que me deixou naquela casa!", cuspiu Delancy, com os olhos marejados de ódio. "Eu estou indo embora. E pode ter certeza de que vou contar tudo ao Liam Russell. E se eu estiver grávida, vou fazer um aborto."
O silêncio que se seguiu era feito de faca.
Isla deu dois passos à frente, esticando o braço como se fosse possível impedir o inevitável apenas com a força da vontade. "Delancy!”
Mas Delancy já agarrava a maçaneta com os dedos trêmulos. O mundo girava, o chão parecia inclinado, mas ela só enxergava uma coisa: a porta.
“Você não tem ideia do que está fazendo!" Isla gritou. "Se você sair por essa porta, vai se arrepender! Eu juro por Deus!"
"Meu único arrependimento é de ter confiado em você", cuspiu Delancy por cima do ombro. "Não me resta mais nada pra temer." Ela abriu a porta com um puxão brusco e correu pelo corredor.
Isla a perseguiu, mas não porque se importava com sua filha que ameaçava ir embora, e sim porque havia algo no ventre de Delancy que valia bilhões.
Delancy desceu as escadas como se estivesse fugindo de um incêndio. Cada degrau parecia desmoronar sob seus pés, mas ela não parava. As mãos agarravam o corrimão com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. O peito arfava, o coração martelava descompassado e a garganta queimava com a urgência de um grito que não ousava sair. A única coisa que importava era alcançar a porta. Sair. Escapar daquela casa. Daquela mulher.
Mas foi tudo rápido demais.
No último lance de degraus, ela virou abruptamente, disparando rumo ao hall principal… e colidiu com algo sólido como pedra.
Pow!
O impacto a jogou de costas no chão, a camisola subindo até as coxas, os cabelos se espalhando como uma nuvem ruiva pelo mármore gelado. A menina caiu sentada, o corpo latejando.
Elaoltou um gemido baixo, tentando entender o que tinha acontecido… até que olhou para cima.
Isla havia parado no topo da escada. Ofegante. Os olhos arregalados.
Mas Delancy não olhou por muito tempo para a mãe. Porque a figura que se erguia diante dela, a sombra que ela havia colidido, agora estendia uma mão, mas o gesto gentil não combinava com a expressão.
Era ele.
Liam Russell.
Delancy congelou, o ar fugindo dos pulmões como se tivesse levado um soco. Seus olhos o absorveram com lentidão cruel, do paletó ainda entreaberto ao pescoço largo, até o rosto. E então… os olhos.
Ela prendeu a respiração.
Mesmo que o tivesse visto apenas em fotografias pelas paredes da mansão, ela o reconheceu no mesmo instante. Aqueles traços não se confundiam. O maxilar anguloso coberto por uma barba curta e impecável. O nariz fino, levemente torto, como se já tivesse sido quebrado e cicatrizado com dignidade. Os lábios cheios, marcados, emoldurados por um semblante feito de aço.
Mas eram os olhos que paralisavam.
Azuis como pedra de gelo. Escuros, fundos, inexpressivos. Eram de uma beleza sobrenatural e, ao mesmo tempo, absolutamente aterradora. Eram olhos que não pertenciam a um homem qualquer. Eram olhos de predador.
Era o homem cujo sêmen havia sido injetado nela dois dias atrás.
Seu estômago se revirou. Ela sentiu um gosto metálico na boca, a bile subindo pela garganta. Não conseguia se mover. Seu corpo inteiro congelou, mas por dentro tudo gritava. Queria correr. Vomitar. Socar Isla até que seu rosto desaparecesse.
Mas Delancy apenas ficou ali, imóvel, encarando o homem que carregava, talvez, o futuro filho dela.
"Você está bem?" ele perguntou, a voz grave soando como pedra arrastando no mármore. Não havia calor em sua expressão, apenas um leve franzir de sobrancelhas e uma rigidez natural que impunha autoridade sem esforço.
Delancy piscou, tentando voltar à realidade, mas era impossível. Tudo nela tremia.
E Isla, no topo da escada, estava aterrorizada com a possibilidade de ser desmascarada.