Os dias seguintes se arrastaram com uma lentidão cruel. Isabela mal percebia o tempo passar. As horas pareciam diluídas em névoa, enquanto ela tentava se esconder de tudo, dele, principalmente. Passava a maior parte do tempo trancada no quarto ou no ateliê improvisado, pincelando telas em branco com a urgência de quem precisa calar uma voz interna. Tentava pintar qualquer coisa que não tivesse o contorno daquele olhar queimando sua pele. Mas ele estava em tudo: nas cores, nos traços, até no ar que respirava. Romeu era a ausência que preenchia cada fresta.Ele não invadia mais seus espaços. Não como antes. Não com palavras. Mas estava por toda parte. Uma presença silenciosa, insuportavelmente presente. Passava por ela no corredor e sorria como se soubesse de um segredo que ela ainda não havia descoberto. Sentava à mesa do café sem dizer nada, mas a olhava por cima da xícara, devagar, como quem degusta um sabor que conhece de cor. Às vezes, só para provocá-la, a chamava de “senhora Cast
A cozinha estava mergulhada em penumbra, iluminada apenas pela luz amarelada da luminária sob o armário. Era tarde, tarde demais para estar acordada, mas Isabela não conseguia dormir desde o último embate com Romeu na noite anterior, naquela mesma cozinha. Desde o último quase-toque. Desde aquela maldita promessa.“Quando você implorar, eu não vou ter piedade.”Aquelas palavras grudaram nela como suor. Ela estava de costas, pegando algo na geladeira, quando sentiu a presença atrás de si. Outra vez, o calor, o cheiro. A tensão que se instalava antes mesmo que ele dissesse uma palavra.— Você anda perambulando muito de madrugada — ele disse, com aquela voz arrastada. — Vai acabar tropeçando em problemas. Tipo eu.Ela girou devagar. Usava apenas um short de algodão e uma regata fina, sem sutiã. Ele olhou, devorou, mas se manteve impassível. Quase.— O que quer, Romeu?— Ainda tentando descobrir se a fome é sua ou minha.Ela deu uma risada seca.— Talvez eu devesse descobrir isso nos braç
O vapor do café subia devagar na xícara branca, mas Isabella mal percebia. Os dedos estavam entrelaçados no colo, frios apesar do sol fraco da manhã. O café era pequeno, charmoso, e ela havia escolhido uma mesa no canto, longe dos olhares. Ainda não se sentia à vontade em lugares públicos, não depois do acidente. As roupas largas escondiam o corpo, mas não a ansiedade.Ela não sabia se estava nervosa por encontrar a amiga de infância depois de tanto tempo… ou por tudo que vinha sentindo nas últimas noites.— Isa?Ela levantou os olhos. Bia estava ali, com o mesmo sorriso de sempre, talvez mais maduro, talvez mais triste, mas ainda dela. Trocadas as primeiras palavras, o abraço foi tímido. E ráp
O som do motor ecoava abafado sob a chuva intensa. Dentro do carro blindado, Isabella Bianchi mantinha os olhos presos à janela, assistindo às gotas se misturarem como lágrimas contra o vidro. A viagem parecia interminável, mas ela sabia que logo chegariam à mansão. A festa de seus dezoito anos estava a apenas algumas horas de distância, uma celebração que ela mesma não havia pedido, organizada com pompa e rigidez por seu pai.Tudo em sua vida tinha sido assim: planejado, decidido, selado com o peso da tradição e do poder. Desde pequena, Isabella ouvira sussurros sobre seu futuro, sobre o contrato. Sobre o homem que seria seu marido, Romeu Castellani. Um nome que ela aprendeu a respeitar antes mesmo de conhecer. Um CEO bilionário, apadrinhado pelo patriarca da família mafiosa, o mesmo homem a quem Isabella, inocente, chamava de nonno em sua infância.Para Romeu, ela nunca foi mais que uma promessa feita por terceiros. Uma aliança selada por interesses maiores. E, embora não estivesse d
