Nunca mais o verei.

Foi exatamente isso que pensei quando cheguei em casa naquela noite depois do jantar desastroso. Fechei a porta do meu apartamento com a sensação de que o universo tinha me pregado uma peça amarga. Um CEO arrogante e insuportável, que respirava dinheiro e menosprezava a importância da ciência, era tudo o que eu menos precisava na minha vida. Demian Kim. O nome dele soava tão irritante que parecia ter sido criado apenas para me perseguir nos meus pensamentos.

Mas, como sempre, o destino não estava interessado nos meus planos. Dois dias depois, ele riu da minha cara e me atirou direto no meio da tempestade.

Minha apresentação na universidade era crucial. Não apenas mais uma palestra ou um daqueles congressos que se acumulam no currículo, mas a apresentação que poderia decidir meu futuro. A bolsa de pós-doutorado era o meu objetivo, a chave para avançar minha pesquisa sobre regeneração cerebral com células-tronco. Passei noites em claro revisando gráficos, afinando cada slide, cada palavra. O peso da responsabilidade me pressionava os ombros, mas também me dava foco. Ali, naquele auditório, eu tinha que provar ao mundo, e a mim mesma que merecia aquele investimento.

E então eu o vi.

Na primeira fila, sentado com uma postura impecável, estava ele. Demian Kim. Impecável em um terno escuro, como se tivesse acabado de sair de uma revista de negócios. Relaxado, porém calculado. Os braços cruzados denunciavam desdém, mas o brilho nos olhos era quase divertido, como se estivesse prestes a assistir a um espetáculo privado: o meu.

Por um segundo, o ar me faltou. Maldição. Aquele homem parecia ter sido desenhado para me irritar em cada detalhe, até a forma como ajeitava a gravata parecia uma afronta. Respirei fundo, ergui o queixo e vesti minha máscara mais eficiente: a indiferença. Não daria a ele o prazer de ver que me afetava.

Subi ao palco com passos firmes. Ajustei o microfone e deixei meus olhos correrem pela plateia. A cada slide, a cada argumento, sentia-me mais sólida, mais segura. Falei de impactos sociais, da possibilidade de transformar vidas, do avanço que a ciência poderia trazer para pacientes sem esperança. Minha voz não tremia; ao contrário, vibrava com a convicção de quem acredita no que faz.

E então, claro, ele abriu a boca.

— Interessante. — A voz de Demian ecoou pelo auditório com uma calma irritante. Ele se recostou na cadeira, braços cruzados, como quem avalia um show mediano. — Mas qual seria o retorno prático desse investimento? Não em teoria, doutora. Em números. Deixando de lado, claro, o sentimentalismo. Preciso de dados reais. Quanto será o retorno desse investimento? Porque, nisso podemos concordar, sua pesquisa não é nada humilde em termos monetários.

Ah, se eu pudesse jogá-lo para fora da sala naquele instante.

Uma onda quente percorreu minhas veias, raiva, frustração e algo mais que eu preferia não nomear. Apertei os dedos no controle do slide e sorri, um sorriso afiado, como uma lâmina prestes a cortar.

— O retorno, senhor Kim, não pode ser medido em cifras. Estamos falando de salvar vidas, reduzir custos médicos, mudar realidades. Talvez isso não caiba nas planilhas que o senhor tanto adora.

A plateia explodiu em discretos risos. Eu sabia que tinha acertado. Mas mais do que isso: vi o brilho nos olhos dele. Não era irritação. Não era sequer reprovação. Era… instigação. Ele parecia se divertir com cada palavra atravessada que eu lançava.

Meu coração batia rápido, mas não era nervosismo. Era a adrenalina da batalha. Porque, entre nós, cada frase era uma guerra travada em público.

Demian inclinou a cabeça levemente, como quem analisa um adversário digno de respeito. Aquela expressão presunçosa, combinada com o canto da boca arqueado em um quase sorriso, me tirava do sério.

Continuei a apresentação, mais firme do que nunca. A cada dado que eu expunha, era como se eu estivesse respondendo a ele, e não à plateia. Meus olhos o procuravam, involuntariamente, e sempre encontravam os dele cravados em mim, intensos, desafiadores.

O auditório se dissolveu. O mundo se resumiu a nós dois, minha convicção contra a arrogância dele, minha paixão pela ciência contra sua obsessão por números.

Terminei sob aplausos, e mesmo assim, quando saí pela lateral do palco, sentia o corpo tenso, os músculos rígidos, como se a guerra não tivesse terminado. Eu só queria respirar. Respirar longe dele.

Mas, claro, ele não ia deixar.

Ouvi seus passos atrás de mim, o eco pesado no corredor vazio. Fechei os olhos por um instante, buscando calma, mas quando me virei, lá estava ele.

— Gostei da sua coragem, doutora — disse, parando na minha frente. A voz baixa, firme, carregada daquela maldita autoconfiança. — Embora sua arrogância seja quase tão grande quanto sua inteligência.

Cruzei os braços, erguendo uma sobrancelha. — O sentimento é mútuo.

Ele deu um passo à frente. A distância entre nós encolheu perigosamente. Senti o calor dele, o perfume amadeirado misturado à eletricidade do momento. Meus batimentos aceleraram, mas meu olhar se manteve firme.

— Você pode fingir que me odeia, doutora — ele murmurou, tão próximo que sua respiração roçou minha pele. — Mas seus olhos… dizem outra coisa.

Arrogante. Insolente. Irritante.

E ainda assim, por um segundo, temi que fosse verdade.

Engoli seco, forcei meus pés a se moverem e passei por ele com toda a dignidade que consegui reunir. Minha voz saiu gelada, mas trêmula de raiva, ou seria outra coisa?

— Se há algo que meus olhos dizem, senhor Kim, é que eu jamais me curvarei a você.

Continuei andando, mesmo sentindo o olhar dele queimar minhas costas. E sabia, sabia com a mesma clareza com que conhecia meu próprio nome, que aquela guerra estava apenas começando.