O quarto está silencioso, exceto pelo som do meu próprio fôlego irregular. Meus olhos pesam, e a cabeça lateja, ainda repleta da névoa alcoólica que me acompanhou a noite inteira. Cambaleio até a cama e me jogo nela, afundando no colchão que não oferece conforto algum. Não busco mais conforto; busco apenas uma pausa no caos. Escuto a garrafa rolando pelo chão, vazia, como eu. Apago antes que consiga pensar em qualquer coisa, afundando na escuridão que tem sido minha companheira mais fiel.
Quando abro os olhos, o sol já está alto. São onze horas.
A luz invade o quarto sem pedir licença, ferindo meus olhos.
A dor de cabeça me atinge como uma martelada, antes mesmo de eu lembrar quem sou ou onde estou.
Suspiro fundo, soltando um palavrão baixo.
Minha vida é um espelho quebrado — cada pedaço refletindo sonhos estilhaçados, mentiras contadas e partes de mim que já não reconheço.
Levanto-me com esforço, tropeçando até o banheiro.
O reflexo no espelho me encara com a crueldade da verdade: olheiras profundas, barba por fazer, o rosto de um homem que desistiu de algo, talvez de tudo.
Santiago, o pequeno que mal vejo...
Sejamos francos: eu não sei como ser pai.
Ele é fruto de uma noite que eu deveria ter esquecido, mas da qual jamais poderei fugir.
A mãe dele, uma dançarina, nunca exigiu nada de mim — e, vergonhosamente, isso me alivia.
Raul, meu irmão, sempre teve outra visão de mim.
Para ele, sou uma causa perdida, um homem que se afoga em frivolidades enquanto ele carrega o peso da empresa e da família.Raul é a definição de ordem e responsabilidade. Sempre foi.
Ele vive como se o mundo fosse uma equação que pode resolver — mas nunca conseguiu resolver a equação que somos nós dois.
Ele não entende.
Nunca entendeu.
Nunca perguntou.
Talvez ache que já sabe.
Mas há coisas que Raul nunca soube.
Ele não sabe de Camila.
Não sabe que houve um tempo em que eu acreditava em algo maior, em amor, em futuro.
Camila foi minha vida.
Meu alicerce.
A razão pela qual eu acordava todos os dias.
E então ela se foi.
Sem explicação, sem aviso.
Apenas um bilhete dizendo que precisava "seguir seu próprio caminho".
Foi como cair de um penhasco.
Sem aviso, sem proteção.Procurei respostas até a exaustão, até não sobrar nada além do cansaço.
Com o tempo, parei de procurar.
Parei de sentir.
Hoje, isso já não dói como antes.
A ausência dela se tornou parte de mim — como uma cicatriz antiga que às vezes coça, mas não sangra mais.
O problema é que, mesmo depois que a dor se vai, os hábitos ficam.
A bebida, as fugas, as noites vazias...
Tudo isso virou rotina, não anestesia.
E no fundo, acho que continuo repetindo tudo porque desaprendi a viver de outro jeito.
Eu tentei preencher o vazio.
Com garrafas.
Com noites sem significado.
Com pessoas que nunca consegui alcançar de verdade.
Nada funcionou.
O que Camila me ensinou, no fim das contas, foi que o amor é uma promessa quebrada antes mesmo de ser feita.
Raul nunca viu isso.
Ele só vê o que sobrou de mim — um homem perdido na própria espiral.
Talvez ache que estou feliz assim, vivendo uma vida de excessos e desprezo pelas regras que ele tanto valoriza.
A verdade é que fiquei vazio.
E o vazio se tornou tudo que restou.
Me apoio na pia, deixando a água gelada correr sobre meu rosto.
Preciso encarar o dia.
Preciso encarar Raul.
Ele vai me lançar aquele olhar de julgamento de novo.
E eu não sei se vou conseguir suportar sem dizer alguma coisa.
Talvez hoje eu diga.
Talvez hoje ele saiba que a sombra que vê em mim não é fruto do acaso, mas daquilo que perdi e nunca consegui recuperar.
Mas não agora.
Não ainda.
Porque, no fundo, sei que, mesmo que ele soubesse, ele não entenderia.
E, para ser honesto... nem eu entendo por que me acabei por alguém que não me valorizou.
