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Meses depois, na mansão dos Fernandez.

Raul Romero Fernandez

A chuva tamborila nas janelas da biblioteca, criando uma melodia irregular que preenche o silêncio do cômodo. O fogo crepita suavemente na lareira, projetando sombras alongadas nas estantes de livros antigos. Sentado na poltrona de couro que pertenceu ao meu pai, giro lentamente um copo de uísque nas mãos, observando o líquido dourado dançar sob a luz bruxuleante.

É tarde, e Rafael ainda não voltou para casa.

A tensão que cresce no meu peito já se tornou uma velha conhecida — um peso invisível, porém constante. As noites se repetem como um ciclo vicioso: eu esperando, enquanto ele se perde em madrugadas que parecem nunca acabar.

Uma batida suave na porta interrompe meus pensamentos. Ergo os olhos e vejo Teodora, a governanta que nos acompanha há tantos anos que se tornou quase uma segunda mãe. Ela está parada na entrada, com um sorriso brando, mas os olhos denunciam o cansaço de quem já viu mais do que gostaria.

— Rafael ainda não chegou? — pergunta, como se já soubesse a resposta.

Balanço a cabeça, o peso da frustração escorrendo em cada gesto.

— Está em algum bar ou festa, como sempre. Mas hoje, preciso falar com ele. — Minha mão segura o copo de uísque, mas não bebo. Apenas observo o líquido dourado, esperando respostas que nunca vêm.

Teodora inclina a cabeça ligeiramente, seus olhos perfurando o meu orgulho com a precisão de uma lâmina.

— Raul, você não acha que está se colocando no lugar do seu pai?

As palavras dela me atingem como um soco no estômago. Fico em silêncio por um momento, tentando ignorar o desconforto crescente.

— Alguém tem que segurar esta casa — retruco, a voz mais áspera do que pretendia. — E Rafael claramente não será essa pessoa. Ele tem um filho, pelo amor de Deus!

— Sim, ele tem — ela diz, imperturbável. — Mas e você? Quem cuida de você, Raul?

O peso dessas palavras é quase insuportável, mas antes que eu possa respondê-las, a porta da frente da mansão b**e com força. Rafael chegou.

Deixo o copo na mesa, o som ecoando no silêncio pesado do ambiente.

— Fique aqui — digo, levantando-me de forma brusca.

— Raul, talvez seja melhor deixar para amanhã. Ele está bêbado. — Teodora toca meu braço, a voz carregada de cautela.

— Hoje, não. — Retiro minha mão de seu alcance, tentando controlar o turbilhão de emoções que cresce dentro de mim. — Não consigo segurar mais essa raiva!

Caminho até o hall, onde encontro Rafael tirando o casaco encharcado de chuva e o jogando no aparador sem o menor cuidado. Seu olhar turvo força um sorriso ao me ver.

— Ora, ora... Meu querido irmão ainda acordado?

— Rafael, por Dios, isso precisa acabar!

Ele ri, um som vazio, enquanto balança a garrafa de uísque em minha direção.

— Uísque? Ajuda a aliviar essa sua cara fechada.

Minha paciência, já por um fio, ameaça se romper. Respiro fundo, tentando manter o controle.

— Não quero uísque, Rafael. Quero que você acorde! Hoje perdemos um cliente importante porque você não apareceu.

Por um instante, ele parece congelar, os olhos enevoados me encarando como se tentasse processar minhas palavras. Há uma hesitação breve, quase imperceptível, antes de ele jogar a cabeça para trás e rir, a voz arrastada pelo álcool.

— Ah... foi isso? Meu carro deu problema.

Sinto o calor da raiva subir pelo meu rosto. Fecho os punhos ao lado do corpo, tentando manter a calma, mas minha voz sai carregada de frustração.

— Seu carro deu problema ou você estava de ressaca?

Ele me encara, o sorriso preguiçoso se ampliando como se a minha acusação fosse uma piada interna.

— Que diferença faz? — Rafael dá de ombros, jogando-se na poltrona de couro com um desdém que faz meu sangue ferver ainda mais. — E você? Onde estava?

A pergunta vem carregada de uma provocação subentendida, como se ele quisesse desviar o foco. Ele sempre faz isso, sempre tenta virar o jogo. Respiro fundo, lutando contra a vontade de explodir.

— Eu estava resolvendo um problema fora da empresa — digo, cada palavra calculada para manter minha compostura.

Ele arqueia uma sobrancelha, a expressão entre a curiosidade e o escárnio.

— Problema? Que tipo de problema?

Minha mandíbula se contrai. Não é algo que ele precise saber. Dara deixou claro que não queria que ninguém soubesse o que está enfrentando, e eu não vou trair a confiança dela.

— Não é da sua conta.

Rafael ri de novo, mas dessa vez o som tem um peso diferente. Há algo de amargo em sua voz, algo que parece cortar o ar entre nós.

— Sempre tão perfeito, não é, Raul? Sempre o herói. Sempre consertando tudo. Mas como viu hoje... a vida tem suas surpresas.

Suas palavras, carregadas de ironia, ecoam na sala. Por um momento, fico tentado a responder, a dizer que, sim, a vida tem surpresas, mas que a irresponsabilidade dele não deveria ser uma delas. No entanto, eu me contenho. Não é só o álcool que fala por ele. Há algo mais ali, algo que ele não sabe como expressar.

— E você? — pergunto, cruzando os braços. — Quando vai começar a levar isso a sério, Rafael?

Ele me olha de relance, mas não responde. Em vez disso, gira o líquido âmbar da garrafa e o silêncio se estende, carregado de tensões não ditas.

Dou um passo à frente, encarando-o com intensidade.

— Não estou pedindo perfeição, Rafael. Estou pedindo responsabilidade. Faça isso pelo seu filho, ao menos uma vez!

Ele me encara, seus olhos, embora turvos, refletem algo que se parece com dor.

— Eu sou um bom pai... Tenho meus momentos.

— Momentos não são suficientes. — Minha voz sai baixa, mas firme. — Ser um bom pai é estar lá. É sobre constância, não aparições esporádicas.

Ele desvia o olhar, como se minhas palavras fossem um espelho que ele não quer encarar.

— Boa noite, Raul.

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