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capítulo 4 - Quando o passado começa a bater a porta.

Helena passou o fim de semana inteiro com a sensação incômoda de que algo estava prestes a escapar do controle. Não era ansiedade comum, nem apenas desejo mal resolvido. Era como se uma parte do passado, que ela mantivera cuidadosamente guardada, começasse a se mover — inquieta — ao perceber que o presente já não cabia mais dentro das defesas que ela havia construído.

O beijo rápido no canto da boca não saía de sua mente. Não pelo gesto em si, mas pelo que ele representava. Laura não avançara. Não exigira. Apenas estivera ali, oferecendo proximidade sem pressão. E isso, paradoxalmente, era o que mais desestabilizava Helena.

Na segunda-feira, ela chegou ao prédio com o coração acelerado, sem saber exatamente o que esperar. Parte dela temia encontrar Laura; outra parte desejava isso com uma intensidade quase dolorosa. Abriu a sala, largou a bolsa sobre a mesa e tentou se concentrar no trabalho, mas os pensamentos insistiam em fugir para o mesmo lugar.

Quando ouviu a porta da sala ao lado se abrir, Helena respirou fundo.

— Bom dia — Laura disse, aparecendo no corredor com a mesma tranquilidade de sempre, como se o sábado à noite não tivesse mudado absolutamente nada.

— Bom dia — Helena respondeu, um pouco mais contida do que gostaria.

Laura observou-a por alguns segundos, avaliando. Havia algo diferente ali. Não distanciamento, mas uma tensão nova, mais densa.

— Você está bem? — perguntou, em tom baixo.

Helena hesitou. Poderia mentir. Sempre fizera isso bem. Mas algo no olhar de Laura a impediu.

— Estou… processando algumas coisas.

— Quer falar sobre isso?

A pergunta não vinha com expectativa, apenas com abertura. Ainda assim, Helena sentiu o peso dela.

— Não agora — respondeu. — Mas talvez em breve.

Laura assentiu, respeitando o limite.

— Estarei por aqui.

Durante o dia, Helena tentou ignorar a presença constante da outra sala, mas falhou miseravelmente. Cada som no corredor, cada movimento próximo fazia seu corpo reagir. Era ridículo pensar que algo tão simples pudesse ter tanto poder sobre ela.

No meio da tarde, enquanto organizava alguns arquivos antigos, Helena encontrou algo que não esperava: uma pasta esquecida no fundo de uma caixa. Ao abri-la, sentiu o estômago se contrair. Documentos, fotos antigas, recortes de uma vida que ela havia deixado para trás — ou tentado deixar.

Havia uma foto em especial. Ela e outra mulher, mais jovem, sorrindo de maneira despreocupada. Um sorriso que Helena não reconhecia mais em si mesma. A lembrança veio com força, trazendo junto a dor que nunca havia sido totalmente resolvida.

Foi nesse momento que a porta se abriu suavemente.

— Desculpa interromper — Laura disse, parando ao perceber a expressão no rosto de Helena. — Eu ouvi um barulho estranho e…

Ela parou ao notar a pasta aberta sobre a mesa. Não se aproximou, mas seu olhar foi inevitavelmente atraído para a fotografia.

— Eu posso voltar depois — completou, percebendo que havia entrado em algo íntimo.

— Não — Helena disse, talvez rápido demais. — Pode ficar.

Houve um silêncio pesado. Helena fechou a pasta com cuidado, como quem tenta conter algo que insiste em sair.

— Aquilo é parte do seu passado? — Laura perguntou, com cautela.

— É — Helena respondeu. — Uma parte que eu não costumo revisitar.

Laura aproximou-se lentamente, sem invadir o espaço.

— Você não precisa me contar se não quiser.

Helena respirou fundo. Sentia o peito apertado, mas também um alívio estranho por não estar sozinha naquele momento.

— Eu já me envolvi com alguém antes — começou. — Não foi simples. Não foi leve. Eu me perdi tentando ser o que esperavam de mim. Quando acabou, eu prometi a mim mesma que não passaria por aquilo de novo.

Laura ouviu em silêncio, sem interromper.

— Desde então — Helena continuou —, eu mantenho distância. Controlo tudo. Porque, se eu não deixar ninguém chegar perto demais, não corro o risco de desaparecer de novo.

Laura apoiou a mão na mesa, a poucos centímetros da de Helena.

— E agora?

Helena levantou o olhar, encontrando o dela.

— Agora eu não tenho mais tanta certeza de que isso seja possível.

O silêncio que se seguiu foi denso, mas não desconfortável. Laura parecia absorver cada palavra, cada pausa.

— O que você sente quando está comigo? — perguntou, por fim.

Helena engoliu em seco.

— Medo — respondeu, honestamente. — E vontade. Muita vontade.

Laura sorriu de leve, um sorriso compreensivo.

— Medo não afasta o desejo — disse. — Só torna ele mais cuidadoso.

Ela estendeu a mão, tocando de leve o braço de Helena. O contato foi suficiente para que Helena sentisse o corpo inteiro reagir. Não houve beijo, não houve avanço maior. Apenas proximidade. Presença.

— Eu não quero ser mais uma coisa que você precise controlar — Laura continuou. — Quero ser algo que você escolha, mesmo com receio.

As palavras se alojaram fundo. Helena fechou os olhos por um instante, sentindo a muralha interna rachar um pouco mais.

— Eu não sei se consigo prometer nada — disse.

— Eu não estou pedindo promessas — Laura respondeu. — Só honestidade.

Quando Laura se afastou, deixando Helena sozinha novamente, o silêncio da sala parecia diferente. Menos opressor. Mais revelador.

Naquela noite, Helena demorou a ir embora. Ficou sentada, olhando para a pasta fechada sobre a mesa, consciente de que o passado não ficaria escondido por muito mais tempo. E que, se quisesse seguir adiante com Laura, teria que encarar verdades que evitara por anos.

Ao apagar as luzes e fechar a porta, Helena sabia que o próximo passo seria inevitável. O desejo já não era apenas uma tensão contida. Era uma escolha se formando lentamente.

E, pela primeira vez em muito tempo, ela estava considerando não fugir.

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