RaulTeodora se aproxima, seus olhos carregados de uma sabedoria que às vezes me irrita, mas que, no fundo, admiro.— Rafael precisa de ajuda. Está claro que seu irmão é um alcoólatra.Suspiro profundamente, o cansaço tomando conta.— Sim, eu sei — admito, minha voz quebrando sob o peso das palavras. — Mas ele não quer ajuda. E eu... não sei como forçá-lo. Já falei para ele procurar o AATeodora se aproxima, repousando uma mão firme, porém reconfortante, em meu ombro.— Às vezes, Raul, as pessoas precisam chegar ao fundo do poço antes de enxergarem o caminho de volta. Mas você não precisa carregar isso sozinho.Faço um gesto vago em direção à porta por onde Rafael desapareceu.— Ele é meu irmão. Quem mais vai cuidar dele, senão eu? E o Santiago? Esse menino já perdeu a mãe. Não posso deixá-lo perder o pai também.— E o que acontece com você? — Teodora insiste, sua voz impregnada de preocupação. — Até quando você vai continuar se sacrificando por ele? Venda essa casa, junte com suas ec
Beleza IbéricaEscritório CentralManhã seguinteAnna Simon RicciMeu coração bate forte no peito, ecoando minha ansiedade. Essa entrevista para o cargo de secretária na Beleza Ibérica Cosméticos é mais do que uma oportunidade: é minha chance de recomeçar. Um raio de esperança que ilumina o meu futuro. Enquanto me olho no espelho, tento acalmar as borboletas que dançam no meu estômago. Afinal, essa fábrica de cosméticos, com sua origem espanhola, representa não apenas um emprego, mas a possibilidade de fazer parte de algo grandioso. Meu reflexo revela uma mistura de nervosismo e determinação. Ajusto o colar que pertenceu à minha avó, como se ele pudesse me dar força. Hoje, ele parece ainda mais significativo.Com a pasta em mãos, contendo meu currículo impecavelmente organizado e uma carta de apresentação que escrevi com cuidado, deixo minha casa e sigo em direção ao meu destino. O sol brilha no céu, mas meu coração está envolto em uma nuvem de incerteza, e a estrada até o prédio da
— Tudo bem — ela diz, com um tom que é ao mesmo tempo gentil e profissional.Há algo nesse pequeno gesto que me desarma. Um detalhe quase imperceptível, mas que me faz querer entender mais.— Vamos começar. Me fale sobre você e por que acredita ser a pessoa certa para esta posição?Ela respira fundo, e sua postura muda sutilmente. Seus olhos, que antes estavam dispersos, agora se fixam em mim. Há um brilho ali que me prende, uma convicção que cresce à medida que ela fala.— Sou formada em administração e tenho experiência em marketing estratégico. Nos últimos dois anos, trabalhei desenvolvendo campanhas para uma empresa têxtil, mas que infelizmente fechou suas portas aqui em Londres.Enquanto ela fala, algo em seu tom me surpreende. Não é apenas o conteúdo, mas a maneira como ela entrega as palavras, com uma franqueza quase desarmante. Tento me concentrar no currículo, mas minha mente divaga.AnnaO homem à minha frente permanece em silêncio por um momento, como se absorvesse cada pal
RaulAnna é um paradoxo diante dos meus olhos: sua beleza tem uma força desarmante, mas não é só isso que a faz se destacar. É o brilho em seus olhos, uma determinação que parece inabalável, misturada a uma vulnerabilidade cuidadosamente escondida.É como se cada palavra dela carregasse um peso genuíno, como se ela não estivesse tentando me impressionar, mas, sim, me convencer de sua verdade. Isso deveria ser reconfortante, mas, na realidade, me desconcerta.Seus olhos me desafiam de forma sutil, sem perceber. Há um brilho ali, uma intensidade que mexe de certa forma comigo. Minha mente deveria estar focada em avaliar suas qualificações, em julgar objetivamente se ela é capaz de lidar com as demandas do cargo, mas a verdade é que estou mais fascinado pela pessoa à minha frente do que pelo currículo à minha mão.Ela responde à minha pergunta sobre enfrentar o caos com firmeza. A resposta é prática, objetiva, mas o que realmente me impressiona é o controle em sua voz, mesmo quando sei q
