O carro preto deslizou pelas ruas vazias até parar diante de um prédio discreto, sem placas, com janelas espelhadas que não revelavam nada lá dentro. Rafael saiu primeiro, conferindo a rua antes de abrir a porta para Valentina.
— Entrem — disse Dominic, como se estivesse convidando para uma recepção e não conduzindo uma refém.
O interior era silencioso e limpo demais para um esconderijo improvisado. Piso de mármore, móveis minimalistas, cheiro de couro novo. Um contraste gritante com o galpão úmido de onde haviam saído.
Victor fechou todas as trancas enquanto Rafael desaparecia por um corredor. Dominic caminhou até um bar no canto da sala, serviu uísque para si e água para ela, como se fosse um gesto de cortesia.
— Beba — disse, empurrando o copo na direção dela.
Valentina cruzou os braços. — Prefiro ficar com sede.
Ele deu um meio sorriso. — Orgulho é bom… até o momento em que começa a matar.
Dominic sentou-se no sofá, o copo de uísque na mão, e fez um gesto para que ela se sentasse também.
— A questão é simples, princesa: você quer o homem que destruiu sua família. Eu quero… a mesma coisa, mas por motivos diferentes.
Ela manteve o silêncio, e ele inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Sozinha, você não vai chegar perto dele. Comigo… pode até conseguir encostar a faca no pescoço dele.
— E o que você quer em troca? — ela perguntou, desconfiada.
O sorriso dele foi lento, calculado.
— Quero você no meu jogo. Sem reservas. Sem mentiras.
Ela riu, seca. — E se eu disser não?
Dominic deu um gole no uísque e não desviou o olhar.
— Então… vai descobrir como é desaparecer sem deixar rastros.
O silêncio que se seguiu era quase palpável. Valentina sabia que ele não estava blefando. E, pior… sabia que parte de si estava considerando aceitar.
Dominic pousou o copo na mesa, o som seco ecoando pela sala. Ele se levantou devagar, como um predador que encurta a distância sem pressa, e parou diante dela.
— Quer saber qual é o problema, princesa? — A voz dele era baixa, quase um sussurro. — Você acha que pode negociar comigo como se fôssemos iguais. Mas… não somos.
Valentina manteve o queixo erguido, mesmo quando ele se inclinou o suficiente para que o calor da respiração dele roçasse seu rosto.
— Então o que exatamente você quer que eu faça?
— Quero que prove que está comigo. — O olhar dele era afiado, testando cada reação dela. — Agora.
— E como pretende que eu faça isso? — O tom dela era firme, mas o coração disparava.
Ele recuou um passo, apenas para abrir a gaveta de um móvel próximo. De lá, tirou um celular e o colocou sobre a mesa entre eles.
— Ligue para o seu contato. Aquele que te ajuda a seguir o seu alvo. E diga que está fora.
Valentina estreitou os olhos. — Isso é ridículo.
Dominic sorriu, mas não havia humor.
— Ridículo… é achar que pode estar dos dois lados e sobreviver.
O silêncio se estendeu. O celular, no centro da mesa, parecia pesar toneladas. Ela sabia que se fizesse aquela ligação, queimaria a única ponte que tinha planejado para chegar até o homem que odiava. Mas, se não fizesse… Dominic talvez queimasse algo muito mais precioso: a própria vida dela.
— Escolha, princesa — disse ele, a voz carregada de ameaça velada. — Agora.
O olhar dele não se desviava, como se pudesse sentir o momento exato em que ela decidiria se era isca… ou arma.
Valentina pegou o celular, sentindo o peso frio do aparelho na mão. Dominic permaneceu em pé, braços cruzados, o olhar fixo nela como se estivesse cronometrando cada segundo antes da decisão.
— Número — disse ele, sem alterar o tom.
Ela digitou, mantendo o rosto impassível, mas por dentro cada músculo gritava alerta. Quando a linha chamou, sentiu o suor frio escorrer pela nuca.
— Alô? — a voz masculina soou do outro lado.
Valentina respirou fundo.
— É melhor você esquecer tudo o que combinamos. Não vai acontecer mais nada. — Fez uma pausa, a tempo de perceber o pequeno sorriso satisfeito de Dominic. — E… cancela a encomenda para amanhã.
Do outro lado, silêncio. Depois, um breve e carregado “Entendido”. A ligação caiu.
Dominic se aproximou, tirando o celular da mão dela.
— Boa garota.
O elogio não tinha calor, apenas um controle frio, como quem acaba de colocar uma peça no lugar certo do tabuleiro.
Mas o que ele não sabia… é que “cancelar a encomenda para amanhã” não era apenas uma frase aleatória. Era um código. Um que o contato dela entenderia perfeitamente: Estou sendo vigiada. Mude o plano.
Valentina sustentou o olhar dele, forçando um ar de aparente rendição.
— E agora?
Dominic se inclinou, tão perto que ela pôde sentir o calor da pele dele.
— Agora, princesa… você começa a trabalhar para mim.
E enquanto ele se afastava para falar com Rafael e Victor, ela sabia que tinha acabado de entrar num jogo onde a menor falha poderia ser mortal.
Dominic ficou alguns segundos com o celular na mão, como se pesasse a veracidade do que ela acabara de fazer. Seus olhos percorriam o rosto dela com uma precisão que fazia Valentina sentir como se estivesse nua, cada microexpressão exposta e analisada.
— Você fala bem — comentou, servindo-se de mais uísque. — Mas vou descobrir rápido se é boa de verdade… ou só uma atriz tentando ganhar tempo.
Valentina cruzou os braços, sustentando o olhar dele. — E eu vou descobrir se você é tão perigoso quanto parece… ou só gosta de encenação.
Ele soltou uma risada curta, mas havia um brilho no olhar que dizia que estava registrando cada palavra para usar depois.
— Continua me provocando, princesa. Esse tipo de coragem… sempre me diverte.
Rafael reapareceu pelo corredor, jogando um envelope grosso sobre a mesa.
— Os endereços estão aqui.
Dominic abriu o envelope e espalhou várias fotos e documentos sobre o tampo de vidro.
— Reconhece algum?
Valentina olhou rapidamente, como se fosse apenas curiosidade, mas sentiu o estômago contrair ao ver o rosto de dois homens que conhecia bem. Ambos tinham ligação direta com o seu alvo original… e agora, aparentemente, também com Dominic.
— Então, princesa… — ele começou, apoiando-se na mesa com as duas mãos — …a partir de amanhã, você vai me ajudar a chegar mais perto deles.
Ela inclinou a cabeça, avaliando-o. — E se eu me recusar?
Dominic sorriu. Não um sorriso de ameaça explícita, mas aquele tipo de expressão lenta e controlada que dizia que ele já tinha pensado em todas as respostas possíveis.
— Não vai se recusar. Porque lá fora… você não tem ninguém para te proteger.
Valentina conteve a vontade de responder. Guardou a informação, assim como fazia com todas as outras. E, enquanto ele voltava a examinar as fotos, ela já estava calculando como transformar a própria sobrevivência… na sua vantagem.