📖 Capítulo 2
O aplicativo apitou. Ane olhou para o celular e arqueou a sobrancelha. — Olha só... cubano! — murmurou, enquanto passava os olhos pelo perfil. Ex-atleta, professor de Educação Física, 42 anos, olhos intensos. “Bonito, mas será que presta?”, pensou, já com o sarcasmo natural. Do outro lado do mar, Moreno lia o perfil de Ane. “Pedagoga, baiana, cristã.” A última palavra chamou mais sua atenção que qualquer foto. — Ai, ai... uma crente. Isso vai dar discussão — disse para si mesmo, mas com um sorriso curioso. Ela foi a primeira a escrever: Olá podemos conversar pelo W******p? Você tem W******p? Moreno: Hola, Ane. Encantado. Me gusta tu sonrisa, aquí o meu número Ane sorriu. Traduziu mentalmente o espanhol simples e respondeu no mesmo tom. Ane: Olá, Moreno. Obrigada. Você é direto, né? Moreno: Prefiero ser directo. La vida es corta. Ela riu sozinha. Ane: Pois é... a vida é curta, mas a internet é longa. Já pensou quantas pessoas a gente conhece por aqui que nunca vai ver de verdade? Moreno: Tal vez. Pero si no intentamos, nunca sabemos. Ane apoiou o queixo na mão. Gostava da resposta. Havia uma maturidade diferente nele. Ane: Então me diga, Moreno... você acredita no destino? A resposta veio rápida. Moreno: No. El destino lo inventamos nosotros. Ane riu alto, chamando a atenção da mãe na sala. — Tá rindo de quê, menina? — perguntou a mãe, sem desgrudar os olhos da novela. — De nada, mainha ,de nada... — Ane respondeu, tentando disfarçar. De volta ao chat, ela digitou: Ane: Eu acredito. Acho que Deus coloca as pessoas certas no nosso caminho.e sem Ele nada somos e nada podemos fazer Moreno: Interesante... pero yo no creo en Dios. Ela parou. Respirou fundo. Ane: Então vai ser difícil a gente concordar em algumas coisas. Moreno: Eso lo hace divertido. Ane riu de novo. Ele era provocador, mas havia leveza em suas palavras. As horas passaram sem que percebessem. Conversaram sobre música, sobre as praias de Cuba e da Bahia, sobre a vida corrida dela na hidroginástica, Pilates, psicólogo e aulos de crochê e a rotina dele na academia da escola que trabalhava, Ane contou da filha estudante de Direito, Moreno falou das irmãs e dos sobrinhos. Entre confidências e risadas, a distância parecia diminuir. Pensaram quase ao mesmo tempo em estudar um a língua do outro e resolveram estudar pelo aplicativo Duolingo. Ane contou o motivo que a afastou da sala de aula e hoje ela se sentia muito ansiosa por não trabalhar naquilo que ela estudou e se dedicou por anos entre faculdade e pós graduações, um ano depois da pandemia ela sofreu uma trombose cerebral seguido de AVC e se encontrava afastada de sala e dos alunos que ela tanto amava, ele contou de suas aventuras como es atleta da seleção de Cuba, sobre suas medalhas e viagens internacionais, contou que conheceu o Brasil em uma dessas viagens e que gostou bastante do país. Quando se deram conta, Ane já tinha perdido a hora do jantar. Moreno também — a mãe dele bateu na porta lembrando que a comida estava esfriando. Ane: Acho que já atrapalhamos o jantar dos nossos pais. Moreno: Es una buena señal... hablamos demasiado. Ane: (rindo) Ou falamos o suficiente para querer falar mais amanhã. Moreno: Exacto. Buenas noches, Ane. Ane: Boa noite, Moreno. Ao desligar o celular, Ane ficou olhando para o teto, pensativa. Moreno, em Cuba, fez o mesmo. Dois países diferentes. Dois mundos distintos. Mas naquela noite, os dois adormeceram com o mesmo pensamento: “Será que encontrei alguém que vale a pena?”