Só ela. Não sei o que isso acende em mim. Mas acende. E o pior é que não entendo por quê.Ela é só uma candidata. Eu a conheci agora. Não faz sentido esse tipo de interesse surgir assim, do nada, com essa força estranha que me tira do eixo.Guardo a informação como quem guarda um segredo precioso. Como se, de alguma forma, isso me desse acesso a uma parte dela que ninguém mais conhece.Meu celular vibra na mesa. Com dificuldade, desvio os olhos dos dela e encaro a tela.Dara.E de repente — como uma lâmina atravessando uma brisa — a imagem dela me invade. Seus olhos marejados naquela noite em que me pediu para não contar a ninguém. O medo escondido sob a maquiagem. A força que ela finge ter, mas que só eu sei o quanto está se desfazendo.Minha garganta aperta.Lembro do toque gelado da mão dela. Da forma como ela segura firme minha camisa, como se aquilo fosse a única âncora em meio ao desespero.Ela também não tem ninguém. Só eu.Meus olhos voltam para Anna. Ela continua ali, sentada
AnnaQuando ele estende a mão, minha mente grita uma advertência. "Seja rápida. Seja profissional." Mas há algo em seus olhos que faz minhas pernas tremerem de leve. Ele não olha para mim apenas como um entrevistador avaliando uma candidata. Há algo mais ali, uma intensidade que não sei como decifrar.Eu estico a mão com cautela, tentando parecer calma. Mas, quando nossos dedos se encontram, sinto uma onda de calor que irradia pelo meu corpo. Não é apenas um toque; é um choque, uma corrente que conecta nossas peles e me faz prender a respiração.Seus dedos são firmes, mas não frios como eu esperava. Ao contrário, o toque é quente, seguro, como se ele tivesse a capacidade de envolver o momento em algo único. Tento ignorar a maneira como meu coração parece ecoar o pulsar desse contato, mas falho miseravelmente.— Muito obrigada, Sr. Fernandez. — Minha voz soa firme, mas meu interior está um caos, como se cada célula estivesse reagindo ao toque dele.Quando retiro minha mão, sinto a ausê
AnnaMeu coração bate mais rápido do que o normal enquanto vou para casa. Uma mistura de alívio, alegria e uma gratidão imensa se espalha por mim, como uma onda acolhedora. Fui chamada para o departamento pessoal da empresa, finalmente. Depois de meses de busca, consegui a vaga de Assistente do CEO Rafael Fernandez na Beleza Ibérica. Não consigo conter o sorriso que teima em escapar, mesmo quando o trajeto para casa parece mais longo do que o habitual.Chego em casa e corro para o quarto do meu pai. Como sempre, encontro-o deitado na cama, imóvel, com o rosto pálido, a respiração difícil. Meu coração se aperta ao vê-lo assim, tão vulnerável. Ele, que sempre foi meu porto seguro, agora está fragilizado, e eu me vejo em um lugar onde as forças parecem invertidas. Mas o que carrego comigo hoje não é apenas a notícia do emprego. É algo mais, algo que traz consigo uma esperança renovada, uma luz que, por mais frágil, é real.— Papai, eu preciso te contar uma coisa — minha voz sai trêmula,
AnnaEncontro-me no meu primeiro dia de trabalho como assistente executiva do CEO, Rafael Fernandez, no escritório da indústria de cosméticos "Beleza Ibérica Cosméticos." Imagina como estou nervosa.A manhã começa com a suave luz do sol inundando o espaço, criando uma atmosfera acolhedora. O aroma delicado de perfumes e loções paira no ar, enchendo meus sentidos com antecipação e empolgação. O som suave das teclas de um computador e o burburinho distante dos colegas de trabalho completam o cenário perfeito para um começo promissor.Helen, a secretária que me precedeu, me entrega algumas cartas para digitar, introduzindo-me suavemente nas tarefas diárias e na rotina do escritório. Ela é prestativa, compartilhando sua experiência e sabedoria para garantir que eu me sinta à vontade em meu novo papel. Apesar de sua natureza acolhedora, algo em minha mente não consegue se livrar da expectativa crescente — a ansiedade de finalmente estar no mesmo espaço que Rafael Fernandez.Ao longo da man