A sala tinha um silêncio quase solene, interrompido apenas pelo barulho discreto da máquina de café no corredor.
Respirei fundo e ajeitei a postura na poltrona de couro. À minha frente, senhor Castellani folheava algumas páginas que Lis havia organizado para a apresentação. Seus dedos longos, impecavelmente bem-cuidados, deslizavam pelo papel com calma, mas seu olhar fixo em mim me desconcentrava. “Você consegue, Mila”, pensei comigo mesma, enquanto projetava o primeiro slide. — Primeiro, obrigada pela oportunidade de apresentar essa proposta, senhor Castellani. — Minha voz saiu firme, embora meu coração estivesse correndo uma maratona. Ele apenas fez um gesto breve com a mão que soou um pouco arrogante, como quem diz: prossiga. — Bem, senhor, o que trago hoje é uma proposta para reposicionar a imagem da empresa diante de um público que já os admira, mas não se conecta com a marca… Ele levou a mão ao queixo, apoiando o cotovelo no braço da cadeira. O olhar escuro não vacilava. Era como se ele absorvesse cada palavra, cada gesto meu. Continuei, mostrando dados, gráficos e conceitos criativos que poderiam transformar a forma como a Castellani Holdings era vista: não apenas como um império financeiro frio e distante, mas como a marca de solidez, sofisticação e visão de futuro que era. Por um segundo, tive a impressão de que ele estava mais interessado em mim do que nos números que eu projetava. Mas logo me repreendi mentalmente. Foco, Mila. O que deveria ser um sinal positivo, na verdade me deixava em alerta, porque diabos ele me olhava assim? Lorenzo se recostava na cadeira, por vezes levava a mão ao queixo em um gesto pensativo que deixava à mostra o relógio que só pelo fundo verde dava pra imaginar que era caríssimo. Mas a intensidade daquele olhar… Céus. Eu me sentia dissecada, estudada, como se cada palavra minha estivesse sendo pesada em uma balança invisível. Lorenzo inclinou levemente a cabeça, e pude jurar que a ponta de seus lábios esboçou algo próximo de um sorriso — embora discreto, quase imperceptível. — Bom, essa é a visão que preparei para a Castellani Holdings - disse com uma enorme satisfação. Quando finalizei, minhas mãos estavam levemente suadas, mas mantive o sorriso confiante. Houve um breve silêncio, até que Lorenzo pousou os papéis sobre a mesa e se inclinou para frente. — Interessante — disse com sua voz grave. — Muito interessante. Meus olhos brilharam, mas permaneci firme. Ele ficou em silêncio por mais alguns segundos que pareceram séculos seus olhos percorriam os papéis sob a mesa. Finalmente, descruzou os braços e falou: — Excelente apresentação Senhorita Moretti. — a voz dele tinha aquela gravidade que parecia ecoar pela sala. — Direta, objetiva e… surpreendentemente criativa. Meus ombros relaxaram, mas só um pouco. — Vou encaminhar essa proposta ao meu time jurídico para acelerar a parte burocrática. — continuou, os olhos ainda fixos em mim. — Mas posso adiantar que gostei do que ouvi… e vi. Tentei manter a postura profissional, mas não consegui evitar o calor que subiu pelo meu rosto. Por que esse “e vi” soou com duplo sentido? — Fico feliz em saber, senhor Castellani. Tenho certeza de que essa parceria pode trazer ótimos frutos para ambos. Ele sustentou meu olhar por mais alguns segundos, e havia algo ali — algo que escapava à frieza corporativa. Uma curiosidade, talvez. Lorenzo, então, se levantou com um movimento elegante, oferecendo a mão para encerrar o encontro. Eu apertei a dele, firme, profissional… embora minha pele ainda estivesse marcada pelo choque elétrico que senti no breve toque anterior, lá fora da sala. — Até breve, senhorita Moretti. — disse, com um sorriso discreto que me deixou intrigada. — Foi um prazer, senhor Castellani. Quando saí da sala, percebi que estava prendendo a respiração. Pela primeira vez em muito tempo, um contrato me deixou nervosa de verdade. E nem era pelo valor ou pela negociação assídua. Foi até… fácil demais! Do lado de fora da sala, encontrei Lis encostada no balcão com um sorriso maroto. — E aí? Sobreviveu ao “Sr. Castellani”? — perguntou, arqueando a sobrancelha com uma expressão de deboche estampada. — Sobrevivi, mas… não sei explicar. — balancei a cabeça, rindo nervosa. — Teve uma hora que eu achei que ele estava lendo minha alma. — Ah, querida, prepare-se. — Lis riu baixo. — Ele pediu para adiantar a reunião contigo porque viaja hoje ainda para Nova York. Parece que a filial de lá anda com problemas sérios na comunicação e aquisição de novos clientes. E sabe o que isso significa? — Que vou ter mais tempo pra respirar? — arrisquei. — Que você vai passar alguns meses trabalhando com o homem mais inacessível do mercado financeiro. — piscou, divertida. — Mas, quem sabe, não tão inacessível assim? Revirei os olhos, tentando esconder o sorriso. Mas não pude negar que uma dúvida surgiu. O resto do dia seguiu com reuniões mais “normais”, clientes que não tinham nem metade da imponência de Lorenzo. À noite, em casa, larguei o salto na porta, soltei o coque e enchi uma taça generosa de vinho. A pizza chegou alguns minutos depois. Coloquei uma série qualquer na televisão, mas mal prestava atenção. Meus pensamentos estavam presos na sala de reuniões, no olhar dele, na forma como segurava o queixo enquanto eu falava. Em como sua linguagem corporal parecia falar mais do que qualquer palavra que trocamos lá. Suspirei fundo, encostando a cabeça no sofá. — Não, Mila… você só pode estar ficando louca! — murmurei em voz alta. — É só trabalho. Só trabalho.