— Como é, Lis? — quase engasgo com a torrada ao ouvir a voz da minha secretária do outro lado da linha. — Você tá brincando comigo, né?
— Queria estar, Mila… mas não estou. O senhor Castellani pediu para adiantar a reunião. Para daqui uma hora e meia. — Uma hora e meia? — repeti alto demais, já andando pela cozinha com o celular preso no ombro, as mãos ocupadas tentando enfiar notebook e pastas dentro da bolsa. — Lis, você tem noção de que eu levo quarenta minutos só pra atravessar a cidade? — Tenho. Mas você é Mila Moretti. Se tem alguém que consegue chegar pronta e arrasar, é você. Fechei os olhos por um segundo. Lis sempre soube o que falar pra me desarmar. Respirei bem fundo, meio rindo, meio em pânico: — Às vezes eu acho que você tem mais fé em mim do que eu mesma. — Eu tenho certeza! — ela rebateu, pude sentir um sorriso em sua fala — Agora vai. Você precisa chegar a tempo. Eu te encontro lá mais tarde. Desliguei a chamada, enquanto o silêncio da cozinha parecia zombar de mim. Olhei para a xícara de café amargo quase cheia: — É… não vai ser hoje que a gente se entende, né? - disse em voz alta, como se ela fosse uma confidente Corri para o quarto. E em dez minutos, eu fui de “mulher comum” para “profissional impecável”. Escolhi um vestido azul marinho de corte elegante, blazer estruturado e salto médio confortável. Prendi os cabelos em um Coque firme, com um total de zero fios rebeldes. Alguns acessórios em dourado. Ok! — A maquiagem vai ter que ficar pra fazer no caminho. — Parei encarando por dois segundos meu reflexo no espelho: — Quem te ver assim, vai achar que tá tudo sob controle. — soltei um riso sem um pingo de humor. Já dentro do carro. Entre um sinal e outro, eu pegava o quebra sol para conferir a maquiagem. — Fecha, fecha, fecha — murmurei dando um leve tapinha no volante, torcendo para o farol ficar vermelho. O caminho seguiu agitado, mas felizmente bem produtivo, consegui passar uma maquiagem rápida, e ainda chegar a tempo. Antes de parar o carro no estacionamento, vi a entrada, era uma cafeteria renomada com salas privativas, perfeita para uma apresentação que traria para dentro um dos maiores clientes da nossa cartela. Peguei tudo que estava ao meu alcance o mais rápido possível do banco do carro, com aquela pontada de esperança de que chegaria antes do Sr. Castellani. Saí do carro ajustando a postura e alisando o vestido, tudo o que eu precisava era parecer confiante nesse momento. — Esse lugar com certeza deve ter um café gostoso… — exclamei baixinho olhando através das janelas de vidro. — Mais do que eu tomei em casa?! Com certeza! — disse empurrando a porta e encarando o menu do telão logo à minha frente. Enquanto meus olhos percorriam as opções, imaginei rapidamente qual deles poderia salvar meu humor. Um latte bem cremoso? Um cappuccino? Até um simples espresso já pareceria um prêmio depois do que tomei em casa. Ou quase tomei, né. Suspirei, ajeitando a pasta contra o peito e caminhei alguns passos, meus olhos percorriam todo o ambiente tentando me acostumar com a atmosfera elegante do lugar. Havia o som sutil de xícaras batendo, conversas baixas, e aquele cheiro inconfundível de grãos torrados que parecia atravessar a alma. “Respira, Mila. Você precisa parecer confiante, não uma barata tonta perdida no cardápio de café.” Por um milésimo de segundo, me virei, foi quando senti o impacto com outro corpo apressado, fazendo todos aqueles papéis caírem no chão. O choque me fez perder o ar por um segundo. Minha pasta voou para um lado, os papéis se espalharam como confete no chão. — Puta que Pariu! — deixei escapar, sem querer. Levando as mãos rapidamente à boca como se fosse uma criança que acabará de receber um puxão de orelha. — Desculpa, hoje tá sendo um dia complicado, saí atrasada, peguei muitos sinais vermelhos, tomei um café horrível — comecei falando desenfreadamente, sem olhar pra cima, enquanto juntava os papéis que caíram da minha pasta. — É aquele dia que parece que até o que tinha pra dar certo. — …dá errado! — a voz masculina completou minha frase quase em uníssono, só que mais calma, grave, carregada de ironia. Meus dedos congelaram sobre as folhas espalhadas. E foi impossível não prender a respiração. Levantei o olhar devagar, ainda com um maço de papéis na mão. E então, o mundo pareceu ficar em câmera lenta. Ele estava ali, parado, com a postura de quem domina cada espaço que entra. Facilmente 1,90m, o terno cinza chumbo caía sobre ele de uma forma quase indecente de tão perfeita, como se tivesse sido moldado ao corpo. Os olhos eram de um castanho tão escuro que pareciam puxar qualquer pensamento racional para dentro deles. O relógio caro no pulso denunciava o homem que não desperdiça tempo — e provavelmente também não aceitava desculpas. Engoli em seco, tentando não encarar demais o traço firme da mandíbula, nem o leve desalinhado calculado dos cabelos castanhos, como se ele tivesse passado a mão por cima minutos antes só para parecer menos implacável. — Eu… desculpa, senhor… — as palavras travaram na minha garganta. Céus, como era mesmo o nome dele? Castellani. Lorenzo Castellani. Ele se abaixou para pegar os últimos papéis que eu ainda não tinha alcançado. E, quando nossas mãos se tocaram sem querer, senti um arrepio súbito percorrer meu braço inteiro. Droga, Mila, concentra! — Não precisa se desculpar — disse ele, entregando os papéis de volta com um sorriso contido, quase enigmático. — Aparentemente, o universo decidiu conspirar contra nós dois hoje. Sorri de nervoso, ajeitando a pasta no braço. — Ah, então não é só comigo? Já estava achando que tinha sido escolhida a dedo pra sofrer. Ele soltou um breve riso pelo nariz, baixo, mas suficiente para me deixar ainda mais desconcertada. Lorenzo não era apenas mais um CEO. Ele era o CEO da Castellani Holdings — uma holding multinacional que lidava com cifras e decisões capazes de mudar mercados inteiros. Fundos de investimento, empresas resgatadas da falência, arranha-céus erguidos em cidades estratégicas… nada parecia grande ou complexo demais para ele. Tinha fama de ser exigente até o limite, detalhista, e absolutamente correto em tudo que fazia. Talvez por isso, mesmo com toda a minha experiência, eu me sentia um pouco aflita só de pensar em trabalhar ao lado dele. Por dentro, um pensamento martelava: Se ele for mesmo tão exigente quanto dizem, estou ferrada. Se for tão atento quanto esse olhar sugere… estou mais ferrada ainda. — Mila Moretti? — perguntou, a voz agora mais séria, interrompendo meus pensamentos, enquanto caminhava ao meu lado em direção às salas reservadas. — Sim, eu mesma — respondi, ajeitando o coque como se isso pudesse me devolver o controle da situação. No fundo, eu sabia que deveria estar focada na proposta, nos números, na argumentação. Mas a verdade é que, depois daquele toque, ele não parecia apenas um nome numa pasta de contratos. Ele parecia um desafio. Um daqueles que mexem com mais do que a sua reputação profissional. E, quando a porta da sala se fechou atrás de nós, tive a certeza de que aquele encontro não seria apenas sobre negócios.