O vestido preto que Isabella usava era simples demais para a grandiosidade da sala. O tecido leve roçava suas pernas trêmulas enquanto ela se encolhia em uma das poltronas luxuosas, sentindo o coração bater alto demais para seu pequeno peito suportar.A mansão Castellani exalava opulência fria. Nada ali parecia acolhedor. Nem mesmo as flores brancas espalhadas em vasos de cristal conseguiam suavizar a atmosfera de poder e opulência. Era como estar dentro de uma catedral construída para adorar o sucesso e a ambição, duas coisas que, agora, não significavam nada para ela.Isabella apertou os dedos em seu colo, sentindo suas cicatrizes recém-formadas. O cheiro de antisséptico parecia impregnar sua pele, apesar de já ter deixado o hospital. Ela era uma sombra do que fora, e sabia disso.Aos dezoito anos, Isabella Bianchi havia perdido tudo. Seus pais, sua casa e seu futuro. Restava apenas um contrato assinado anos atrás, um acordo que lhe dava um novo sobrenome, mas não garantia nada além
Três anos depois...Isabella observava a própria imagem no espelho com uma mistura de dor e determinação. Três anos haviam se passado desde o acidente que a deixara marcada, não apenas na pele, mas na alma. A mulher que refletia para ela não era a mesma que se olhava anos atrás, cheia de sonhos e esperanças. Não. Ela era uma versão mais dura, forjada pela dor, pelas perdas e pelo abandono.As cicatrizes, embora mais curadas, ainda estavam lá. Aquelas marcas eram testemunhas do seu sofrimento, e a cada dia, ela as aceitava mais como parte de quem era. Não podia mais lutar contra elas. Mas, no fundo, o que mais doía não era a perda da sua perna ou as marcas visíveis. Era o fato de Romeu nunca tê-la olhado de verdade. Ele, que devia ser seu marido, seu parceiro, sempre se manteve distante. Durante todo o tempo em que esteve com ela, ele nunca a amou. Nunca a quis.Isabella respirou fundo, sentindo uma onda de coragem tomar conta dela. Hoje seria diferente. Ela não seria mais a mulher qu
Isabella deixou o escritório de forma intepestiva, tomada pela raiva, tropeçou na escada e caiu. Romeu que ja saia do escritório atras dela correu e chegou a tempo de segurá-la. Isabella recusou sua ajuda, e o afastou abruptamente. Chorou silenciosamente com amargura e subiu as escadas com dificuldade. Se arrastou de volta ao quarto, a bengala batendo no chão a cada passo irregular.A dor física era um incômodo constante, mas nada se comparava ao vazio que corroía seu peito.Ela não era tola, sabia como as pessoas a viam agora. Deformada, destruída, uma sombra da menina que fora um dia. Sua perna manca, a pele marcada... um lembrete vivo de que a vida lhe havia sido tirada de forma cruel e definitiva. E, de uma forma ainda mais dolorosa, sabia que Romeu jamais a desejara e jamais a desejaria. Ele a havia tolerado, sim, por obrigação, mas amor... aquele tipo de amor que ela sempre imaginara, não existia mais.Mal entrou no quarto e ouviu as batidas fortes na porta. Antes que pudesse
Isabella segurava o telefone com mãos trêmulas. Respirou fundo antes de discar o número do avô. Ele atendeu no segundo toque, como se já esperasse por ela.— Isabella? Está tudo bem, bambina?Ela fechou os olhos, sentindo o calor das lágrimas ameaçando subir. Não era hora para fraquezas.— Nonno... eu só liguei para avisar que tomei uma decisão. Vou me divorciar de Romeu.O silêncio do outro lado foi absoluto. Um silêncio que pesava como chumbo.— Pode me explicar o que está acontecendo? — perguntou o velho, em voz neutra, quase cortante.Isabella apertou o telefone com mais força.— Não deu certo, nonno. Nós... nunca nos aproximamos de verdade. Eu quero refazer minha vida, mereço ser feliz.Um som baixo, quase um grunhido, escapou do avô. Mas ele não discutiu. Não gritou.— Entendo — disse por fim, frio como o mármore. — Se é isso que deseja, Isabella, terá meu apoio.Ela soltou um suspiro tremido, agradecida. Mas a ligação não terminou aí.— Agora, me faça um favor — continuou ele,